NOVO GOVERNO
Jonas Valente e Rogério Tomaz Jr.(*)
O texto publicado pelo professor Nilson Lage na última edição deste Observatório apresenta uma série de pontos que merecem ser comentados. Como militantes do movimento estudantil de comunicação que construíram a luta contra o Provão e por uma avaliação verdadeira nos últimos três anos, não podemos deixar esta oportunidade passar em branco. É um momento para reafirmar e esclarecer algumas concepções, bem como dar prosseguimento ao debate sobre as políticas educacionais no governo Lula.
O professor abre seu texto dizendo de modo simplista que o fim do Provão é intenção de alguns especialistas que afirmam ter influência do PT. É bom lembrar que as categorias organizadas dos professores, estudantes, servidores e até mesmo dos reitores (ou seja, grande parte da comunidade acadêmica) reivindicam há anos o fim e a substituição deste pseudo-instrumento de avaliação. Propostas alternativas não faltaram. Por isso, é importante que o debate seja feito não enquanto mera mudança de governo, mas enquanto construção do diálogo com os segmentos que pautam esta discussão e que têm posição formada sobre ela.
Em seguida, o professor coloca que o atual governo "parte, em boa hora ? e já vai tarde". Contradição clara no discurso. O que é o Provão se não a manifestação mais explícita da cartilha neoliberal de FHC para as políticas educacionais? O Provão faz parte do projeto do Banco Mundial para as universidades da América Latina ? tanto que a verba vem deste organismo, como disse o professor Lage. Este órgão jamais iria financiar um programa que fosse contrário à sua política. A "avaliação" do MEC consolidou o Estado-xerife, que somente fiscaliza ao invés de gerir, contribuiu para o desmonte das universidades públicas e a expansão das particulares (buscando privatizar mais um setor público, depois de tantos outros) e disseminou a ideologia tecnicista por meio dos conteúdos cobrados em prova. O ensino é mercadoria (de luxo) e o Provão é o seu ISO9000.
Para o professor Lage, o Provão trouxe "modernização" para a "nossa área (o Jornalismo)" e fez as instituições se preocuparem com o tipo de profissional que estavam formando. É importante dizer que esta "modernização" é a principal justificativa para o empréstimo (seria melhor dizer doação) de quase um bilhão de reais do BNDES para as fábricas de diploma do ensino superior. Enquanto isso, o orçamento das instituições federais foi sistematicamente reduzido ? caindo 25% somente este ano. Quanto à qualidade de formação, pergunta-se: que preocupação foi essa? A que sorteou carros e prêmios aos "bambas do Provão"? A dos cursinhos pré-Provão? A da adequação dos currículos para os alunos conseguirem boas notas, independentemente do projeto pedagógico? Temos claro que o debate sobre o Provão passa sim pela qualidade de formação, mas o que o Exame Nacional de Cursos fez foi enviesar a discussão com maquiagens e táticas vestibulescas.
"Picaretagem juvenil"
O professor Nilson Lage é o principal porta-voz do movimento pela emancipação do Jornalismo do campo da Comunicação. No entanto, enquanto membro da Comissão do ENC e agente legitimador da política do MEC, ele poderia explicar porque somente esta habilitação foi avaliada nas cinco edições do Provão para a Comunicação. Seria o medo da multiplicação da rebeldia e da "picaretagem juvenil"?
O professor também trata da crítica que diz que o Provão é o único instrumento avaliativo. Claro que não é verdade. Mas, da nossa parte, o questionamento nunca foi esse. Sempre colocamos que o ENC é o carro-chefe e que sua projeção é infinitamente maior do que a Avaliação das Condições de Ensino. Além do mais, não se pode levar a serio uma avaliação com a periodicidade de quatro anos.
Lage passa então a desqualificar os opositores do Provão (já estamos acostumados a ser chamados de covardes na seção Diretório Acadêmico do OI). Afirma que os coordenadores dos cursos das escolas privadas incentivam os estudantes à campanha contra o instrumento, afirmando de forma grosseira que eles "estimulam a aliança entre a paixão insurgente e a picaretagem juvenil". Sem discutir o demérito da grosseria do professor, é importante esclarecer que isso não é verdade. Os coordenadores ? segundo nos informaram alguns deles ? são muito bem doutrinados nos seminários do MEC/Inep (que já aconteceram colados ao Fórum dos Professores de Jornalismo) para aplicar com eficiência a repressão ao movimento estudantil de comunicação (organizado pela Enecos) e impedir a discussão séria sobre o tema. Exemplos não faltam: proibição de debates sobre o assunto, ameaça de expulsão dos estudantes "rebeldes" ? como aconteceu em Santos, Belo Horizonte e muitas outras cidades ? e outras táticas que beiram a ideologia nazi-fascista.
Por último, o professor generaliza os opositores docentes como se todos fossem saudosistas do Paiub (Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras). Ignora que o Sindicato Nacional dos Docentes de Ensino Superior (Andes-SN) deliberou em congresso uma proposta de avaliação alternativa ao Provão. Lage passa então a criticar o Paiub e a conduta dos professores e desloca o foco do debate. Critica os valores de conduta social, e não a metodologia e/ou o conteúdo do instrumento em si. A defesa incondicional do Paiub, registre-se, está longe de ser consensual.
Chega de ranking e letrinhas
A discussão aqui é por uma outra proposta de avaliação e não deve ser feita com base na atuação ineficaz e distorcida dos seus agentes implementadores, mas sim na construção de um instrumento que neutralize a possibilidade de permitir tais práticas e que tenha mecanismos de controle/gestão por parte de todos os atores envolvidos.
Chega de ranking e letrinhas que não dizem nada e não levam a lugar algum. Para nós, que passamos anos sendo massacrados pelo MEC e ouvindo o coro dos contentes, é uma felicidade e, mais que tudo, um desafio, ver a possibilidade da construção de uma avaliação real, que aponte as falhas em todas as esferas das Instituições de Ensino Superior e garanta um processo democrático do planejamento das soluções ? o desejado equilíbrio entre os princípios de accountability (prestação de contas, no caso, à sociedade) e a transformação das estruturas do ensino superior. A discussão será longa. No entanto, pela primeira vez, há espaço para o diálogo necessário à construção de um projeto à altura deste desafio. Resta saber se os adoradores do Provão têm essa disposição e esse compromisso em suas agendas.
(*) Estudantes de Comunicação (Jornalismo) da UFMA e da UniCeub, respectivamente, e diretores da Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos).
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