Roberto Belisário (*)
No dia 21 de julho, alguns jornais brasileiros anunciaram a detecção da "última" das partículas subatômicas cujas existências são previstas pela teoria atual (o "Modelo Standard" ou "Padrão"). Todas as outras já teriam sido confirmadas experimentalmente. A partícula, chamada neutrino tau, foi observada no laboratório do Fermilab, nos Estados Unidos. Qual não deve ter sido a confusão do leitor ao dar, no início de setembro, com relatos de que o laboratório do CERN (Organização Européia para Pesquisas Nucleares, na fronteira entre França e Suíça) está procurando a última (de novo?) partícula subatômica ainda não observada, o bóson de Higgs. Afinal, o Modelo Padrão está ou não finalmente confirmado? O neutrino foi ou não a última peça?
O diminuto neutrino tau (ou neutrino do táon), muito mais leve do que o elétron, não era a última partícula que faltava ? trata-se de um erro da imprensa. A interpretação errônea foi publicada, por exemplo, pelo Estado de S. Paulo (21/7/00) e pela revista Galileu (setembro de 2000). "O quebra-cabeça das partículas que formam o mundo material está completo. (…) [O neutrino tau] jamais havia sido observado antes", disse a revista. Foi um caso onde o leitor teve muito poucas condições de se dar conta do engano, a não ser que tivesse consultado um especialista.
A Folha de S. Paulo (21/7/00) deu a mensagem correta, dizendo que o neutrino tau era o último dos três tipos conhecidos de neutrinos a ter sua existência confirmada por observação direta (os outros dois são o neutrino do elétron e o neutrino do múon, já detectados).
Além disso, o neutrino tau já havia sido observado ? só que indiretamente. Imagine que um grupo de garotos jogando uma pelada no quintal lance a bola através do vidro da janela do vizinho e ela role para baixo de sua cama. O vizinho fica sabendo que atiraram uma bola para dentro de seu quarto porque ouve o barulho e vê o buraco na janela e os cacos de vidro espalhados pelo chão (observação indireta) ? e não porque viu a própria bola (observação direta). De forma semelhante, até abril a existência do neutrino tau só havia sido confirmada indiretamente através da observação de fragmentos derivados de colisões entre outras partículas, feitas dentro dos aceleradores. A grande novidade do Fermilab foi a sua observação direta.
Nem leram o press-release
Nem o neutrino tau nem o bóson de Higgs eram as últimas partículas que faltavam ser observadas diretamente. Há ainda seis quarks (constituintes de prótons, nêutrons e outras partículas) que só foram detectados de forma indireta. O último deles, o quark top, só foi observado em 1997, no CERN, com a participação de cientistas brasileiros. Isso é usado como argumento contra a teoria dos quarks pelos seus críticos.
O bóson de Higgs, porém, é a última partícula prevista pelo Modelo Padrão cuja existência falta ser confirmada por qualquer tipo de observação, direta ou indireta. O CERN ainda não o fez, mas encontrou indícios (ainda inconclusivos) de que pode estar próximo de consegui-lo. Foram sobre isso as notícias veiculadas no início de setembro sobre o bóson de Higgs (p. ex., Folha de S. Paulo, 7/9/00).
Os press-releases relacionados ao neutrino tau foram bem explícitos em dizer que tratava-se do último neutrino diretamente observado. Não se falou em "última partícula que faltava". Isto torna mais grave os comentários da Galileu, que teve tempo suficiente para fazer uma pesquisa mais aprofundada e analisar os press-releases. Um deles pode ser encontrado no site <www.fnal.gov/directorate/public_affairs/story_neutrino/p1.html>.
(*) Físico
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