COLUNISMO SOCIAL
Nelson Hoineff (*)
A reportagem geral foi bem mais comedida do que o colunismo social em relação ao patético episódio da boca-livre oferecida pelo "empresário" Alexandre Accioly na semana passada. Quem ganha pouco ficou muito menos deslumbrado do que os mais abastados com a fartura de champagne e caviar. Quem anda de ônibus não se impressionou nem um pouco em ver atrizes famosas sendo trazidas de helicóptero para a festança. O farto material humorístico oferecido pelo ágape aos colunistas que lidam com essa matéria-prima foi melhor aproveitado por Arthur Xexéo (O Globo) que pelos outros, apesar de também ter sido utilizado pelo Agamenon, no mesmo jornal.
O mero fato, porém, de um evento tão deprimente ter deixado tantos colunistas sociais babando explicitamente lembra não apenas que este é um dos poucos gêneros de jornalismo impresso que involuiu nos últimos anos, como também que há na imprensa um estranho espaço para a convivência entre a investigação e a subserviência, entre o enriquecimento cultural e o deslumbramento mundano.
Durante algum tempo julguei que Caras fosse uma paródia e Chiques e Famosos uma brincadeira espalhada em corrente ? até entender que ambas as revistas de fato existiam e as pessoas pagassem para lê-las (eu disse lê-las?). É impossível deixar de imaginar, no entanto, a divertida perplexidade com que publicações assim serão lidas no futuro ? símbolos improváveis de uma época em que tal coisa era possível. O mesmo ocorre agora com algumas colunas sociais. Muitos incautos acreditavam que essa época tivesse acabado anos atrás, pelo menos nas grandes capitais; que as intermináveis fotos de ricos, jogadores de futebol e artistas da Globo tivessem sido substituídas para sempre pelo colunismo informativo de jornalistas como Zózimo Barroso do Amaral, Ricardo Boechat, Carlos Leonam ou Ancelmo Gois. Para as pessoas que achavam isso, é sempre uma surpresa quando aparece, não muito longe de matérias investigativas ou analíticas, a monótona sucessão de fotos de grã-finos e o texto (que de fino não tem nada) que as acompanha.
Não há como deixar de acreditar que, no fundo, eventos como a festa do Accioly são da mesma natureza que a exposição dos produtos das Organizações Tabajara. Tudo não passa de humorismo de primeira, feito como se fosse a sério, com figuras até como Washington Olivetto para legitimar ? e que um dia vamos ser informados de que tudo não passava de um magnífico golpe publicitário arquitetado por um pool de grandes agências. Quanto mais essa informação demora a chegar, mais nos convencemos que tal festa realmente existiu, que tais festas realmente existem. Que muitas pessoas com espaços em jornais acharam tudo aquilo autenticamente chiquérrimo. Que Ronaldinho ou Luciano Huck é o que nos é dado chegar de sofisticação social.
Ricos e vulgares
Penso nisso para chegar a algo ligeiramente mais sério ? ou não muito, afinal. Na mesma semana em que Accioly importava atrizes, o Jornal Nacional era saudado por entrevistar com isenção os candidatos à presidência da República. As entrevistas impressionaram tanto a mídia quanto a boca-livre impressionou os colunistas. Por motivos diferentes, cada um se impressionou com o oposto do que deveria ter achado extraordinário
Explico: o que há de notável na boca-livre do empresário é o fato de tanta gente ter ficado deslumbrado com um acontecimento tão constrangedoramente vulgar; já o que há de extraordinário nas entrevistas da Globo é o fato de tanta gente ter ficado estupefata pelo fato da televisão fazer exatamente o que deveria ser o seu papel.
Muitos dos comentários feitos sobre essas entrevistas já mencionaram isso ? e é justamente essa peculiaridade que faz com que a sucessão de entrevistas não se torne um fato isolado e que toda a televisão seja cobrada pelo que é sua obrigação: informar com isenção, não se deixar cair em tentações que vão bem além de algumas taças de Veuve Clicqot.
Não se trata apenas de promover entrevistas semelhantes, mas de colocar-se lado a lado com a sociedade nos temas que lhe são vitais e que cabe à informação de massa levantar. A segurança pública no Rio é um exemplo. Passado o trauma do caso Tim Lopes, a Globo ainda mantém uma postura investigativa e de cobrança das autoridades. Para a maioria das outras redes, no entanto, Tim Lopes já começa a ser passado, parte de um show que mostra sinais de esgotamento.
Pensar assim é mil vezes pior do que perder a visão crítica do ridículo que há por trás de novos ricos esbanjando fortunas para aparecer nos jornais. O acerto da Globo apenas mostra que há espaço e demanda para telejornalismo de qualidade ? não importa o tamanho da corporação que o produza. O brasileiro não quer saber quantas garrafas de champagne um novo rico de ocasião mandou vir da França nem quantos jornalistas comeram de graça. Quer saber, sim, quais os interesses de há por trás de cada candidato que pede o seu voto; quer saber se os seus filhos terão acesso ao mercado de trabalho e segurança para andar nas ruas.
Não encontrará a resposta nas fotos dos ricos, dos novos-ricos, dos chiques, dos vulgares e dos famosos; mas pode saber disso lendo jornal e vendo televisão.
(*) Jornalista, escritor e diretor de TV