ESCOLAS DE JORNALISMO
Victor Gentilli
A questão é simples: a impossibilidade de acesso a um direito pode impedir o acesso a outro direito? O Brasil já viveu essas perdas cumulativas de direitos em vários momentos de sua história. A mais significativa e emblemática: quem não tivesse tido o direito à educação básica, até a Constituição de 1988, tinha bloqueado o acesso aos direitos políticos. Os analfabetos eram proibidos de votar, de forma que uma exclusão (do acesso ao ensino básico) gerava novas exclusões (do acesso aos direitos políticos), impondo um círculo vicioso perverso desde a origem.
Será que eliminamos essa perversidade de nossa democracia?
Um dos participantes do Observatório da Imprensa na TV (terça-feira, 17/6) pareceu raciocinar da mesma forma. O termo usado foi "despejar". A frase: "Os cursos de Comunicação despejam cerca de três mil profissionais no mercado todo ano". Pode fazer sentido, até porque o tema em debate era a crise do jornalismo e a perda de emprego de vários colegas, em mais um surto de demissões, desta vez numa magnitude nunca vista. Mas não seria conveniente refletir melhor sobre o sentido mais fundo de comentários deste tipo? A questão que se insinua é a seguinte: se o jovem brasileiro hoje tem dificuldade de acesso ao emprego, então o acesso ao ensino superior também deve ser dificultado. Seria isso mesmo?
Será que o problema dos cursos de Comunicação estaria no número de formandos? Segundo os dados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (PNAD), divulgados na semana retrasada, com grande destaque nos jornais, cerca de 15% dos jovens brasileiros entre 18 e 24 anos alcançam o ensino superior. O Plano Nacional de Educação, que este governo pretende cumprir, prevê que tal índice alcance pelo menos 30% até o fim da década, com 40% das vagas oferecidas pelo setor público.
Recuemos algumas décadas na história brasileira. As grandes manifestações estudantis que tiveram em 1968 seu esplendor tomaram força na luta contra os então chamados "excedentes". O vestibular, na época, era por nota. Todos aqueles que alcançavam a nota mínima tinham seu acesso à universidade garantido. A partir de meados dos anos 1960, graças, claro, ao crescimento do hoje ensino médio (na época, colegial, também chamado de clássico, científico ou ensino normal, conforme a ênfase), as vagas nas universidades não mais davam conta de atender a todos os aprovados no vestibular. Os "excedentes" eram aqueles que, pela lei, tinham passado no vestibular, mas excediam as vagas disponíveis. O ministro da Educação na época, Jarbas Passarinho, como sempre na ditadura, "resolveu" o problema mudando a lei. Assim, modificou-se o vestibular, que passou a ser classificatório. O movimento estudantil voltou-se para outras questões (com justa razão), recolheu-se com o AI-5 e no retorno nunca mais tratou como prioridade a questão das vagas do ensino superior.
Círculo vicioso?
O nome do vestibular mudou, já agora em tempos recentes. Hoje chama-se "processo seletivo". Mas tudo continua absolutamente igual. Há anos, as universidades públicas não aumentam suas vagas. Ou aumentam em velocidade muito mais lenta do que o crescimento das vagas dos cursos privados.
Claro, ninguém ignora a crise que o jornalismo brasileiro enfrenta agora.
Algumas áreas de ensino mais consolidadas e mais corporativas (em especial a Medicina e o Direito) exigem a participação de entidades representativas nas autorizações de novos cursos. Aparentemente, para julgar a qualidade das ofertas de novos cursos; na prática, todos sabemos, para tentar segurar o mercado de trabalho e impedir sua ampliação com novos profissionais. Cursos novos de Direito e Medicina precisam de aprovação, respectivamente, da Ordem dos Advogados do Brasil e do Conselho Federal de Medicina para serem autorizados a funcionar.
Seria este o caminho desejado também para os jornalistas?
De fato, o crescimento do número de cursos de Jornalismo, no Brasil, foi grande nos últimos anos. A alternativa, agora, seria limitar esse crescimento? Avançamos, em anos mais recentes, com critérios e exigências duras para a criação de novos cursos. Tais critérios, hoje, não mais vigoram.
O Brasil não pode oferecer aos seus jovens cursos produzidos por "fábricas de diplomas", que recolhem o dinheiro suado dos pais em troca apenas de um pedaço de papel. Precisamos oferecer cursos de qualidade, em instituições com instalações decentes (inclusive laboratórios), corpo docente qualificado (não necessariamente com titulação) e projeto pedagógico adequado.
Claro que o ensino não pode ignorar a realidade do mercado de trabalho. Seria justa, porém, a submissão, a adequação da oferta de vagas à existência de mercado de trabalho?
Em outras palavras, vamos reincidir no círculo vicioso? O fato de o jovem brasileiro não ter acesso ao emprego seria um bom motivo para dificultar o acesso ao ensino superior?
Eis um bom debate.
Sugestão de pauta
Não seria interessante mostrar se o MEC continua autorizando novos cursos no ensino superior privado? Falava-se muito nas autorizações desenfreadas de novos cursos no governo passado. Se as autorizações diminuíram, interessa; se aumentaram, também. Se continua como no governo passado, idem. Qualquer resultado é notícia. Quem se habilita?