Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Desserviço à nação


"TV violenta afecta crianças", copyright Público, 27/7/00

"Um senador norte-americano, Sam Brownback, disse ontem que a importância de estabelecer uma relação peremptória entre a televisão e a violência só é comparável ao momento em que se provou um paralelo entre o tabaco e o cancro. ‘Estamos perante um ponto de viragem. Já não há na comunidade profissional dúvidas nenhumas sobre isto. Pela primeira vez, quatro das mais prestigiadas associações médicas e psiquiátricas juntaram-se para afirmar categoricamente que a violência veiculada pela indústria do entretenimento tem um efeito directo nos nossos filhos’.

A emotividade do político norte-americano tem razão de ser. Até hoje, as certezas sobre o grau de influência da televisão, dos vídeos, da música e dos filmes nos telespectadores não eram muitas e, sobretudo, não eram consistentes. Desta vez, a Associação Americana dos Médicos, dos Pediatras e dos Psicólogos, para além da Academia de Psiquiatria Infantil e Adolescente juntaram-se para afirmar a uma só voz as suas certezas quanto à existência de uma relação directa entre o aumento da violência entre os menores de idade e os conteúdos transmitidos pelo audiovisual, designadamente a televisão, o vídeo e a música. E fizeram-no de forma taxativa.

A declaração conjunta das quatro associações, ontem divulgada no âmbito de um debate sobre a violência na indústria do entretenimento, dizia que ‘a conclusão da comunidade de saúde pública, baseadas em mais de 30 anos de pesquisa, é de que consumir conteúdos violentos aumenta a agressividade nas atitudes, valores e comportamentos, particularmente nas crianças’. Segundo o depoimento, os ‘efeitos são mensuráveis e duradouros’ e têm ainda uma consequência suplementar: ‘o consumo prolongado de imagens violentas pode gerar distanciamento emocional em relação à violência no mundo real’.

‘As crianças que estão expostas a muita violência nos media têm tendência a ver a violência como um meio efectivo de resolver conflitos e a achar que gestos violentos configuram um comportamento aceitável’, continuam as associações na sua declaração conjunta. Para além do ‘alheamento emocional em relação à violência real’, as crianças que consomem muita violência na televisão, por exemplo, ‘têm menos probabilidade de agir a favor da vítima de um acto violento’, defende o comunicado. Finalmente, as associações norte-americanas concluem que ‘o visionamento da violência pode induzir em comportamentos violentos na vida real’. Crianças precocemente expostas a programação violenta têm uma ‘tendência maior a assumir comportamentos agressivos mais tarde, do que crianças que não sofreram essa exposição’, especificam.

A forma definitiva como as associações traduziram as suas constatações levou os organismos representativos da indústria do entretenimento a reagir com cautela. ‘Não nos podemos pronunciar sobre algo que ainda não vimos’, disse o porta-voz da Associação Nacional de Operadores de televisão.

Menos hesitante, o senador Brownback espera que ‘os pais olhem para estas conclusões e percebam que têm que vigiar melhor os conteúdos que os filhos visionam, da mesma forma que vigiam a sua alimentação ou outros aspectos da sua saúde’. O director de um organismo de monitorização da violência nos media, o ‘The Lion and Lamb Project’, saudou a declaração conjunta das associações médicas dizendo: ‘Neste preciso momento a mensagem que se está a enviar para as crianças é de que a violência não tem problema, que faz parte da vida e que até pode ser divertida’, disse. E frisou: ‘Estamos mesmo a usar a violência para fazer humor’. Quanto ao envolvimento dos pais, não tem dúvidas: ‘Nós pensamos que os pais têm de controlar melhor o uso do controlo remoto’."