Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Diana Fernandes e Francisco Leali


MÍDIA E ACM

"Hora da saída", copyright O Globo, 17/05/01

"Num relatório de 30 páginas, o senador Saturnino Braga (PSB-RJ) pediu ontem a cassação do mandato dos senadores Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e José Roberto Arruda (sem partido-DF) ao concluir que os dois mentiram e foram omissos no escândalo da violação do painel do Senado. A sessão do Conselho de Ética para a leitura do relatório começou às 10h, mas a notícia mais surpreendente do dia chegou ao Congresso antes, quando Antonio Carlos, em entrevista ao ?Bom dia Brasil?, da TV Globo, admitiu pela primeira vez a possibilidade de renunciar para escapar da cassação e da perda dos direitos políticos por oito anos.

De hoje até quarta-feira, dia da votação do relatório de Saturnino no Conselho de Ética, Antonio Carlos e seus aliados vão tentar ampliar os votos contra a cassação. Se ficar evidente que não terá mais do que os cinco do PFL no conselho, poderá renunciar antes mesmo da votação do relatório. Caminho que deverá ser seguido por Arruda.

Antonio Carlos tem pela frente, antes da abertura do processo, quando se esgotará o prazo para a renúncia, também a votação do caso na Mesa Diretora do Senado. O problema é que o voto decisivo da Mesa poderá ser de seu inimigo e atual presidente da Casa, Jader Barbalho (PMDB-PA).

O fato de a votação no Conselho de Ética ser aberta desanimou ainda mais o PFL. Senadores e deputados do partido estimavam que as chances de impedir o processo de cassação são inferiores a 50%. O voto secreto era considerado pelos pefelistas uma vantagem na batalha por novos apoios.

Na entrevista ao ?Bom Dia Brasil?, Antonio Carlos afirmou:

– Tudo é possível. Até a renúncia, dependendo das circunstâncias. O que não posso é privar a Bahia de um representante no Senado ou no governo do estado. E a Bahia me quer num desses dois cargos.

Ao chegar ao Senado, horas depois, ele negou o que havia dito:

– Estou indignado com aquela frase da televisão. Não disse que ia renunciar. Não há a menor hipótese de renúncia. Espero vencer e disputar os votos na área própria.

Comportamento omisso e ilícito

Em seu relatório, Saturnino afirma que ?o comportamento omisso e ilícito dos dois senadores configura prática de irregularidade grave no desempenho dos encargos decorrentes do mandato?. E conclui: ?Nosso voto é pelo encaminhamento dos autos deste processo à Mesa Diretora do Senado para que delibere sobre a cassação dos mandatos dos senadores? .

Antonio Carlos contestou:

– O relatório é ilegal, uma aberração jurídica.

Embora o senador negue que vá renunciar, o clima entre aliados e assessores é de pessimismo.

– Cresceu muito a possibilidade da renúncia. Está mais claro agora que se ele não conseguir um entendimento com senadores de outros partidos, optará pela renúncia – admitiu um senador do PFL.

Apenas fiéis escudeiros da Bahia fazem coro ao discurso do chefe:

– Apostamos na história política do senador. O relatório fugiu da argumentação jurídica, não tem fundamento – disse o deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA).

Arruda também negou que esteja considerando a hipótese. Tem dito a amigos que seria seu pior fim.

– É um assunto (renúncia) que nem cogito. Um relatório não pode pedir para abrir um processo contra você já estabelecendo que sua pena será a de morte – disse.

Reservadamente, porém, já teria consultado assessores jurídicos do Senado sobre as implicações da renúncia. O deputado Arthur Virgílio (PSDB-AM), que esteve com Arruda, continua considerando que essa é a melhor saída para ele:

– Já o aconselhei uma vez sobre isso. Agora é com ele."

"Procurador esperava maior rigor", copyright Jornal do Brasil, 17/05/01

"?O relatório poderia ter sido mais duro com ACM?, disse ontem o procurador da República Luiz Francisco de Souza, autor da gravação que motivou o processo do Conselho de Ética contra os senadores José Roberto Arruda e Antonio Carlos Magalhães por violação do painel eletrônico.

Na fita, gravada no fim de fevereiro, ACM disse a três procuradores – Luiz Francisco, Guilherme Schelb e Eliana Torelly – que tinha a lista dos votos dados na cassação do mandato do ex-senador Luiz Estevão, em junho do ano passado.

Na época, o procurador foi criticado por colegas do Ministério Público Federal (MPF) por ter divulgado a gravação. ?Pelo menos agora as pessoas vão ver que eu não estava errado?, afirmou.

Luiz Francisco teve um dia normal. Chegou ao prédio do Ministério Público por volta de 12h20, já sabendo do teor do relatório do senador Roberto Saturnino, pedindo a pena de cassação para Antônio Carlos e Arruda. ?Não tinha como ser diferente?, disse.

Quando chegou a seu gabinete, no oitavo andar do prédio do MPF, o procurador não ligou o rádio para acompanhar a sessão do Conselho de Ética, ao contrário do que fez nos depoimentos dos dois senadores e de Regina Célia Borges, ex-diretora do Prodasen, que diz ter recebido ordem para violar o painel, e na acareação entre os três acusados.

Para Luiz Francisco, o relatório do senador Roberto Saturnino deveria ter usado como peça principal de acusação o depoimento de Regina Borges. ?Cabe ao juiz pesar provas e aceitar o depoimento mais plausível. No relatório fica parecendo que ele (Saturnino) levou mais em conta a palavra de ACM do que a de Regina?, criticou.

Quando divulgou a fita, o procurador se defendia das críticas dizendo que estava ajudando o país. Mas, na avaliação do procurador Guilherme Schelb, que desde que a fita se tornou pública não conversa com Luiz por ?absoluta falta de confiança?, tudo não passou de um grande golpe de sorte.

?Foi um tiro no escuro. Por sorte ou qualquer outro motivo os eventos resultaram num efeito positivo?, afirmou. ?Mas faço questão de insistir: os fins não justificam os meios. Tudo isso poderia ter acontecido de um forma mais correta e ordenada. Se não fosse o efeito imprevisível da fita, nada do que se fez teria sentido?, disse Schelb."

"?500 mil argumentos?", copyright Jornal do Brasil, 17/05/01

"O senador Nabor Júnior (PMDB-AC) deu, ontem, a seguinte entrevista ao Jornal do Brasil:

O senhor leu os jornais hoje?

– Não, por quê?

O ?Painel? da Folha diz que o senhor recebeu ?500 mil argumentos? para votar contra a cassação de ACM…

– Ah, o ?Painel? fala que eu recebi 500 mil, mas 500 mil argumentos.

– É uma linguagem cifrada. O que se fala é que o senhor recebeu R$ 500 mil de uma empreiteira baiana para votar contra a cassação de ACM, e que receberia outros R$ 500 mil depois da votação.

– Se eu tivesse recebido R$ 500 mil até que não seria mal para a minha campanha. Fui governador e sempre fui honesto. No governo, eu contratei a Caterpillar e comprei umas máquinas (tratores), um negócio de R$ 3 bilhões. No final, eles me disseram que eu teria um bônus de 10% e que poderia receber em dinheiro ou em máquinas para o estado. Preferi máquinas. Eram R$ 300 mil. Se eu não fosse honesto, ficaria com o dinheiro.

– A desconfiança é do próprio PMDB…

– Quem é sua fonte?

– Não posso revelar.

– Eu gostaria de saber. O que fiz foi procurar o Renan Calheiros, líder do meu partido, e informar que não votaria com o PMDB e sim com a minha consciência.

– O que se diz é que o senhor recebeu a oferta de um tal de Laranja…

– É isso? Eu abro meu sigilo bancário…

– E o telefônico?

– O telefônico também. Não tive contato com ninguém. Nem tenho falado com ninguém do ACM.

– E como o senhor vai votar?

– Com a minha consciência. A opinião pública pode esperar. E, por favor, desminta a notícia da Folha de forma peremptória."

"Como Veja e Istoé constroem suas próprias realidades sobre a crise na base política de FHC", copyright Pangea (www.pangea.com.br), 18/05/01

"O espelho do mundo visto pelos olhos em que você confia. Esta assinatura, utilizada por uma revista brasileira de porte durante anos, é o paradigma do desejo (oculto ou expresso) de quem dirige qualquer publicação. Trata-se de construir uma versão sobre a realidade – cujo eixo pode até ser a idéia de que não se está construindo nada, mas apenas ?narrando os fatos? – que seja a expressão da vontade de uma fatia dos leitores. E que, em conseqüência, ajude a moldar a opinião desses e, se possível, de muitos outros leitores.

A atual crise na base parlamentar de apoio do governo Fernando Henrique Cardoso oferece – em especial àqueles que acreditam na ?imparcialidade? e no ?senso comum? como faróis norteadores da imprensa – um excelente exemplo sobre como se constrói um, ou melhor, dois ?espelhos do mundo vistos pelos olhos em que você confia?.

Tomemos duas publicações nacionais de destaque, as revistas Veja e Istoé, para uma comparação simples sobre a cobertura da seqüência de episódios envolvendo os escândalos da violação do painel de votação no Senado, Sudam, Sudene e CPI da Corrupção, além da eleição da Presidência do Congresso, ao longo de 19 edições publicadas neste ano, até 16 de maio.

Enquanto Istoé enfocou esse bloco de assuntos em 16 das 19 edições analisadas, Veja abriu suas páginas em 13 edições (a pesquisa restringiu-se às reportagens e entrevistas, não se atendo a seções de opinião, notas ou cartas). Assuntos envolvendo o senador pefelista baiano Antônio Carlos Magalhães apareceram em dez matérias publicadas no período por Veja, que dedicou ainda 15 matérias ao bloco Jader Barbalho/escândalos na Sudam e Sudene. Houve também cruzamento de assuntos em algumas das matérias.

O perfil quantitativo da cobertura de Istoé foi muito diferente. A revista semana tratou do complexo ACM/PFL em 15 matérias. Jader Barbalho, Sudam, PMDB, apareceram em apenas uma matéria.

Vamos agora a uma pequena análise qualitativa. Antes, porém, um esclarecimento: Istoé saiu na frente ao publicar (e sustentar corretamente a veracidade) das fitas em que ACM reconhece a fraude no painel de votações do Senado. Veja, de sua parte, foi pioneira em denunciar as dimensões das fraudes na Sudam e Sudene (esta, pivô da demissão do ministro peemedebista Fernando Bezerra).

Alguém poderia dizer que os ?furos? jornalísticos obtidos pelas respectivas redações teriam orientado as coberturas. Mas não; imperou a coerência política das duas revistas. Enquanto Istoé tem ligações históricas com o PMDB, incluindo Jader Barbalho e o senador amazonense Gilberto Miranda, Veja guarda grande proximidade, há anos, com ACM. Tudo indica, inclusive, que as duas equipes políticas foram as responsáveis pelo ?vazamento? dos dossiês sobre os respectivos desafetos.

Um estudo, ainda que ralo, da cobertura de Veja, indica um posicionamento claro anti-Jader e pró ACM (ou, no mínimo, leniente quando se comprovou a violação do painel do Senado). Neste último caso, podemos destacar como chamadas: ?ACM – Acareação (9.5)?; ?ACM fez o melhor, mas os fatos ainda o embaraçam? (2.5); ?Fitas de ACM: a versão é diferente do fato (14.3)?; ?ACM em Miami: ele não vai ficar calado (7.3)?; ?A violação do painel de votação? (25.4).

Sobre Jader Barbalho e seu PMDB, Veja sapeca: ?Jader Barbalho usa a retórica mas não convence?; ?Sudam, a queda da quadrilha e as primeiras prisões?; ?Um documento liga Jader a um fraudador da Sudam?; ?A corda bamba de Jader Barbalho?; ?Como Jader saqueou o banco do Estado?. Na última edição analisada, de 16 de maio, Veja se perguntava: ?Por que tudo some no Pará??.

E no córner oposto? Entre as chamadas de Istoé no período, chamam a atenção: ?De volta para casa; Perto da cassação, ACM planeja renúncia?; ?Só falta cassar?; ?Embaixo do tapete: Congresso e governo trabalham para abafar investigação das fitas de ACM?; ?ACM; abraço de afogado?; ?Pego na mentira?; ?Desmanche baiano: apadrinhados de ACM e Ornellas no Ministério da Previdência começam a ser demitidos?; ?Fisgado pela voz?; ?Abaixo da Cintura: ‘Se pegar o Eduardo Jorge, chega ao presidente?. Istoé revela-se ainda mais visceral no parti-pris, por meio da quase obliteração do tema Jader/Banpará em seu noticiário.

Entre as duas grandes revistas, Istoé foi a única a utilizar seções ou assuntos laterais para atingir seus desafetos. Destaque para duas reportagens: ?Indicadores sociais mostram que governo carlista em Salvador dá as costas à pobreza e ao desemprego? e ?Jornalista suspende entrevista com autor de livro sobre ACM na TVE?. É apenas um lado a mais no polimento – nem sempre fino – do ?espelho do mundo visto pelos olhos em que você confia?."

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