Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Diga espelho meu, quem é mais legal do que eu?

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FOLHA
, 80 ANOS

Alberto Dines

Narcisismo puro: o caderno "eu me amo" que a Folha de S.Paulo apresentou no domingo, 18/2, a propósito do seu 80º aniversário, tem o título "Tudo Sobre a Folha". Mas se a turma fosse mesmo ousada no marketing, o título certo seria "Tudo sobre a Coisa".

Prato cheio para os psicanalistas, da casa ou fora dela.

A começar pela foto no alto da primeira página do primeiro caderno e na capa do suplemento especial. Minuciosamente produzida, mostra um monte de pacotes do jornal como saem da empacotadeira e, sobre eles, estendida languidamente, com o rosto escondido por um exemplar, uma figura andrógina: corpo de homem, relógio de homem, vestido rosa de mulher, meias soquete de mulher, tênis rosa, idem.

No texto proclama-se que o jornal chega aos 80 anos como "modelo de imprensa crítica, pluralista e independente". Qual a mensagem subjacente na escolha da androginia?

** Que a Folha parece uma COISA mas é outra?

** Que não é nem uma COISA nem outra, mas uma terceira?

** Que o jornal é audacioso e não tem medo de chocar os pudores pequeno-burgueses dos quais tanto depende?

** Ou foi tão-somente uma jogada do marketing para mostrar que o jornal atende tanto ao público masculino como ao feminino?

Qualquer que seja a motivação, o toque pós-moderno prejudica o esforço bem-intencionado de apresentar-se de corpo inteiro, com um tonitroante mea-culpa pelos erros passados.

Louve-se a intenção autocrítica. Invulgar nas classes dominantes brasileiras, é ainda menos visível naquela que domina as classes dominantes: a mídia. Com a admissão dos pecadilhos nos tempos do regime militar, a Folha dá uma cutucada no seu novo parceiro, o Grupo Globo. Por mais que tentem parecer iguais, na base do fifty-fifty, agora estão definitivamente desiguais.

Mas convém reparar que a história está contada pelos donos do jornal, é a história oficial. E a Folha, apesar da sedução pelo trotsquismo, sempre teve fortes pendores estalinistas sobretudo na obsessão em reescrever o passado para atender às conveniências do momento. Não esqueçamos a obra encomendada ao professor Carlos Guilherme Motta no início da década de 80 (mal começada a euforia de autopromoção), com o objetivo de apagar certas figuras e fatos. Uma das figuras que precisavam ser minimizadas era Cláudio Abramo, o que provocou repulsa simultânea nos dois extremos do espectro jornalístico – Veja e o Pasquim.

Vinte anos depois, a injustiça começa a ser reparada. Ma non troppo. Ao reconhecer o papel de Cláudio Abramo na transformação de um jornal invertebrado num jornal de opinião, a Folha não contou como humilhou um profissional deste quilate determinando que ficasse em casa mandando seus artigos por portador. Foi na fase de adoração juvenil, quando qualquer profissional com mais de 40 anos era classificado como "superado". Hoje, com os antigos doidivanas já grisalhos e talvez até com dores nas juntas, a Folha tenta ficar em dia com a verdade.

Falta muito.

Ao deitar-se no divã público para consertar seus problemas de consciência, aquele que se apresenta como o maior jornal do país repete num só golpe dois de seus números prediletos: exibir-se e adorar-se.

Paradigma deste despudor é o título de um texto assinado por um articulista "da casa" renegando seu sobrenome e trocando-o por "Dafolha". Problema com o patronímico ou com a orígem? Quer garantir o emprego ad aeternitatem ou está avisando aos futuros patrões que um dia poderá chamar-se Fulano "Doglobo"?

Na próxima edição mais algumas coisas sobre a Coisa. Entrada franca.

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