REDE ANDI
Leticia Nunes
Um trabalho bem-feito rende bons frutos. A Agência Nacional dos Direitos da Infância (ANDI) é exemplo disso. Em 11 anos de existência, já deu à luz dois filhotes: a Rede ANDI Brasil, criada em 2000, e a recém-nascida Rede ANDI América Latina, oficializada em setembro último.
A ANDI é uma organização não-governamental que visa a construção de uma cultura que estimule, nos meios de comunicação, o respeito e a defesa dos direitos da criança e do adolescente. Fundada em 1992 pelos jornalistas Gilberto Dimenstein e Âmbar de Barros, é o resultado de uma ampla mobilização para pôr em prática o Estatuto da Criança e do Adolescente.
"O objetivo era transformar a legislação em realidade", conta Veet Vivarta, diretor-editor da ANDI. Ele explica que, com a promulgação do Estatuto, em 1990, os cuidados com a criança e o adolescente passaram de uma ótica assistencialista ? ou seja, de interferência da sociedade apenas em casos extremos de abandono e violação ? para uma ótica de direitos, na qual a criança e o adolescente são considerados prioridade absoluta da sociedade.
Por conta disso, a ANDI desenvolve um trabalho para estimular jornalistas e empresas de comunicação a se sentirem responsáveis com relação ao tema. "O que nós tentamos fazer é potencializar a capacidade dos meios de comunicação para que eles consigam mobilizar a sociedade", diz Vivarta. O trabalho parece simples, mas está longe de ser. Os profissionais da agência o realizam em três etapas.
A primeira é a mobilização e sensibilização das redações. São feitos contatos com jornalistas e cria-se um vínculo de confiança e ajuda mútua. A ANDI possui uma editoria que fornece pautas para os jornais e também recebe pedidos de ajuda para a elaboração de matérias. Ela funciona como um agente intermediário entre os jornalistas e as fontes. Vivarta afirma que a imprensa brasileira é bem receptiva. Segundo ele, de 1996 a 2002, houve um crescimento de 800% no espaço dedicado ao tema nos 50 principais jornais do país.
A partir daí é trabalhada a segunda etapa, quando o comportamento da mídia é monitorado e analisado. "Além da quantidade, temos o desafio da qualidade", diz Vivarta. Começa então a parte mais árdua. É feito um clipping de um ano de cobertura sobre um tema específico ? como educação infantil, por exemplo. São reunidos cerca de 500 itens e uma equipe analisa cada matéria. O resultado final é formatado e apresentado em um seminário que reúne jornalista e fontes. E aí está a terceira etapa, quando são discutidas estratégias de ação. Nela ? e por meio da observação do material coletado ? também se busca a qualificação e capacitação dos jornalistas para que se atinja uma cobertura mais abrangente e profunda do tema.
Aliança ampliada
A partir de 2003, a ANDI começou a publicar o resultado deste trabalho nos livros Mídia e Mobilização Social, em parceria com a Unicef e Cortez Editora. Já foram lançados sete títulos, nos quais estão incluídos os números da pesquisa, as conclusões dos consultores, entrevistas com jornalistas e fontes, artigos sobre o assunto e um diretório de fontes ? desde sites até endereços de organizações. Uma parte dos livros é distribuída nas redações e organizações e outra é vendida em livrarias. O objetivo da ANDI é atingir um público acadêmico mais amplo. "As universidades já estão fazendo uso deste material", diz Vivarta.
Ele ressalta, porém, que o debate público sobre o assunto ainda tem que ser ampliado e aprofundado. A tentativa de diálogo com as universidades faz parte desse processo, mas não é tudo. O que falta, segundo Vivarta, é a conscientização da própria imprensa. "Enquanto as empresas de comunicação não pensarem na agenda social do país como algo importante, não teremos avanço. A cobertura aumentou, mas ainda é superficial e básica demais, e é isso que precisa mudar." É para isso que a ANDI luta há tanto tempo. E vêm conseguindo resultados.
Se no começo a agência se resumia ao trabalho de três pessoas numa sala alugada em Brasília, hoje conta com mais de 60 funcionários, entre jornalistas, estagiários, voluntários e equipe de apoio.
Além de prover uma ajuda valiosa para a imprensa, o trabalho é inspirador. O sucesso da ANDI motivou a criação da Rede ANDI Brasil, que surgiu de uma aliança entre a agência e outras cinco organizações. Hoje, é composta pela Agência Uga-Uga de Comunicação, do Amazonas; Associação Educacional e Cultural Oficinas de Imagens, de Minas Gerais; Ciranda, do Paraná; Mídia Criança, de Santa Catarina; Cipó ? Comunicação Interativa, da Bahia; Auçuba ? Comunicação e Educação, de Pernambuco; Associação Companhia TerrAmar, do Rio Grande do Norte; e Girassolidário, do Mato Grosso do Sul. Além da própria ANDI, é claro.
Melhor cobertura
A Rede ANDI América Latina é a mais nova contribuição para o crescimento deste trabalho. A nova rede foi criada a partir da junção de organizações de países latino-americanos. O projeto foi oficializado em 30 de setembro durante a 1? Reunião do Conselho Gestor, em Brasília. E a ANDI foi escolhida para dirigir a rede por um período de três anos, sob a responsabilidade de Regina Festa, coordenadora de Relações Internacionais e Acadêmicas da organização. Ulisses Lacava, que também faz parte da coordenação da Rede ANDI América Latina, falou a este Observatório sobre a nova rede.
Como surgiu a Rede ANDI América Latina? Qual a idéia inicial?
Ulisses Lacava ? A ANDI é reconhecida dentro e fora do Brasil como um centro de referência em comunicação para os direitos humanos e para o desenvolvimento social, com ênfase na promoção dos direitos de crianças e adolescentes. A Rede ANDI América Latina surgiu como um desdobramento natural desse trabalho, com a consolidação das metodologias de monitoramento da mídia, capacitação e mobilização de profissionais de comunicação criadas pela entidade. Desde o ano 2000 essas estratégias de ação já estão sendo replicadas em escala regional por todo o país, com a criação da Rede ANDI Brasil. O passo seguinte foi a criação da Rede ANDI América Latina, a partir de uma demanda tanto das entidades apoiadoras da ANDI quanto de organizações de direitos da infância e de comunicação para o desenvolvimento. A nova Rede foi formalizada no último dia 30 de setembro e começa a operar em janeiro de 2004.
Como a rede funciona na prática?
U.L. ? A Rede ANDI América Latina reúne oito entidades parceiras, que irão liderar a iniciativa em seus respectivos países. São elas a Periodismo Social, da Argentina; Fundación para un Nuevo Periodismo Iberoamericano ? FNPI, da Colômbia; Servicios de Noticias de la Mujer ? SEM, da Costa Rica; Asociación Desarrollo, Organización, Servicios y Estudios ? DOSES, da Guatemala; Dos Generaciones, da Nicarágua; Global Infância, do Paraguai; Cecodap, da Venezuela; e uma organização em fase de criação formada pelas entidades Eco Jovenes, Nicobis e Unicef, representando a Bolívia. As quatro primeiras entidades trabalham com o tema comunicação, e as outras quatro com as questões ligadas à infância. O desenho da rede, portanto, contempla desde o início a intenção de aproximar ambos os universos, permitindo a troca de experiências entre as entidades parceiras que atuam em cada área, e a troca de informações em escala regional sobre a promoção e a defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Além desse intercâmbio, a Rede vai permitir um trabalho conjunto das entidades em torno de uma agenda comum, e implementar as ações tradicionalmente desenvolvidas pela ANDI com o objetivo de priorizar as pautas importantes para a promoção dos direitos das crianças e adolescentes junto aos meios jornalísticos e fontes de informação em toda a América Latina. Serão criados instrumentos para apoiar o trabalho dos jornalistas, promover a troca de informações entre profissionais e entre países, e executar o monitoramento e análise do desempenho da cobertura da mídia, entre outros. As análises permitirão a realização de estudos comparativos sobre a mídia de cada país e da América Latina como um todo, servindo para realimentar o processo e estimular um aperfeiçoamento da cobertura sobre os direitos da infância. O projeto "Jornalista Amigo da Criança", realizado no Brasil, também será expandido para os demais países, reconhecendo publicamente os profissionais que se destacarem na área. Haverá ainda atividades de capacitação para jornalistas e estudantes de comunicação, para que possam atuar como agentes de mobilização social. Parte das atividades será realizada coletivamente, mas boa parte do trabalho será feita por cada entidade parceira em seu país.
Quais os resultados esperados?
U.L. ? Ao final dos três anos previstos para a implementação da Rede ANDI América Latina esperamos estar trabalhando em 15 países, com entidades habilitadas a executar plenamente o trabalho em nível nacional, além de consolidar a coordenação regional que estará a cargo da ANDI. O que se espera, ao final, é a profissionalização do diálogo entre os atores sociais, os profissionais de comunicação e a mídia para que as questões relevantes sobre os direitos da infância sejam inseridas na agenda de prioridades da sociedade, em escala continental. No Brasil, esse processo resultou na melhora da qualidade da cobertura feita pela mídia sobre temas como educação, saúde da criança, exploração sexual e direitos de crianças e adolescentes.