PROFISSÃO PERIGO
Para grupos de defesa da liberdade de imprensa, a Colômbia é o país da América Latina mais perigoso para jornalistas ? só neste ano, dois já foram mortos. A Venezuela, no entanto, é forte concorrente ao título macabro. Nos últimos meses, graças a reformas impopulares, o presidente Hugo Chávez perdeu o apoio de instituições poderosas como a igreja, a indústria, os sindicatos e a mídia local. Mas resolveu contra-atacar.
Desde então, o líder populista lançou críticas severas aos jornalistas; em dezembro, acusou-os de trair o povo, já "cansado das mentiras, da manipulação, do engano", e avisou: "2002 será o ano da ofensiva". Muitos seguidores parecem ter levado as incitações a sério: em janeiro, repórteres e políticos de oposição foram agredidos na frente da Assembléia Nacional; dias depois, uma bomba explodiu no prédio do tablóide Asi Es La Noticia. Miguel Otero, publisher do El Nacional, reclama que as críticas forçaram os jornais a assumir um papel indesejado ? o de oposição. "Nosso trabalho é informar. Não queremos ser protagonistas."
Embora a situação seja mais grave na Venezuela, a animosidade se repete em outros países latinos. Dados do Comitê de Proteção a Jornalistas mostram que 11 profissionais foram mortos nesta região no ano passado ? foram sete em 2000 e seis em 99. O número de processos também aumentou muito, apurou a Associação de Imprensa Inter-Americana (IAPA): muitos sistemas legais ainda dão proteção especial a servidores públicos, permitindo que entrem com ação contra matérias ofensivas à "honra". De acordo com T. Christian Miller [Los Angeles Times, 24/3/02], 15 países têm regras como essa, que na prática autoriza senadores e presidentes a intimidar ou mesmo silenciar críticas por meios legais: no Panamá, correm mais de 70 processos contra repórteres.
Segundo Miller, o fracasso da democracia em dar uma vida melhor aos povos latinos pôs em risco o futuro deste regime na região; os ataques contra a mídia seriam simplesmente o exemplo de uma frustração maior. "Com a recessão global e o enfraquecimento de instituições democráticas em toda a região, estamos vendo um aumento de ataques sistemáticos contra a imprensa e grupos de direitos humanos", afirma Bruce Bagley, da Universidade de Miami. "Está pior do que há 20 anos."
Uma das razões para este processo é a distância entre os partidos políticos e o povo ? há uma percepção generalizada de corrupção e incompetência, que torna os partidos menos relevantes e permite a ascensão de populistas como Chávez. A mídia tornou-se então uma voz agressiva de oposição, o que a deixou em conflito com que os que estão no poder. Outro fator que estimula os ataques é a impunidade: a maioria dos crimes não é resolvida.
"Ficou provado que quando não há firme vontade política, investigação policial rigorosa e ação legal rápida para encontrar os responsáveis, encoraja-se o comportamento violento contra jornalistas", disse Rafael Molina, presidente do Comitê de Liberdade de Imprensa e Informação da IAPA. Comentando a situação da imprensa em alguns países, Molina alerta que o Haiti também é palco de eventos dramáticos: muitos jornalistas são ameaçados por funcionários do governo e pela polícia, e os assassinatos de Brignol Lindor, Jean Leopoldo Dominique e Gerard Denoze permanecem não resolvidos.
No México, o dilema vivido por repórteres trabalhando em zonas controladas pelo tráfico é fazer vistas grossas ou arriscar a vida. "Um provérbio comum na região diz que eles têm que escolher entre dois metais: ouro ou chumbo", diz o relatório da IAPA, que menciona ataques sucessivos contra profissionais da imprensa no Brasil, Cuba, Guatemala e Peru. Conta Michael McGuire [Chicago Tribune, 20/3/02] que, desde 1988, a instituição registrou a morte de 250 jornalistas.
"Os ataques de 11 de setembro e a subseqüente guerra ao terrorismo iniciaram uma crise mundial da liberdade de imprensa." Esta é a principal conclusão a que chegou o Comitê para Proteção dos Jornalistas (CPJ), organização americana, em análise anual. Em 2001, 37 repórteres morreram por causa de seu trabalho, 13 a mais que em 2000. Oito morreram ao acompanhar a campanha dos EUA no Afeganistão. Contudo, a maioria dos jornalistas foi morta ao cobrir assuntos delicados, como corrupção ou crimes de governo. Na Colômbia, um dos países mais perigosos para repórteres, três foram assassinados nestas condições. Dois profissionais do rádio caíram nas Filipinas e outros dois na Tailândia.
A Reuters [26/3/02] informa que o número de jornalistas presos também cresceu consideravelmente: em 2000 eram 81, e em 2001, 118. Um recrudescimento pós-11 de setembro na Eritréia (11 prisões) e no Nepal (17 prisões) foi em grande parte responsável pelo crescimento da estatística. De acordo com o CPJ, a desculpa dos governos para tirar jornalistas de ação foi a "preocupação com a segurança". No Zimbábue, onde a situação se apresenta grave, repórteres foram acusados pelas autoridades de serem "terroristas". O campeão de aprisionamentos continua sendo a China.
Os americanos não escaparam ilesos à avaliação, conta George Gedda [AP, 26/3/02]. Pela primeira vez nos 20 anos do comitê, os EUA contribuem para a lista de jornalistas encarcerados. Vanessa Legget, free-lancer de Houston, foi presa por recusar-se a ceder informações de sua investigação de um assassinato a um tribunal. Em carta ao secretário de Justiça, John Ashcroft, o CPJ disse que a medida "manda mensagem errada a governos autoritários que se conterão ainda menos em usar o poder do estado para reduzir a liberdade de imprensa." Vanessa foi libertada em 4/1.
Na parte em que analisa a situação do Brasil, o comitê destaca o papel da imprensa na cobertura de corrupção, citando os casos de Jader Barbalho e Antônio Carlos Magalhães. Mais informações, como a listas dos "10 maiores inimigos da imprensa", podem ser conferidas em <www.cpj.org>.