Friday, 08 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Dora Kramer

TIM LOPES, ASSASSINADO

"Estado rendido ao terror", copyright Jornal do Brasil, 9/06/02

"É possível que o cidadão cotidianamente sitiado pela insegurança indague-se por que a imprensa reage tão fortemente indignada frente ao desaparecimento de um jornalista e não faz o mesmo ante o sumiço de tantos cujas trajetórias são interrompidas todos os dias quando tentam ir ao trabalho ou voltar para casa.

Primeiro, a razão mais humana e imediata: pela proximidade. Quem algum dia trabalhou com Tim Lopes – dividimos a mesma redação nos anos 80, no Jornal do Brasil – sabe que seu foco profissional sempre foi aquela gente que, anônima, já fez do risco de vida companhia permanente.

Corajoso de dar arrepios, Tim nunca viu razões para render temor ou reverência ao crime. Numa época em que era moda entre a elite mais intelectualizada (jornalistas inclusive) glamurizar do traficante ao banqueiro do bicho – hoje categorias sinômimas -, Tim jamais foi dado a esses equívocos. Dono, portanto, da noção perfeita de que à marginalidade não se pode reservar festejos, sob pena de incentivá-la, e, ato contínuo, banalizar seus malfeitos.

Segunda razão que confere especificidade e gravidade mais agudas ao desaparecimento de Tim Lopes, em pleno exercício da busca de informações: o avanço do crime sobre mais um – dos últimos que restavam – instrumentos de defesa da sociedade, a imprensa.

De um lado o choque pela constatação de que o narcotráfico estratifica-se como um Estado, não apenas paralelo, mas autoritário e cerceador da liberdade de expressão. De outro, o baque de enxergar com todas as cores e nuances do que são capazes os novos governantes de fato.

Na ditadura havia porões de tortura. Hoje, há grutas de incineração no alto de morros, cínica e cruelmente chamadas ?microondas?. E a denominação é repetida na televisão por policiais, como se a conexão entre o instrumento e a atividade fosse tão perfeita que, por si só, justificasse a naturalidade de tratamento.

Já houve dia em que traficantes convocavam a imprensa para entrevistas nos morros e, no lugar de chamar a polícia, lá íamos nós – qual seres instalados num patamar acima da Humanidade e seus valores – ouvir, respeitosos, o que tinham a nos dizer os encapuzados e fotografá-los de metralhadora em punho, cuidadosamente protegendo-lhes as identidades.

É terrível a cena? Pois era comum e bem aceita naqueles tempos em que vivíamos a ilusão de que o mundo do crime era um mundo à parte, a ser ?reportado? aos cá de fora.

Pois muito bem, esse universo nos explode tardiamente à cara, nos desaba às cabeças, nos soterra as almas, nos comprime as veias, nos une numa desesperada esperança de que Tim ainda possa estar metido em mais uma das suas e que reapareça, cheio de picardia no sorriso de dentes pequenos, trazendo dentro da câmera da TV Globo mais um prêmio por excelência em jornalismo.

Mas se não for nada disso, ou ainda se assim for e Deus nos der mais uma chance, não é possível que mais um dia sequer se passe sem que o Brasil perceba que está no cativeiro. Somos todos reféns de uma violência inexplicável, desmedida, descabida, sem limites. A ponto de levar o secretário de Segurança Pública do Rio, Roberto Aguiar, ao choro quase convulsivo perante as câmeras.

O secretário emocionou-se ao falar de Tim, com quem deve ter convivido depois de transferido de Brasília para o Rio, ou até antes disso. Mas ali, naquela cena do Jornal Nacional de quinta-feira, Roberto Aguiar não chorava apenas pelo jornalista desaparecido em combate, mas pela incapacidade do Estado de se contrapor ao inimigo como combatente à altura.

Era a imagem, pronta e acabada, do terror e da rendição. Igualzinho a qualquer um de nós. Tão impotente quanto. Ou talvez até mais, porque, policial e experiente, com toda certeza tem noção mais aproximada da escuridão do buraco cujo tamanho ainda estamos por sentir as dimensões.

O vexame habitual

A derrota do relatório do corregedor da Câmara, deputado Barbosa Neto, pedindo abertura de processo contra o deputado Eurico Miranda na Comissão de Ética, configura-se mais um daqueles vexames que os parlamentares cometem sempre que a opinião pública encontra-se distraída e a imprensa entretida com outros assuntos.

Alvo de investigações da CPI do Futebol, que rendeu pilhas de depoimentos e documentos, o deputado Eurico Miranda deveria ter seu caso examinado pela Comissão de Ética, no mínimo para seguir o princípio da isonomia na Casa. Ali, por muito menos, outros já foram submetidos à comissão, com desfechos diferenciados.

O arquivamento do processo de Eurico Miranda, por quatro votos a dois, mostra que nesse campo dos bons costumes o Parlamento ainda não tem maturidade para caminhar com as próprias pernas. Se não tiver sob vigilância estreita, claudica visivelmente e vai ao chão."

 

"Um cidadão", copyright Jornal do Brasil, 6/06/02

"Em respeito a Tim Lopes, que todos nós jornalistas ainda esperamos ver de volta, alguns esclarecimentos: Tim Lopes, em nenhum momento de sua vida profissional, e em especial aqui na Globo, infiltrou-se em quadrilhas de traficantes ou se disfarçou de bandido. A partir de denúncias de moradores da Penha, ele estava em um baile funk público, com acesso irrestrito aos moradores de todo o bairro e favelas da região. O que irritava e ao mesmo tempo amendontrava os moradores era justamente isso: não se tratava de uma orgia privada de traficantes, mas uma festa aberta, um risco, um chamariz para as meninas e meninos das famílias daquela área, com sexo, drogas e bandidos armados.

Tim disfarçou-se do que no fundo é: um cidadão carioca, de bermuda, camiseta e pochete. Nem na premiada reportagem Feira das drogas, Tim infiltrou-se em quadrilhas ou se fez passar por bandido. A reportagem só exisitiu porque se tratava de venda de drogas em um lugar de fácil acesso, público.

A comparação com guerra entre países ou com o enfrentamento a guerrilhas é equivocada. Por mais brutais que as guerras sejam, por mais terror que provoquem, há até convenções internacionais que as regulamentam, há regras a serem seguidas. Os bandidos dos morros do Rio são bárbaros, criminosos, que têm feito questão cada vez mais freqüentemente de demonstrar o seu sadismo.

Não há nenhuma intenção da Globo em negociar com eles, em respeitá-los, em acreditar que eles tenham palavra, honra, moral. São bandidos, facínoras e jamais negociaremos com eles. Pareceu-nos absurda a idéia de a eles nos apresentar como jornalistas, dizendo: ”Estamos aqui para registrar os seus crimes; somos apenas observadores neutros e gostaríamos da permissão de vocês”. Como não cremos que seja essa a proposta que está sendo sugerida, cabe a pergunta: não havendo esta possibilidade, a alternativa seria o nosso silêncio, a nossa omissão, relegar toda essa gama de crimes à sombra?

Tim Lopes cumpriu todas as normas de segurança: foi à área duas vezes para reconhecimento, sem microcâmera, e, apenas depois de se certificar de que havia condições de continuar na reportagem, voltou ao local. Quanto ao uso de microcâmera, dessas que cabem em uma pochete mínima, com a lente do tamanho de uma ponta de caneta, ela é apenas um dos recursos que o jornalismo hoje pode usar com o avanço tecnológico. Claro, sempre com um indispensável bloquinho de notas. Não foi ela que pôs Tim Lopes em perigo; descoberto, o bloquinho teria sido suficiente para despertar a ira dos traficantes, que conhecem seus adversários: a sociedade de homens de bem deste país.

O uso de microcâmeras, assim como de microgravadores e microcâmeras fotográficas por jornais e revistas apenas auxilia o trabalho do jornalismo investigativo. Não podemos abrir mão desses recursos. Aqui na Globo, seu uso é moderado e segue regras rígidas de segurança. Assim como nos jornais e revistas.

Todo esse episódio mostra para a opinião pública o que nós jornalistas sabemos de perto. Nossa profissão é nobre e são imensos riscos que potencialmente corremos todos os dias nas nossas diversas áreas de atuação: perseguição política, inimizades, atentados e, sabemos, até a morte.

No momento, todos estamos empenhados em ter o Tim de volta."

 

"Os limites do jornalismo", copyright Jornal do Brasil, 5/06/02

"No momento em que escrevo esta coluna, ainda não sei se o jornalista Tim Lopes da TV Globo está vivo ou morto, mas o episódio pede reflexão séria sobre as circunstâncias do exercício do jornalismo, em face de novas tecnologias que tornaram possíveis missões antes impensáveis, como o uso de microcâmeras, minigravadores e outros apetrechos mais adequados a 007 do que a repórteres.

Antes de entrar no mérito da questão quero destacar o grau de selvageria e de desgoverno a que estamos chegando no Rio e em várias outras áreas metropolitanas do Brasil, conseqüência de um quadro social que não cessa de agravar-se e que está levando o país a um estado de guerra civil não declarada, não institucionalizada, sem regras, sem barreiras, sem limites.

Há alguns anos, mesmo para um bandido perigoso, era impensável matar um jornalista numa cidade como o Rio de Janeiro. Era época em que as coisas se definiam com mais precisão e as palavras tinham sentido. Conforme dizia o bandido Lúcio Flavio, uma lenda do crime, ”bandido é bandido, polícia é polícia”. Hoje em dia, esse limite caiu (caíram muitos outros). Naquele época, podia se dizer que ”jornalista é jornalista, polícia é polícia”.

Dito assim até parece que dá para justificar os eventuais assassinos ou (como espero), apenas captores do repórter desaparecido. O crime deles é inominável. Mas é bom pensar no caso. Entrei na profissão de jornalista por estar estudando medicina. Tinha conhecimentos médicos, o que me facilitava a vida em conferências e congressos, e o entendimento de coisas técnicas que escapavam aos demais coleguinhas. Mas nunca entrei num hospital disfarçado de médico, nunca me vali da condição de médico para forçar um acesso ou obter uma entrevista contra a vontade da fonte. Não considerava ético. Sempre me apresentei como jornalista.

Cobri guerras, como a insurreição sandinista na Nicarágua, e golpes de Estado, como a derrubada de Isabel Perón. Estive sob fogo. Sempre tive o cuidado (como todos os demais jornalistas que participaram dessas coberturas) de deixar muito clara a condição de observador. Nossos carros eram cheios de grandes adesivos onde estava escrito Press ou Prensa. Durante mais de seis meses, juntamente com o meu parceiro Heraldo Dias, andamos atrás do destino do ex-deputado Rubens Paiva. (Os militares ainda estavam no poder e o porão atordoado, mas ativo.) Falamos com mais de 300 pessoas, de generais a torturadores, passando por policiais, ex-presos políticos e o que for possível imaginar.

Certa noite, após estabelecer contato com um policial ligado ao Esquadrão da Morte e que tinha participado da operação para dar sumiço no corpo do ex-deputado, ficamos, Heraldo e eu, em pé, de madrugada, durante mais de duas horas, na porta de uma padaria (fechada), na Estrada dos Bandeirantes, em Jacarepaguá, para uma operação de ”manjamento”. Naquele momento estávamos sendo identificados por toda a banda podre da polícia carioca. Nossa vida corria perigo, a ponto de fazermos todos os dias um relatório em três vias sobre o que apurávamos. Uma para o jornal, outra para nós e a terceira para o então representante da OAB, Nilo Batista.

Era jornalismo investigativo e fizemos de tudo, até violamos sepulturas no cemitério da Cacuia, na Ilha (com o conhecimento prévio da Santa Casa), mas sempre nos apresentamos como jornalistas. Nossa segurança ali era, além dos relatórios, do peso político do JB e dos limites que ainda existiam, o apoio de um terceiro membro informal de nossa equipe, o capitão Sérgio Macaco, do episódio do Parasar. Mas naquela época carro de reportagem ainda entrava em favela. Não existiam os feudos da droga, os comandos de bandidos e a autoridade pública era exercida, bem ou mal, em toda a cidade.

Com o advento dos gravadores começou o primeiro dilema. Gravar ou não gravar? Em princípio tínhamos restrições ao gravador, mas, quando o usávamos, sempre pedíamos licença para gravar e púnhamos o aparelho sobre a mesa. Confesso que já gravei à revelia da fonte, mas não se tratava de um flagrante, a fonte sabia que estava falando com jornalista. Mesmo assim, não gostei de tê-lo feito.

Trabalhei em TV e sei do efeito inibidor da câmera sobre muita gente. Liga-se a luz, roda-se o VT e um bloqueio se estabelece. É claro que seria muito melhor operar com uma pequena câmera escondida, sem que o entrevistado desconfie sequer de que está sendo entrevistado, quanto mais filmado. Mas será isso jornalístico? Será ético? Onde está o nosso limite? A questão é tão controvertida que até a Justiça hesita em aceitar certo tipo de prova, como grampos ilegais, por exemplo. Quanto tempo será preciso ainda para que os meios de comunicação comecem a grampear suas fontes?

Se um policial resolver infiltrar-se numa quadrilha de traficantes portando microcâmeras e gravadores, a ação de investigação desse profissional será legítima. Primeiro porque, ao tornar-se policial, o indivíduo assume uma série de riscos inerentes à sua escolha. E a sociedade lhe outorga uma missão que vai bem além do jornalismo. Nós podemos contar, denunciar, mas não prendemos nem soltamos ninguém. Nem julgar nos é permitido.

Entre os riscos assumidos conscientemente pelo policial, morrer é um deles, matar é outro. Para isso ele é preparado e geralmente conta com apoio armado ou com armas que ele próprio foi treinado a usar. O jornalista, se entrar nessa, entra com a cara e a coragem e só. A não ser que vejamos em futuro próximo repórteres armados e com aparatos de espião, atuando na clandestinidade e protegidos por atiradores de elite estrategicamente colocados.

O uso desses meios tecnológicos modernos e miniaturizados facilita denúncias, sem qualquer dúvida, mas pode ser também um modo questionável de exercer a profissão. Além disso, usados indiscriminadamente, acabam sendo um convite à preguiça apurativa e ao sensacionalismo voyeurista, além de desestimular o uso da inteligência, pois ao repórter exige-se que seja um bom ator (algo não previsto nos pré-qualificativos requeridos para o exercício da profissão), capaz de portar a câmera que denuncia. Mero instrumento.

Esse tipo de ação só se justifica quando a iniciativa parte do profissional, de preferência free-lancer. Infiltrar-se, por sua conta e risco, num grupo terrorista, por exemplo. Mas uma empresa, mesmo de comunicação e a serviço de uma boa causa, não tem o direito de arriscar a vida de seus repórteres a esse nível. A profissão de jornalista, exercida abertamente, já é das mais perigosas do mundo.

Morrem anualmente dezenas de coleguinhas em guerras, revoluções e acidentes. Faz parte do risco da profissão, mas daí a transformar cada um de nós numa cópia de 007 vai uma distância enorme. Nós somos testemunhas, não temos licença para matar e nossa atividade só pode ser exercida dentro da ética e da legalidade. Essa noção de que jornalista é jornalista é a única proteção que temos ao entrar em zonas de conflito para sairmos vivos e contar a nossa história. Se nos confundirmos com espiões ou policiais com eles seremos confundidos, e nesse caso é melhor mudar logo de profissão. O debate está aberto."


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"Jornalismo ou voyeurismo?", copyright Folha de S. Paulo, 9/06/02

"Volto ao assunto Tim Lopes. Na próxima semana encerramos a coluna e o papo sobre o tráfico de crianças. Nesta semana, marcada pela angústia e talvez pela tragédia, dou a palavra a dois coleguinhas que correram muito perigo em suas vidas profissionais e que responderam à coluna de quarta, Os limites do jornalismo. O primeiro, Mário Chimanovitch, dispensa apresentações. Ana Lagoa talvez seja menos conhecida do público, mas foi a repórter que mais fundo mergulhou nos bastidores e porões do regime militar. Dizer que correu perigo é pouco. Se alguém sabe o que são jornalismo investigativo e perigo é ela.

Diz Mário Chimanovitch: ?Era algo que vinha me incomodando há muito tempo, essa história de repórter travestir-se em agente secreto e enganar fontes. Lamento profundamente o destino do Tim Lopes, mas acho que ele foi alem dos limites, se expondo da maneira como o fez. Estou completando 34 anos de profissão e lembro até hoje dos morros que subi e das guerras que cobri. Estive em Beirute, de 74 a 76, cobrindo para o Estadão uma das mais cruentas guerras civis que o ser humano foi capaz de deflagrar. Perdemos muitos colegas naquele conflito insano, mas te garanto que ninguém morreu por porra-louquice?.

Acrescenta Ana Lagoa: ?Eu falava entre não jornalistas de como era absurdamente antiético da parte das empresas obrigarem seus repórteres a se travestirem-ocultarem-disfarçarem, em situações de alto risco e sem cobertura adequada, quando abri o jornal e vi seu artigo. A tecnologia deveria servir para nos dar mais tempo e segurança e não o contrário. Mas o show atingiu graus absurdos e aí temos esse quadro assustador, aviltante, indigesto. Nos poucos meses em que estive lecionando em turmas de jornalismo, encontrei um discurso, o do vale tudo para dar manchete.

Também corremos riscos. Claro. Eu cobria área militar, vivia metida em investigações de mortes e desaparecimentos, bombas e similares. Mas tínhamos esquema, dossiês de respaldo, telefones de emergência no âmago do poder, advogados de plantão, senhas e horários a cumprir antes de acionar os mecanismos da retaguarda. E nunca fui a qualquer lugar sem que soubessem que eu era jornalista, meu nome e o que estava fazendo. A profissão era a garantia. Os tempos são outros, concordo. Mas será que isso justifica a perda do nosso colega? Por que a empresa para a qual ele trabalha não colocou um esquema de segurança com ele? Por que foi ao baile sem cobertura? Por que não obedeceu ao esquema do horário da volta? Será que nossas vidas valem tão pouco?

Estamos todos contra os desmandos da ala criminosa desta sociedade e a impunidade que a acoberta, mas será que essa metodologia de jornalismo investigativo não acaba sendo uma versão jornalística do BB? Existe nas faculdades de jornalismo a cadeira Técnica de Investigação Camuflada? Será que se formam jornalistas para substituir as equipes de policiais investigadores? As velhas lições de segurança não devem ser abandonadas em hipótese alguma. A manchete não vale a vida de ninguém.?

Jornalismo investigativo não é a divulgação de fitas obtidas de modo obscuro, geralmente gravadas por bandidos para detonar outros bandidos. A imprensa acaba sendo mero instrumento dessa prática. Tim Lopes, por exemplo, gravava e corria riscos enormes porque o seu rosto não aparecia nas telas. A televisão transformou um repórter de indiscutível talento e rara sensibilidade humana num mero portador de câmera oculta.

Tim Lopes foi vítima da imprudência quase criminosa das chefias de jornalismo da TV. Por que se arriscou? Para mostrar imagens de algo sabido, em nome do voyeurismo. Cenas de sexo de adolescentes e consumo de drogas em bailes funk. Isso vale a vida de um repórter? A Globo insiste em confundir jornalismo com reality show. O Jornal Nacional noticia a campanha da novela das oito e o Big Brother como se fossem notícias. A novela faz – supostamente – campanha contra as drogas (e é elogiada por isso), quando na verdade usa causa nobre para promover o voyeurismo mais escrachado e técnicas jornalísticas para alavancar o ibope de sua dramaturgia.

Se o pior se confirmar, quem vai ser responsabilizado pela morte de Tim Lopes? Responsáveis são as autoridades e as chefias da emissora. O governo por permitir a existência de feudos onde a pena de morte (com tortura) é aplicada por traficantes. As chefias são responsáveis por conduta irresponsável da qual podem resultar morte ou dano grave, como ocorreu com a repórter Cristina Guimarães.

Ela, juntamente com Tim Lopes, ganhou o Prêmio Esso, o primeiro para a TV, por reportagem (com câmara oculta) sobre drogas. Cristina trabalhava na Globo há 12 anos. Hoje vive escondida, jurada de morte pelos traficantes (sua cabeça está a prêmio por 20 mil reais). Esse é o padrão do ?jornalismo investigativo? das TVs."