PANELAS DA CULTURA
“Planalto teme poder de artistas”, copyright O Estado de S. Paulo, 7/05/03
“A reação do meio artístico à política cultural do governo é mais temida pelo Palácio do Planalto do que qualquer crise com políticos, magistrados ou funcionários públicos.
Por isso, a palavra de ordem no núcleo central do poder é resolver o quanto antes o conflito criado pela evidência de que o PT pretende impor parâmetros ideológicos à produção cultural incentivada por verbas oficiais.
De políticos, poucos gostam. De magistrados, ninguém se aproxima. De funcionários públicos, cada vez mais se cristaliza a impressão de que são privilegiados em relação ao trabalhador comum. Já os artistas são unanimidade nacional.
Portanto, adversários perigosíssimos. Não necessariamente o grupo mais elitizado de atores, diretores e produtores que deflagraram o debate, embora seja inequívoca a importância desse grupo – Cacá Diegues à frente – para expor o assunto em público.
O maior problema, no entendimento do governo, são essas queixas alastrarem-se a ponto de atingir aquela camada média de artistas que falam alto ao coração das pessoas e são por elas incorporados no cotidiano como gente da família.
Sendo esse temor um fato objetivo, a capacidade de vocalização da classe artística muito provavelmente pode ter interrompido a gestação de uma política tão anacrônica quanto autoritária.
Afinal de contas, dinheiro público pertence ao conjunto da sociedade e não apenas à parcela que reza pela cartilha do realismo socialista, fonte de inspiração – ainda que inconsciente – das normas segundo as quais patrocínio cultural implica obediência a normas de pensamento.
Não convencem as explicações da Secretaria de Comunicação, que avocou para si as verbas das estatais, de que não se trata de fazer exigências de conteúdo para liberação de incentivos, mas ?de uma sugestão de atitude a ser buscada por patrocinadores e patrocinados?.
Ora, convenhamos que se estabelece aí uma relação desigual, uma vez que quem ?sugere? tem o poder do dinheiro sobre o alvo da ?sugestão?. Não houvesse condicionante, não haveria também por que ?sugerir?.
Não é de hoje que o ministro da Cultura, Gilberto Gil, vem se desconfortando com as novas regras. Funcionalmente subordinado ao presidente da República, que deu delegação plena ao secretário Luiz Gushiken, Gil tem pouca margem de manobra para reclamar abertamente sem criar uma situação limite entre ficar ou sair do ministério.
A entrevista de Cacá Diegues e o quase unânime apoio que recebeu resultaram sem dúvida numa vitória para Gil. A segunda vis-a-vis a lógica da sinecura partidária que muita gente do PT adotou quando rechaçou a indicação de Gilberto Gil para o cargo.”
“Gushiken anuncia foco na política industrial”, copyright Folha de S. Paulo, 11/5/03
“O ministro Luiz Gushiken (Comunicação de Governo e Gestão Estratégica) diz que ?haverá uma segunda fase na política econômica, mais focada para política industrial e comercial?.
Na primeira entrevista exclusiva desde que virou ministro, Gushiken afirma: ?Haverá, daqui para frente, a prevalência de atitudes de microeconomia, mas a macroeconomia continuará a ser monitorada firmemente? pelo ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho. Palocci, aliás, é classificado por Gushiken como ?uma das maiores revelações da política brasileira, pela capacidade que demonstrou ao lidar com uma herança tão difícil na economia?.
Segundo Gushiken, o cineasta Cacá Diegues não tinha razão ao acusar sua secretaria de tentativa de dirigismo cultural por querer fixar contrapartida social ao patrocínio de filmes. Diz, porém, ser preciso discutir o financiamento da produção cultural pelo Estado: ?No Brasil, esse financiamento está muito vinculado às empresas estatais, e isso não é correto?.
Ele deixa claro que acha que a disputa por recursos da BR Distribuidora são uma das causas das críticas que recebeu. O ministro conta que, na próxima semana, lançará uma licitação para centralizar em três agências a publicidade institucional do governo. Leia a seguir trechos da entrevista dada por Gushiken, 52, em seu gabinete, anteontem, em Brasília:
Folha – O cineasta Cacá Diegues disse que as regras do PT para financiamento cultural lembravam a ditadura. Dias depois, o sr. se reuniu com ele e suspendeu os critérios que deram origem à polêmica. O cineasta tinha razão?
Luiz Gushiken – Não. Achei mais prudente estancar um debate que colocou em suspeição o governo em relação a uma questão-chave, a liberdade de expressão, algo que o PT sempre prezou. As coisas estavam se dirigindo para um debate infrutífero. Sugeri estancar isso e que o ministro Gilberto Gil, de acordo com sua competência, no âmbito do Ministério da Cultura, tomasse a iniciativa de abrir amplo debate para discussão de política cultural.
Folha – Foi um recuo tático para o governo insistir nos critérios e na contrapartida social?
Gushiken – Não. A palavra contrapartida social não surgiu agora, já era orientação do governo anterior na própria BR Distribuidora e continuará a ser.
Folha – Um grupo de cineastas criticou Cacá Diegues? Um dos ingredientes desse debate é a briga por verbas na BR?
Gushiken – Existe um debate que precisa ser esclarecido sobre a maneira como se financia a produção cultural. No Brasil, esse financiamento está muito vinculado às empresas estatais e isso não é correto. É preciso que se abram outros mecanismos de financiamento, de natureza privada, sob pena de sobrecarregar demais as empresas do governo. Um pouco da tensão foi gerada por escassez de recursos e mais ainda por uma liberação de verbas contratadas no governo anterior, comprometendo recursos de 2003, 2004 e 2005. A BR foi colocada numa situação de muita dificuldade, já que basicamente é ela que oferece recursos na área de indústria do cinema. Daí a minha preocupação para que os dirigentes de estatais discutam forma mais adequada para atender a demandas legítimas, mas que não podem ficar concentradas numa só empresa.
Folha – Por que sua pasta centralizou a publicidade institucional?
Gushiken – Há três tipos de publicidade. A publicidade estatal continua com as empresas. A publicidade de utilidade pública, como campanhas de vacinação, permanece nos ministérios. A Secretaria de Comunicação no governo anterior era muito normativa. Não tinha recursos. Havia dispersão de agências de publicidade, havia várias marcas de governo. Cada ministério tinha suas agências, suas marcas. Centralizamos a publicidade institucional, que é de R$ 113 milhões no Orçamento, mas que virou R$ 48 milhões após o contingenciamento, para dar uma linha única e coerente.
Folha – Há intenção de centralizar em poucas agências essa conta?
Gushiken – A idéia para a nova licitação que abriremos a partir da semana que vem é que apenas três agências fiquem incumbidas da publicidade institucional.
Folha – O publicitário que mais trabalha com o sr. é o Duda Mendonça, que fez a eleição do Lula. Qual o papel dele, que criou a campanha das reformas?
Gushiken – Até a posse, o Duda fez um intenso trabalho contratado pelo PT. Na campanha das reformas, a agência do Ministério do Planejamento, que tenho de usar porque não tenho agência contratada, achou por bem recorrer à ajuda do Duda. Segundo a Propeg, é prática normal do mercado. Não serei eu a me opor à contribuição do Duda Mendonça.
Folha – A Globo resiste a dar descontos a anúncios oficiais? O desconto pedido é de 70%?
Gushiken – Esse índice de 70% não existe. A Globo diz que tem uma sistemática de negociação com seus clientes. E nós colocamos que temos uma sistemática nova, que não colide com a maneira como ela pensa. É perfeitamente possível negociar. Estamos numa fase avançada com quase todos os veículos, negociando com zelo pelo dinheiro público.
Folha – O sr. se assustou quando descobriu os preços praticados? O governo pode economizar?
Gushiken – Pode economizar muito. Há uma multiplicidade de estatais e ministérios. Cada unidade discutia cada programa específico. O que fiz foi juntar todos num comitê e solicitar a cada unidade que fizesse uma programação de período relativamente grande, para planejar o gasto em um período. É bom para o governo e para as empresas de mídia, porque há programação. Todos estão gostando, no que pese, do ponto de vista dos veículos de comunicação, um desconto que não estavam acostumados a oferecer.
Folha – Em média, quanto o sr. está conseguindo de desconto?
Gushiken – É segredo comercial, mas é bastante significativo.
Folha – Esse sistema de compra se estenderá para todo o governo?
Gushiken – Já sugeri ao ministro da Casa Civil, José Dirceu, que juntasse os ministros para ver como cada um age nessa área. Compras governamentais têm sido objeto de atenção nas discussões da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e da OMC (Organização Mundial do Comércio). Grandes acordos comerciais entre países sempre envolvem compras governamentais. Em tempos de ajuste fiscal, é fundamental.
Folha – O governo ficará satisfeito apenas com os bons resultados colhidos até agora com a rígida política monet&aacutaacute;ria e fiscal? Prepara algo diferente em termos de política de desenvolvimento? Haverá uma segunda onda na política econômica?
Gushiken – Os instrumentos de macroeconomia, que foram decisivos para o Brasil pudesse encontrar seu equilíbrio e produzir uma esperança no futuro, são fundamentais e serão monitorados diariamente. Entretanto, as políticas de microeconomia tem uma complexidade de outro tipo. Exemplo: é fazer com que os recursos para microempresários que saem do Banco do Brasil cheguem efetivamente ao cidadão, cheguem à ponta da linha. Essas políticas de microeconomia demoram mais a mostrar eficiência, mas há uma preocupação do governo em agilizá-las.
Sou sempre prudente, mas haverá uma segunda fase na política econômica mais focada para política industrial e comercial. Haverá, daqui para a frente, a prevalência de atitudes de microeconomia, mas a macroeconomia continuará a ser monitorada firmemente pelo Palocci, uma das maiores revelações da política brasileira, pela capacidade que demonstrou ao lidar com uma herança tão difícil na economia.
Já discuti com o ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, a necessidade de desencadear um processo de promoção do Brasil no exterior. Há uma crise mundial nesse área, desencadeada pelo 11 de setembro, pelas guerras e agora pela pneumonia na Ásia. O Brasil não tem esses problemas e pode dar um salto na área.
Folha – De onde sairão os recursos? Os bancos públicos têm limites para aumentar o financiamento.
Gushiken – Essa pergunta é importante. Na conversa com o ministro da Turismo, disse que o próximo passo seríamos procurar o Palocci e o BNDES e o Sebrae.”