Wednesday, 11 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1317

Douglas Prieto Portari

PASQUIM 21

"?Pasquim? volta sem Jaguar e sem o Sig", copyright Jornal da Tarde, in Boletim Imprensa Ética, 28/01/02


"?O Ziraldo, quando enfia alguma coisa na cabeça, ninguém tira?. A frase não partiu de nenhum desafeto do famoso cartunista, mas de um velho companheiro de aventuras jornalísticas, Jaguar. A teimosia a que se refere o criador do ratinho Sig se deve à nova empreitada do ilustrador mineiro, o jornal ?O Pasquim 21? – uma espécie de reedição do cultuado ?O Pasquim? e primeira aventura de Ziraldo após as decepções com as finadas revistas Palavra e Bundas.

A exemplo de seu modelo, ?O Pasquim?, tablóide que provou a força da ?imprensa nanica? dos anos 70, o novo jornal será semanal e deve chegar às bancas depois do carnaval – ?nada mais brasileiro?, segundo Ziraldo. Com a nova publicação, ele promete não cometer os mesmos erros que enterraram suas duas revistas, leia-se a falta de anunciantes, e retomar os ares de oposição que ?O Pasquim? possuía. Discussão, pelo menos, ele já conseguiu.

Os amigos Jaguar e Millôr, que também fizeram história no Pasquim e estiveram com Ziraldo nos primeiros tempos da revista Bundas, não embarcaram nessa nova idéia. ?Não vejo sentido nisso. As comparações com o antigo ?Pasquim? serão inevitáveis e para essa garotada de agora, esse nome não diz nada. Mas desejo sorte, afinal é mais um veículo para o mercado de trabalho?, diz Jaguar, responsável pelo antigo Pasquim até 1989, quando ele foi vendido e deixou de circular.

?Jaguar acha que estou revivendo um zumbi, mas estamos é montando um jornal indignado?, defende-se Ziraldo. Seu irmão, o editor Zélio Alves Pinto, sócio no jornal, explica o projeto: ?Na verdade, não é um novo ?Pasquim?, é outro. Do antigo, além do nome, manteremos a posição contrária ao estado de coisas?. O humor, obviamente, continuará sendo a tônica da publicação. ?Vamos falar de questões político-sociais, ecológicas, que são as novas preocupações no mundo, mas tudo isso sem ser ranzinza, tudo bem-humorado?, diz.

Quanto ao projeto, o editor explica que o jornal não irá cometer os deslizes administrativos da revista Bundas, criada em 1999 e que durou pouco mais de 70 números. ?Era uma boa idéia, tanto em conceito quanto na forma, mas que não funcionou administrativamente?. Faltaram anunciantes, a mesma doença que atingiu a revista Palavra. ?Agora teremos uma base empresarial sólida, tudo elaborado para ter êxito comercial, sem fantasias?, diz Ziraldo.

O novo jornal nasce de um investimento de quase R$ 2 milhões. Terá tamanho standard, com 32 páginas e colorido. Um exemplar número zero já circula pelas redações do País e mostra que o projeto gráfico é muito parecido com o da revista ?Bundas?.

A tiragem inicial será de 100 mil exemplares e o preço foi definido em R$ 2,50. A sede do jornal será no Rio, em um edifício na Praia do Botafogo chamado, coincidentemente, Pasquim. ?Ele já nasce com sede própria?, brinca Zélio.

Entre os colaboradores estão Luis Fernando Verissimo, Fausto Wolff, Mangabeira Unger, e muitos daqueles que participaram da revista ?Bundas?, como Paulo Caruso, Aldir Blanc, Miguel Paiva, Lan e Nani.O novo projeto inclui uma equipe jornalística que será responsável por reportagens especiais e uma seção chamada ?Pósquim?.

?Esse é com a meninada, jovens que só ouviram falar do Pasquim. Terá colaboração do filho do Tarso de Castro, a filha do Fortuna?, diz Zélio, referindo-se a outros fundadores do antigo semanário.

Mas afinal, a idéia de um veículo como foi o Pasquim não seria apenas saudosismo, um jornal com ?cabeça de 70 em corpinho de 21?? ?Claro que não estamos vivendo os anos 70 e as circunstâncias são outras. Mas fizemos levantamentos e há muita gente interessada no projeto. Além disso, vamos abrir espaço para novos cartunistas e cronistas. Será uma renovação?, promete Zélio.

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"As entrevistas eram históricas, mas a administração foi caótica", copyright Jornal da Tarde, in Boletim Imprensa Ética, 28/01/02


"Uma das muitas frases que estamparam a capa do tablóide ?O Pasquim? durante os anos 70 dá idéia da linha de contestação e deboche: ?Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados?. Surgido em junho de 1969, o semanário assumia a condição de ?jornal ou panfleto difamador?, exatamente como os dicionários explicam a palavra pasquim. Provocando a ditadura, o jornal foi o mais bem-sucedido da imprensa nanica nacional.

O time responsável pelo nascimento do Pasquim incluía Tarso de Castro, o crítico musical Sérgio Cabral, os cartunistas Millôr, Jaguar, Ziraldo e Fortuna, além de outros que se somaram com o tempo, como Sérgio Augusto, Paulo Francis e Henfil. As entrevistas se tornaram antológicas. A primeira, ainda em 1969, com o colunista Ibrahim Sued, deu um furo: o general Médici seria o novo presidente do País.

Hoje comum, as entrevistas eram publicadas como haviam sido produzidas: com palavrões, perguntas e respostas se acumulando, e reações das mais diversas. Até isso surgiu do acaso. Jaguar conta que, como Tarso de Castro e Sérgio Cabral sumiram após a entrevista com Ibrahim, ele mesmo datilografou tudo o que a fita da entrevista continha.

Criou-se o espaço então para o tom despojado das reportagens. Outros bate-papos ficaram famosos, como o da atriz Leila Diniz, dada a quantidade de palavrões. Como a redação e praticamente todos do jornal eram do Rio, as provocações com São Paulo eram constantes. Uma capa trazia o título ?Todo Paulista É Bicha?, e a ?explicação?, em letras minúsculas, logo depois da palavra paulista: ?que não gosta de mulher?.

Também famosas eram as frases de subtítulo que o Pasquim trazia a cada semana: ?um jornal sempre em alta graças ao nosso baixo nível? ou ?tesoura sim, alicate não?, que provocava a censura e a tortura vigentes no País.

Problemas o jornal teve inúmeros. Da censura, que cortava quase todo o material do jornal, às prisões de jornalistas, em novembro de 1970, quando toda a redação ficou detida na Vila Militar do Rio. Houve também os atentados à bomba em bancas de jornal. Nessa época, o Pasquim atingia a marca de quase 300 mil exemplares por edição.

Administração não existia. Tarso de Castro tinha arroubos de grandeza e gastava fortunas em viagens e bebidas. A briga de egos no jornal também acelerou seu desmantelamento.

O Pasquim entrou nos anos 80 sem força e também sem o mesmo charme, já que outros jornais e revistas, agora vivendo sem a censura prévia, assumiam posições mais firmes contra a ditadura. Jaguar foi o único que continuou durante toda a década. Chegou até a lançar uma edição paulistana em 1985. Mas, em 1989, o Pasquim deixava de circular."

 

ESQUERDA EM XEQUE

"Escalada", copyright Época, 28/01/02

"De tempos em tempos, ressurgem na imprensa denúncias alarmantes de que as Forças Armadas, por seus serviços de inteligência, estariam monitorando clandestinamente atividades lícitas, espionando ilegalmente cidadãos pacíficos e exercendo, em suma, o papel ditatorial de um Big Brother, em pleno Estado de direito.

Quando se examina o caso de perto, o que se descobre é que, invariavelmente, os investigados têm ligações amistosas com organizações empenhadas em preparar a revolução continental que, nas palavras de Fidel Castro, ?vai reconquistar na América Latina o que se perdeu no Leste Europeu?. Através da narcoguerrilha colombiana, essa revolução já ameaça nossas fronteiras, sob os aplausos de seus adeptos locais. O poder desses adeptos se pode medir pela espessura do silêncio que tombou, desde a prisão de Fernandinho Beira-Mar, sobre os dados apreendidos no laptop do delinqüente, que revelavam a parceria do narcotráfico nacional com a guerrilha das Farc.

Se os serviços de inteligência se abstivessem de monitorar essas pessoas, aí sim estariam fora de suas atribuições constitucionais. A impressão de que fazem coisa ilícita é criada mediante um truque jornalístico bem simples: o fato de que alguns indivíduos sejam observados também nas atividades que desempenham em organizações legais é usado como ?prova? de que estas é que estão sob vigilância, e até sob ameaça. Mas, se um possível suspeito entra numa padaria e é aí seguido por um agente da ordem, poderá o padeiro queixar-se de que seu estabelecimento está sob vigilância ilegal? Ademais, não consta que, nessas operações, as Forças Armadas usem métodos criminosos, como por exemplo o grampo telefônico, do qual os jornalistas de esquerda se servem com tanta sem-cerimônia, chegando mesmo a condenar como ?atentado contra a liberdade de imprensa? qualquer proibição judicial de que tirem proveito jornalístico (e político, obviamente) das informações obtidas por esse meio.

Mas, com a mesma candura com que se enchem de brios para defender seu autopromulgado direito de fazer a seu bel-prazer o que nem a polícia pode fazer sem permissão judicial, esses jornalistas, ao tentar dar ares de ilegalidade às ações das Forças Armadas, sempre declaram basear-se em ?documentos confidenciais?, confessando desse modo a própria ação de espionagem e a apropriação ilícita de material reservado. Denunciam uma falsa transgressão no momento mesmo em que se arrogam o direito divino de estar acima das leis.

A mistura de malícia no procedimento e de ingenuidade na alegação de intenções sublimes, transcendentes a todo julgamento humano, é mesmo um traço geral e inconfundível da mente esquerdista.

A conquista dos meios jornalísticos por essa deformidade de consciência veio dos tempos em que a imprensa esteve na vanguarda dos movimentos contra a ditadura, instigando-os e liderando-os em vez de simplesmente noticiá-los. Naquela circunstância, o abuso podia ser até um mérito. Mas, após o retorno à democracia, a classe jornalística não quis voltar a sua humilde função de narrar e analisar: afeiçoara-se de tal modo a seu novo papel de ?agente de transformação? que tomou a dianteira das campanhas de ?limpeza ética? – tão presunçosas em sua autopropaganda quanto sujas em seus métodos e desprezíveis em seus resultados -, pautando as investigações oficiais e reduzindo à obediência os parlamentares recalcitrantes por meio de ameaças veladas de incluí-los na lista de suspeitos. Mais adiante, apelou aos grampos epidêmicos, arrogando-se o direito de usá-los ?no interesse público? e mandando às urtigas a letra da Constituição. Por fim, veio o esforço conjugado, simultâneo em vários jornais, para usurpar das Forças Armadas seus meios de investigação e matar no berço qualquer possibilidade de ação preventiva contra a revolução prometida por Fidel Castro. Se isso não é uma escalada de poder, não sei mais que raio de coisa possa ser."