Thursday, 02 de January de 2025 ISSN 1519-7670 - Ano 25 - nº 1319

Dramas de um escrevinhador

TEXTO & LEITURA

Cláudio Weber Abramo (*)

Pessoas que escrevem regularmente em jornais e assemelhados (como este Observatório) diferem entre si de todos os modos imagináveis. Há tantos modos quanto pessoas, e seria não apenas cansativo como inútil tentar classificá-los. Há uma característica, contudo, que é comum a muitas dessas pessoas: a presença de um nutrido traço narcisista.

Pesquisa científica realizada com muitos praticantes da atividade escrevinhatória o confirma. Só mesmo uma motivação fortemente narcisista consegue justificar a disponibilidade dessas pessoas em expor publicamente tanto de si próprias ? incluindo-se suas falhas de formação, opiniões estapafúrdias, inclinações íntimas bizarras e, não raro, um domínio precário do idioma pátrio.

Só o narcisismo pode explicar a insistência em escrever face a outra peculiaridade comum a grandes contingentes de escrevinhadores, a saber, uma imensa dificuldade em conseguir batucar aquelas linhas. Para cada colunista ou colaborador do tipo Clóvis Rossi (o qual é capaz de preencher qualquer centimetragem que se lhe solicite, precisamente no prazo do fechamento), há outro para quem escrever é um sacrifício inominável, somente cumprido às expensas de enorme desgaste íntimo. Há até quem contrate um auxiliar que o algeme à cadeira e recuse fornecer-lhe alimento ou água (mas não cigarros, pois sem estes fundamentais implementos os impulsos nervosos do cérebro cessam) até que a coluna tenha sido escrita, verificada minimamente pertinente e enviada mais ou menos no prazo.

Para quem tem coluna fixa, o problema termina aí, e o alívio em ter sobrevivido mais uma vez é recompensa suficiente, embora sempre afetada pela consciência de que no dia, semana, quinzena ou mês seguinte a angústia se repetirá.

Já para o articulista ocasional, terminar de escrever é só o intróito de uma nova etapa depressiva, pois é necessário convencer o editor da publicação intentada de que aqueles parágrafos tão laboriosamente dados à luz merecem ser publicados.

A tortura não termina mesmo na hipótese de o editor concordar, pois a data precisa nunca é informada, e nem poderia, pois o editor também não sabe, dado que pode ser atropelado por requisições partidas das alturas. Assim, sobrevém a etapa de esperar o ruído do exemplar do dia ser atirado por cima do portão e fazer aquele "pof" no chão, lá pelas 3 ou 4 da madrugada. Desce-se a escada no escuro, esbarra-se na mesinha de sempre, amaldiçoa-se o filho por não ter deixado o molho de chaves no lugar certo, finalmente alcança-se o exemplar ? e em vez de nossa incomparável manifestação de espírito e sagacidade lá estão duas ou três bobagens. Após doze dias disso, durante os quais nosso julgamento sobre o editor experimentou considerável deterioração, lá está. Mas… abaixo da dobra, que diabo! E incluíram umas emendas inexplicáveis. Bem, talvez da próxima.

E todo esse sacrifício para quê? Dada a extraordinária quantidade de colunas, reportagens, artigos, cartas, notinhas, críticas, ensaios publicados em jornais, revistas, sítios da internet, boletins, newsletters etc., a probabilidade de alguém ler qualquer uma dessas coisas é próxima de zero.