UFRGS
Francisco Rüdiger (*)
Replicaram a meus artigos publicados neste Observatório da Imprensa (28/1/2003; 05/2/2003) a professora Márcia Machado, M.D. diretora da Fabico/UFRGS, e o Dr. José Luis Braga (Unisinos). Respondo-lhes com os textos abaixo.
"Na ‘República das Letras’ há – ou havia, antes da ascensão dos impostores – costumes, regras, padrões. Se alguém não os respeita, cabe aos outros chamá-lo à ordem e pôr o público de sobreaviso. Se isso não é feito, a demagogia incontrolada, como se sabe de longa data, conduz à tirania. Ela engendra a destruição – que progride ante nossos olhos – das normas e comportamentos efetivos, públicos, sociais, [dos] pressupostos da busca em comum da verdade." (Cornelius Castoriadis)
Em 23/10/2002 (portaria 18/2002), baseada em despacho de 17/06/2002, a Direção da Faculdade de Comunicação designou o professor Braga para integrar comissão com o objetivo de "apurar a denúncia de fraude" em questão. A comissão não o fez, mas gerou confusão. Desejo continuar o debate com ele no plano que interessa, o acadêmico. Solicito, por isso, que o professor não se desvie do assunto, honre sua condição de doutor e indique as "duas ou três referências bibliográficas" que orientaram a redação do ponto de seu relatório que estou questionando (p. 10-11).
Informo para tanto meu e-mail: <frudiger@ig.com.br> ou, se preferir, deixo a seu encargo redigir texto com os dados e a correspondente argumentação.
Replicando a meus artigos, a professora Márcia Machado protesta contra minha leviandade em afirmar o "sentido filosófico e academicamente nulo" de dissertação defendida junto ao PPGCOM e, considerando o processo de acusação de plágio de que é alvo, observa minha patética, senão "patológica necessidade de me mostrar um sábio defensor da moral e da justiça" (Observatório, 5/2/2002).
Deixo ao leitor interessado o julgamento dessas questões, que, como único árbitro, ele pode fazer por conta própria compulsando o documento referido (Tese T 1 [430] K66c, Fabico), para, em seguida, confrontá-lo com o processo (23078.010095/01-90), onde sou citado e, enfim, avaliar meus apontamentos ("Ritmo de vale-tudo", vide internet, Observatório da Imprensa) .
Qualquer um que conheça a obra de Walter Benjamin e seus principais comentaristas não terá dúvida quanto aos plágios feitos na dissertação. É fato. Também deixo de lado neste texto a especulação que se poderia fazer sobre o modo como o artigo em juízo oscila entre o "eu" (diretora da Fabico) e o "nós" (UFRGS) contra "ele" (este signatário).
Sinceramente, não entendi a passagem em que a autora sugere que eu teria escrito o comentário porque não fui chamado a tomar parte da banca que examinou o trabalho ou porque havia desistido de orientá-lo. Renunciei à condição de orientador do então estudante de mestrado em questão por chegar, como professor-orientador, à conclusão que o mesmo não só não sabia escrever conforme as exigências acadêmicas mas, ainda, que ele julgava o oposto e sugeria que eu é que não o sabia. Por que continuar?
Posto isso, sigamos, pois merecedoras de comentário são as menções feitas pela autora ao meu regime de trabalho e ao processo que movi contra a UFRGS na Justiça Federal (assunto: encargos docentes). Reivindica a interlocutora a prática da ética, que eu usaria apenas como objeto de falação. Por que, porém, a referência é pertinente à questão em debate? Deseja-se por certo estigmatizar o adversário. Qualquer acadêmico de verdade sabe que a isso, porém, denomina-se falácia genética: não podendo ou querendo apontar argumentos sobre a matéria, o interlocutor desvia o foco da questão para a pessoa com quem se confronta.
Trata-se disso a partir daqui, porque se a democracia é o regime da liberdade responsável e da instituição racional da justiça, pode-se tudo discutir e é isso, se a entendo, que busca em relação ao plano ético minha interlocutora. Podem me chamar de "polemista", mas o que desejo é ser crítico objetivo, sério, íntegro e responsável.
A professora Márcia Machado denuncia ao leitor que movi processo nos planos administrativo e judiciário. Está certa. Procedi assim visando permanecer na situação profissional e trabalhista criada pelo fato de ter sido preterido na ocupação da vaga da disciplina em que fui aprovado e que, na posse do cargo, me foi negada, embora tivesse sido eu o primeiro colocado no respectivo concurso. Então, a regência das turmas foi confiada à candidata aprovada em segundo lugar. Dez anos após, essa recebe licença para fazer curso de pós-doutorado no exterior, e eu sou convocado a "quebrar o galho da colega", ficando com as disciplinas a que me dedicava como "extras" (16/20 horas semanais). Qual é o problema se recorri administrativa e judicialmente da medida? Por acaso não sou cidadão e, assim, careço do direito de protestar e de acessar a Justiça?
Leciono na PUC-RS desde 1986, tendo iniciado minhas atividades a convite da professora Iara Bendatti. Creio que desde então só honrei sua confiança e memória. Em 1989, prestei concurso público e fui aprovado em primeiro lugar para lecionar na Escola Técnica da UFRGS. Em 1990, prestei concurso público e fui aprovado em primeiro lugar para lecionar no Departamento de Comunicação. Possuo três contratos de trabalho, cada um de vinte horas semanais. Informo ao leitor desavisado que não há nada de ilegal ou errado nisso. Qual é o problema? Falto com meus deveres? Sou relapso, incompetente ou improdutivo?
Pode-se tudo questionar na democracia. Professores da UFRGS têm, só nela, em um ou mais contratos, regime de 60 h/s. Juízes trabalham 40 horas na magistratura e lecionam mais 20 na universidade. Está certo ou errado do ponto de vista ético? No aspecto jurídico, não há dúvida, mas sempre se pode mudar a lei, se a moral e a razão assim o exigirem. Lancemos nossos argumentos! Acadêmicos indignados com a lei da mordaça, que denunciam em público, querem sigilo total para um processo que não segue os ritos usuais, que não ouve os membros da banca, não dá chance de defesa ao acusado etc. Discutamos se isso é certo, se o que vale para os outros se aplica aos companheiros, se plágio é ou não legítimo, se é ou não o caso de admitirmos sua prática em nossa universidade.
Passo, agora, a outro ponto. Procurei saber por que minha interlocutora se deteve tanto na citação sobre os sábios e os sabidos, que tomei de empréstimo em conhecido livro de José Arthur Gianotti. Concluí que a signatária, como se diz, vestiu a touca, passando a advogar sobre assunto que ? como magistrada ? não deveria lhe dizer respeito. Apenas isso, parece, pode explicar sua intervenção à la boneco de ventríloquo nesta polêmica. A professora Márcia Machado foi eleita chefe do Departamento de Comunicação sem ter completado o período de estágio probatório na universidade. A legislação sem dúvida o deve permitir. Imaginemos, porém, como foi conduzido seu processo de avaliação, de responsabilidade do(a) … chefe do Departamento de Comunicação. Ética, sem dúvida, é o que se pratica. Durante seu mandato de dois anos, isto é: sem completá-lo, ainda se candidatou a, e foi eleita, diretora da faculdade. A legislação por certo o permite e, saiba-se lá por que, os colegas a apoiaram: mas é isso ético?
A professora Márcia Machado passou agora a ser, também, integrante da Comissão Coordenadora do PPGCOM/UFRGS. Dedica-se muito, como vê, à sua vocação. Gosta, a seu modo, de praticar a ética, ao invés de só ficar falando. Por isso, embora magistrada na ocasião, votou sobre a matéria em questão durante a Reunião do Conselho da Unidade que decidiu pela aprovação do relatório técnico comentado no artigo de minha autoria intitulado "Escândalo, esperteza e vergonha" (vide este Observatório).
Confidencio que não fiz oposição, mas também deixei claro meu não-apoiamento às suas pretensões administrativas, porque creio que cargos universitários devem ser ocupados por aqueles que, tendo vocação e desejo, granjearam prestígio intelectual, mérito profissional, reputação acadêmica, tempo de casa e maturidade ética e intelectual, que se expressa em prudência, moderação e sabedoria. Eram e são essas não só as minhas convicções a respeito do assunto, mas os princípios que, segundo meu juízo, passava-se por alto com as postulações, naquele momento, da professora Márcia Machado.
Segundo seus próprios teóricos, a burocracia se legitima pela eficiência. Tivesse a professora Márcia Machado esse mérito, eu não pretenderia ter razão neste comentário. Mas também, por certo, o caso em discussão nem teria surgido. Para avaliar o que digo, basta ir aos extremos, examinar o estado dos banheiros ou perguntar aos estudantes pelos laboratórios da faculdade.
Diante de tudo, julgue o leitor por si mesmo as direções em que se inclinariam sábios e sabidos.
P.S.: Jamais concorri a ou quis ser chefe de Departamento, diretor de unidade ou reitor da universidade.
(*) Doutor em Ciências Sociais (USP) e professor da UFRGS
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