Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Duda atrapalha lua-de-mel de Lula

MÍDIA & GOVERNO

Alberto Dines

Ficou evidente na última semana: a imprensa está recolhendo a complacência e endurecendo as avaliações do governo Lula. Os adeptos das teorias conspiratórias certamente proclamarão que a mudança resulta da política fiscal que fechou as torneiras do maior anunciante do país. As empresas jornalísticas estão à míngua, com a língua de fora e, como represália, estariam mais rigorosas.

Quem quiser acreditar que acredite, mas tudo indica que o governo não soube aproveitar a trégua protocolar (acrescida dos dois meses de euforia entre a eleição e a posse). As escaramuças com os chamados "radicais" (iniciadas na instalação da nova legislatura com a eleição de José Sarney para a presidência do Senado) podem ter absorvido demasiadamente as atenções do governo, mas a mídia não as inventou nem as magnificou. Aconteceram em reuniões públicas, à vista de todos. Nos mandatos anteriores, os violentos confrontos entre ACM e o governo FHC também atraíram as atenções da mídia. Isto é política. Ignorá-la seria manipulação.

Não se sustenta a teoria de que a onda crítica ora iniciada seja uma forma de indireta de cobrar a abertura dos guichês. A Folha de S.Paulo, que nos últimos dias voltou a praticar seu esporte preferido ? a orientação do noticiário ?, pode viver sem as verbas do governo. Caso do Globo e do Estado de S.Paulo, em cujas edições recentes os desacertos do governo afloram visivelmente.

A manutenção dos juros altos não pode ser a causa do mau humor da mídia. Por mais interessada que esteja em participar do "espetáculo do crescimento", como instituição e por vocação, a imprensa é em geral monetarista e fiscalista. Apavora-se com os fantasmas da recessão mas sabe que o cupim da inflação é ainda mais pernicioso.

Comunicação para o desenvolvimento

O problema é outro: os comunicadores do novo governo foram obrigados a apostar mais do que o necessário nos "símbolos" e esticaram o clima de festa popular da posse. Porque o estrategista-mor, Duda Mendonça, é um exímio marqueteiro político, pós-graduado em palanques eleitorais. Não é um comunicador de projetos de governo, muito menos de projetos políticos de longo prazo.

Duda aposta nas aparências porque é originário dos laboratórios de comunicação de massas, sabe falar para a galera e tirar partido das rápidas mudanças de atitudes que se sucedem nas guerrilhas eleitorais.

Isto acabou em outubro do ano passado. Não cola na mídia onde militam jornalistas e observadores razoavelmente sazonados que já não se impressionam com a substituição de jeans por ternos Armani e coisas no gênero. A escola Duda, como de resto a nossa escola de marketing político, ignora completamente a disciplina da comunicação para o desenvolvimento. Nunca foi a uma fazenda de soja, nunca navegou numa hidrovia, desconhece o que está fazendo a Embrapa ou a Fapesp. O Fome Zero está patinando justamente porque foi pinçado prematuramente de um discurso presidencial e transformado em produto, antes mesmo de fabricado.

Qualquer que seja a explicação é imperioso levar em conta que toda bola de neve começa insignificante.