Saturday, 21 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

…e a imprensa mostra os sintomas

O BRASIL ENLOUQUECEU…

Deonísio da Silva (*)

Quem dos eleitos não tinha, quando candidato, um projeto para salvar o Brasil? Fernando Affonso Collor de Mello também tinha o seu e inaugurou o costume político de eleger-se com um programa e executar outro. Enganando o respeitável eleitorado, teve, à semelhança de Policarpo Quaresma, um triste fim (de mandato), renunciando momentos antes de ser destituído. Era o dia 29 de dezembro de 1992.

Três anos antes tinha derrotado nas urnas o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva que, recentemente, ao receber o governador de Alagoas, lhe fez um pedido: "Vem cá, me dê um abraço, você derrotou o Collor". Com tantas consoantes dobradas, o ex-presidente, que tinha intenção de dobrar o mandado, em provável reeleição, foi pego um ano antes do fim do primeiro. E o Brasil ? ah, como isso tem sido freqüente em nossa crônica política ? foi posto nas mãos do vice, Itamar Franco. Que agora dá a entender que somente será embaixador do Brasil em Roma se desagravarmos o seu sagrado coração, ferido no Senado, quando do indispensável endosso à sua partida.

Os mineiros gostam de salvar o Brasil. Inclusive, também os escritores mineiros apresentam suas propostas. Ziraldo, quando O Menino Maluquinho, O Pasquim21 e outras ocupações lhe permitem, tem tempo de sintetizar o seu projeto, desdobrado em dois quesitos: construir fábricas de macarrão pelo Brasil e plantar fruta-pão nos quintais. Segundo ele, é um projeto barato e vai acabar com a fome. Ziraldo vem dizendo isso bem antes de se pensar no Fome Zero.

Outro escritor mineiro, o poeta e cronista Affonso Romano de Sant?Anna, ex-diretor da Biblioteca Nacional, tem duas idéias para salvar economicamente o Brasil. "A primeira, que um dia ainda elaborarei mais cientificamente, é exportar montanhas para a Holanda, e a segunda, para alcançar e superar o tão almejado déficit primário, é exportar bidê para todo mundo". Os EUA, por exemplo, suprema potência do mundo, não têm bidê. Nos apartamentos de até 150 metros quadrados, agora reduzidos à metade da área, o bidê foi excluído, substituído pela ducha higiênica.

Origem controversa

Os jornais vêm noticiando em manchetes, nas primeiras páginas, a reforma da Previdência. Muitos são os eleitores do atual presidente que esperam que o Congresso não aprove o que ali está proposto. Legislativo e Judiciário já se manifestam contrários à maioria das propostas do Executivo. O próprio presidente do Partido dos Trabalhadores trabalha para enquadrar dissidentes como a senadora Heloisa Helena, que acaba de se reunir com Leonel Brizola para organizar o combate ao partido ao qual ela pertence.

As palavras louco, loucura, enlouquecer etc entraram para a língua portuguesa no século 13. Mas voltaram com todo o vigor agora, no alvorecer do terceiro milênio. Naquele tempo o Brasil não existia. Hoje, é nação jovem ainda, embora tenham passado cinco séculos de seu descobrimento e a República tenha mais de cem anos.

Louco é palavra de origem controversa. As hipóteses são muitas. Uma é especialmente curiosa. Na Ilíada, Glauco, chefe militar dos lícios, num gesto insano, trocou suas armas de ouro, no valor de cem bois, pelas de Diomedes, que eram de bronze e valiam apenas nove bois. Vindo para o latim, o grego Glaukos virou, já declinado, Glaucu. Perdeu o "g" inicial e teve o "a" transformado em "o". Quase improvável. O árabe "alwaq", tonto, veio para a península ibérica e teria se misturado ao latim "laucu", que já tinha perdido o "g". No século 12, o espanhol já tinha "loco". Ajudando nessa hipótese, o italiano, língua neolatina, tem "allocco", mocho, que tem também o significado de estúpido.

Em resumo, ao longo dos séculos, recebemos várias ajudas para enlouquecermos. Mas ninguém colaborou mais para isso do que o próprio brasileiro.

PS ? De meu texto da edição anterior: "?O mosco estrafegou as poderes?. (…) No próximo artigo para este Observatório, se até lá nenhum leitor o fizer, darei o significado da sentença-exemplo".

Promessa é dívida, vamos cumpri-la. A sentença significa: o sacerdote rasgou as vestes. As palavras, embora em desuso ? com exceção, talvez, de estrafegar ? estão nos bons dicionários. Inclusive, no Aurélio e no Houaiss, dois dos mais consultados.

(*) Escritor, professor, escreve semanalmente neste espaço; seus livros mais recentes são A vida íntima das palavras, A melhor amiga do lobo e Os segredos do baú