Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Editoriais entre a crítica e o aplauso

MORDE & ASSOPRA

Monitor de Mídia (*)


A cada quinze dias o OI apresentará trabalhos produzidos no projeto Monitor de Mídia, de acompanhamento da mídia de Santa Catarina, desenvolvido pelo curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Itajaí. Nesta edição, uma avaliação dos primeiros editoriais dos jornais catarinenses sobre o início do governo Lula.


O governo Lula começa o ano nas páginas dos jornais catarinenses entre o aplauso e a crítica. Levantamento feito pelo MONITOR DE MÍDIA aponta que em fevereiro as expectativas sobre as reformas, a alta dos juros e as contradanças na política ganharam os editorias do Diário Catarinense, de A Notícia e do Jornal de Santa Catarina. Em todos eles, as tímidas opiniões das empresas jornalísticas se mostram esperançosas em relação aos novos rumos do país e, ao mesmo tempo, reticentes com os percursos que a sociedade vai fazer nos próximos meses.

Este comportamento pendular revela uma tendência nos jornais contemporâneos: cada vez mais, eles renunciam à força dos editoriais para manifestarem suas opiniões, para exercerem a crítica. Poucos são os casos em que os proprietários e controladores de jornais deixam claros seus apoios; raras são as vezes em que os editoriais reencarnam a coragem de antes. Com isso, o editorial, enquanto gênero textual e instituição jornalística, acaba se diluindo…

Regional e moderado

Em 25 edições analisadas do Jornal de Santa Catarina, de 1? a 25 de fevereiro, observou-se a veiculação de dez editoriais acerca de assuntos relacionados ao governo de Luís Inácio Lula da Silva. A proporção é grande se se considerar que o Santa é um jornal regional, cujo alcance não chega a exceder a região de Blumenau:

Edição

Título do Editorial

3 de fevereiro

Mudança de mentalidade

4 de fevereiro

A indústria naval

5 de fevereiro

Reprise melancólica

11 de fevereiro

Opção pela austeridade

13 de fevereiro

Gestão pesqueira

14 de fevereiro

Apoio ao pequeno negócio

15 e 16 de fevereiro

O mutirão contra a fome

18 de fevereiro

Parceria para a mudança

24 de fevereiro

A reação do Planalto

 

Em dois exemplos, o editorial relaciona temas regionais com o novo governo federal, e ambos ligados à atividade marítima: “A indústria naval” e “Gestão Pesqueira”. No primeiro, há uma visível valorização dos recursos navais da região, especialmente os do município de Itajaí, onde, vale lembrar, o Santa circula com um caderno especial. Estaleiros como o Eisa e o Detroit Brasil, sediados na cidade e considerados dois dos mais importantes do país, são citados como possuidores de know how no fabrico de embarcações de grande porte.

O editorial se detém de maneira extensa demais, até, no fato de ambas as empresas produzirem navios para transporte de combustíveis e rebocadores, respectivamente. É, porém, somente no penúltimo parágrafo que o assunto remete ao governo Lula. O trecho diz: “Há outro desdobramento da questão: o estímulo à indústria naval concorreria igualmente para o sucesso de projetos do governo federal de estímulo ao setor pesqueiro, tema que […] deverá receber ao longo do governo Luís Inácio Lula da Silva acurada atenção”.

Quanto ao texto “Gestão Pesqueira”, é citado o nome de José Fritsch, a cargo da Secretaria Nacional de Pesca. Mesmo assim, o editorial melhor caberia na classificação de artigo/análise, devido aos números e porcentagens que traz, sem contar um citação entre aspas de quatro linhas, de um professor do Centro de Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar (CTTMar) da Univali. O editorialista renuncia ao seu papel de opinar e mais traça comentários esparsos, no limite da informação.

Tais características, que acabam limitando o espaço opinativo dos editoriais, podem ser observadas também em outros exemplos. O que mais chama a atenção é o primeiro do mês a tratar do governo, “Mudança de mentalidade”. O editorial inicia tratando de “deformações de renda no Brasil”, como se estas se devessem mais a “anacronismos internos” do que “possíveis efeitos de globalização”. É citado o nome de José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP). Lula aparece em seguida. Seguem-se dados, num segundo parágrafo, os quais vão da proteção previdenciária aos critérios para a admissão de candidatos com poucas chances em universidades públicas.

No penúltimo parágrafo, faz-se mais visível a crítica ao setor público. Ao fim, é dito: “O mundo e o Brasil, porém, mudaram radicalmente nos últimos anos, principalmente em conseqüência da revolução tecnológica dos anos 90. No momento em que o governo recém-empossado reitera a disposição de levar adiante as reformas previdenciária tributária e mesmo a trabalhista, os brasileiros precisam aproveitar para dar um salto de qualidade. É a forma de se adequarem aos novos tempos, permitindo que as vantagens de poucos possam ser transformadas em benefícios de muitos”. Algo que, visivelmente, não apresenta propostas ou faz exigências de atitudes concretas por parte do governo ou da população.

Desse modo, pode-se perceber também que os editoriais transitaram numa crítica moderada ao governo, às vezes com certa reserva diante de resoluções, às vezes com apoios visíveis. É o caso, por exemplo, de “A reação do Planalto”, que chega a lembrar texto de economia, pelos números, instituições e taxas citadas. O editorial trata do aumento dos juros, ao mesmo tempo em que a atividade produtiva se vê restringida. Ao fim, o apoio vai à atitude de Lula, de fazer também contenções de tarifas públicas, na tentativa de evitar o aparecimento da inflação.

Para não dizer que não há material coerente e estritamente opinativo, vale citar o caso de 5 de fevereiro, com “Reprise melancólica”. O editorial discorre sobre o troca-troca de partidos feito por muitos políticos neste começo de novo governo. Não só condena a prática, como também explicita que se trata de um “desrespeito à vontade do eleitor manifestada nas urnas”. Mais adiante, o editorial chega a convocar a população, frente à infidelidade de certos partidários: “Aos cidadãos mesmos se deveria conferir a prerrogativa de cassar os infiéis, já que parece evidente que tais desertores, se não ferem a norma legal específica, ofendem claríssimos princípios constitucionais […]. Nada seria mais justo ou mais legítimo”.

Com isso, o posicionamento do Santa mostra-se claro diante do assunto tratado. Entretanto, um caráter brando pode ser atribuído ao material por não citar partidos ou políticos diretamente, com exceção do PFL. Em certo trecho, quanto à condenação da “promiscuidade” política, é dito: “É o que antecipa o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen, que em entrevista anunciou que irá processar por perdas e danos os trânsfugas da sua grei”. Citação desnecessária, em se tratando de um espaço que deve ser fundamentalmente opinativo e não veículo para as declarações de outrem.

Repetindo editoriais

No caso do Diário Catarinense, a política da empresa chega até a engessar os editoriais de seus jornais. De maneira geral, os textos seguem até mesmo uma mesma estrutura, como se uma fórmula estivesse sendo aplicada. É a receita do editorial. De acordo com a análise realizada, os editoriais do DC iniciam com uma análise conjuntural, seguem descrevendo a situação do país e as novas políticas implementadas ? geralmente concordando com elas ? e terminam com uma cobrança, uma repreensão ao governo e um aviso à sociedade, para que não esqueça das promessas de campanha. Quer dizer, vai-se da análise do passado ao presente, oscilando entre a esperança e a crítica.

Acompanhadas as edições dos dias 17 a 25 de fevereiro, este MONITOR contabilizou oito entre nove editoriais enfocando as ações do governo Lula.

Edição

Título do Editorial

17 de fevereiro

O vento das reformas

18 de fevereiro

Parceria para a mudança

19 de fevereiro

Privatização do BESC e
a rotina da incerteza

20 de fevereiro

Largada para as reformas

21 de fevereiro

Impasse de alto custo

22 de fevereiro

A reação do Planalto

23 de fevereiro

Modernização trabalhista

24 de fevereiro

A reação de Brasília

 

De maneira extensiva, o Diário Catarinense dá credibilidade e legitimidade ao governo, não só ao presidente da república, mas a todos os ministros e concorda com a maioria de suas decisões. É o que se vê, por exemplo, na edição do dia 24: “Para José Dirceu, uma combinação de juros altos e aumento dos preços administrados ? é evidentemente insuportável pelo país ? , no que aliás lhe assiste inteira razão”. Ao mesmo tempo em que abençoa o governo, tenta entender o porquê dos juros altos e da lentidão das reformas, mas relembra o leitor das promessas de campanha e até assusta, dizendo que “para alguns dos especialistas, o Brasil está ingressando num período de 10 a 12 meses de estagnação econômica”. Uma previsão um tanto precipitada, já que não se sabe se os ajustes do governo recente vão levar tanto tempo, sem crescimento econômico em nenhum setor. No final do editorial, o Diário tenta concluir dizendo que o governo está no caminho certo, mas falta começar a enfrentar mais os desafios: “Não custa lembrar que os juros só serão realmente mais baixos no momento em que se reduzir o rombo das contas públicas. E que isso somente se obterá mediante reformas estruturais ousadas, a começar pela reforma previdenciária”.

Não bastasse isso. O DC repete os editoriais. Sim, se em 22 de fevereiro, um sábado, vem com “A reação do Planalto”, dois dias depois, traz “A reação de Brasília”, texto idêntico ao anterior em 80% das suas linhas. O que diferencia um do outro são descrições mais minuciosas ? quando nomina os especialistas financeiros que não prevêem crescimento ? e a declaração mais clara de apoio ao governo. No sábado, o editorial termina com “É correta, pois, a opção do governo Lula”. Na segunda, não aponta a correção, mas frisa a necessidade da conclusão das reformas para que os juros baixem. No Jornal de Santa Catarina, do mesmo grupo, a RBS, o editorial da segunda reproduz um mix entre os dois textos.

Com tanto assunto por aí, por que um jornal como o Diário Catarinense repete editoriais?

Poucas menções

** Enfocando um fato em particular, o editorial mostra-se como a porta de entrada para o leitor apreender as opiniões da empresa.

** Ser percebido no destaque: “Mesmo que a necessidade das reformas tenha se transformado na obviedade nacional, existe uma enormidade de interesses a serem equacionados”.

** Afirmar que as queixas contra o governo já eram esperadas diante do fato de tratar-se do PT, que acreditava que as reformas não saíam por falta de vontade.

(*) Projeto de pesquisa do curso de Comunicação Social ? Jornalismo da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) que faz acompanhamento sistemático dos principais jornais de Santa Catarina. O projeto é coordenado pelo professor Rogério Christofoletti, mestre em Comunicação e doutor em Sociologia pela UnB.

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