REALITY SHOWS
A televisão de ?realidade?, copyright Público, Lisboa, 25/1/03
“Estes programas só são possíveis porque as pessoas – nós – mudámos social e psicologicamente. Hoje, a maioria das pessoas dispõe-se a expor a vida privada, mesmo íntima, no espaço público, seguindo o exemplo dos seus políticos, artistas, escritores e das suas elites em geral – pois foram elas e não ?as massas? que iniciaram este processo de publicitação da vida privada
Bombástico, Eu Confesso, Escândalos e Boatos, Vidas Reais, Big Brother, Academia de Estrelas, Operação Triunfo: estes e muitos outros programas enquadram-se num enorme género televisivo em permanente mutação, chamado nos estudos universitários e no jornalismo anglo-saxónicos ?reality TV? ou ?reality television?.
A ?realidade? é um tema fugidio. As análises académicas deste género balançam entre a aproximação pós-modernista – que destaca a construção duma realidade no ecrã – e a convicção modernista de que ainda há uma realidade ?lá fora?, isto é, uma realidade que ?está fora da representação, ou pelos menos não lhe está totalmente submetida?, como refere o organizador de um dos primeiros livros totalmente dedicados ao tema (James Friedman, ?Reality Squared?).
Entre um e outro caminho, o melhor é seguir o prudente conselho de Vladimir Nabokov, no pósfácio à sua ?Lolita?: ?realidade? é ?uma das poucas palavras que nada significam sem aspas?. Na TV de ?realidade?, vemos uma relação mais ou menos ténue com o mundo ?lá fora? e, em simultâneo, uma construção de uma nova ?realidade? na televisão.
O programa Vidas Reais (TVI) é nisso exemplar: baseando vagamente os seus ?episódios? em casos verdadeiros, a produção encena uma representação como no teatro, num estúdio-palco, com público em anfiteatro intervindo buliçosamente como nas representações teatrais do passado e com actores amadores, pessoas vulgares contratadas para representarem outras pessoas vulgares.
O Vidas Reais é, portanto, tão próximo da ?realidade? quanto um filme retratando a vida de Pablo Picasso ou a série Processo dos Távoras. Todavia, enquanto filme e série se filiam sem hesitação na ficção, o Vidas Reais consegue com inegável talento sugerir, pelo imediatismo, pelo espaço, pelo amadorismo dos actores, pelo tipo de diálogo, que se trata de ?realidade?: o Vidas Reais é uma ficção magistral porque consegue a imitação da ?realidade? como pouca ficção; ao mesmo tempo, é uma fraude porque, sendo ficção, sugere que é ?real?, enganando os espectadores para além do razoável.
Quer o Vidas Reais, quer outros do mesmo ramo, como o Bombástico, baseiam-se em estórias concretas de pessoas concretas – a TV é o ?media? do concreto absoluto. Geralmente, são vítimas ou de injustiças ou de alguma outra coisa (acidentes, situações bizarras). O programa da TVI Eu Confesso é do mesmo tipo, confrontando as vítimas com os algozes e pondo o tema à discussão por especialistas, pseudo-especialistas ou não-especialistas.
Historicamente, como refere o estudioso norueguês J. Gripsrud, a TV sempre se orientou para os valores estéticos do imediatismo, do directo e da actualidade, sendo o ?media? que está mais próximo do ?real?. Ao que ele acrescenta a fome insaciável que as sociedades modernas mostram de todos esses valores e, em primeiro lugar, do que é ?real?.
Essa fome é alimentada por técnicas de vídeo que permitem ir muito longe na captação ou simulação da ?realidade?; e alimenta audiências. Os programas têm público porque há indivíduos predispostos a vê-los. E vêem. Ou a TV não os produziria.
Estes programas só são possíveis porque as pessoas – nós – mudámos social e psicologicamente. Hoje, a maioria das pessoas dispõe-se a expor a a vida privada, mesmo íntima, no espaço público, seguindo o exemplo dos seus políticos, artistas, escritores e das suas elites em geral – pois foram elas e não ?as massas? que iniciaram este processo de publicitação da vida privada. Quem poderia imaginar, há 50, 30 ou mesmo dez anos, que os parentes de assassinados se juntassem num palco de entretenimento com os assassinos? Ou andassem à chapada com os parentes próximos, como em Jerry Springer?
O programa mais exemplar revelando esta tendência a mostrar sem vergonha a vida privada passou recentemente no canal americano HBO. Nele se mostraram clientes de um prostíbulo negociando o preço e os serviços pretendidos da prostituta (o programa não mostrava a concretização dos serviços). Foram filmados por uma câmara escondida. Depois, pediram-lhes autorização para pôr no ar. Dos 50 filmados, 47 aceitaram que as imagens fossem mostradas na TV, isto é, 94 por cento.
Há vários subgéneros dentro da TV de ?realidade?, desde o ?talk-show? confessional mais ou menos popular (Herman José, Fátima Lopes, Manuel Luís Goucha, Praça da Alegria, Oriente, Escândalos e Boatos), aos jogos de ?realidade? mais ou menos misturados com telenovelas (BB, Operação Triunfo, Survivor), passando pelos programas de polícia (Casos de Polícia, 112, etc.) e pelos programas de burlesco baseados num voyeurismo do ridículo dos outros mais ou menos ingénuo (Apanhados, Olhó Vídeo, etc). Há ainda os programas de imagens ?excessivas? de catástrofes naturais, acidentes, etc, ou de bizarrias voluntárias (os chamados ?recordes? do Guiness).
Alguns destes programas, como o Bombástico, incluem imagens previamente gravadas, que acentuam a ?realidade? em construção com uma dose acrescentada de autenticidade e imediatismo. O exemplo mais básico são as típicas imagens gravadas por câmaras de segurança de supermercados, bancos e outras empresas, de roubos, assédios, etc.
Todos estes programas são, na forma, melodramáticos. Alguns são ?bonzinhos?. Pretendem ter a máximo audiência em torno de bons sentimentos e valores consensuais: por exemplo, a Academia de Estrelas, a Operação Triunfo, os ?talk-shows? diurnos. Outros são chocantes. Quais? Os que querem ser chocantes. São suplementos de anfetaminas para as estações. Chocam parte da audiência, não toda.
A literatura sobre este género de programas acentua que os programas de ?realidade? são interpretados de maneiras diferentes pelos vários públicos ou mesmo indivíduos e que há em muitos destes programas, por mais incipiente que seja, um certo ?democratainement? (ver, por exemplo, Bernardette Casey e outros, ?Television Studies. The Key Concepts?, Londres, Routledge, 2002). Este conceito deriva da concepção participatória dos programas, nos quais há maior ou menor debate das questões.
Naturalmente, Bernardette Casey e os outros autores desse livro não viram o Bombástico, o Eu Confesso ou o Ratinho – talvez mudassem de opinião! Mas o conceito levanta uma questão que não é desprezível: os Bombásticos estão adaptados aos valores de um certo público, para quem a gritaria do Bombástico faz sentido, enquanto para outros públicos – aos quais esses programas não se destinam – aquilo não passa de selvajaria.
Estes são aspectos teóricos que poderiam acalmar um pouco o debate. Mas, na segunda-feira, o Olho Vivo vê-se obrigado a descer às profundezas da ?realidade? de juízes, bastonários, santas piedades e justas censuras em torno dos Bombásticos pátrios: esta pobre nação não tem meio-termo.”
“?Big Brother? é versão fútil do cotidiano”, copyright Folha de S.Paulo, 22/1/03
“Difícil aguentar mais um ?Big Brother Brasil? (exibido diariamente pela Globo). Os mesmos tipos -jovens bonitos, aspirantes a uma carreira em algum ramo do mundo do espetáculo- se dedicam à árdua tarefa de entreter sem substância.
Na ausência de trama articulada em roteiro de autor, os personagens de si mesmos, parecidos, se dedicam à mais reles versão de cotidiano fútil: quem vai dormir com quem, quem vai namorar quem, quem será eliminado.
A estrutura de gincana procura compensar a ausência de roteiro, forçando algum parco drama. E como no fogo de conselho dos acampamentos adolescentes, haja lágrimas.
Não é só roteiro que falta. Falta movimento de câmera e cuidado com o som. O formato indiscreto das câmeras ocultas inibe o desenvolvimento de qualidade mínima de imagem e som. Muitas vezes não é possível ouvir o cochichar dos personagens.
Pensando assim, o formato mais parece uma corruptela das piores versões de ficção seriada. É como se recebêssemos de volta o que sobra em cada telespectador da repetição contínua de um repertório que apequena e carrega de ansiedade as relações humanas e, principalmente, as relações amorosas.
Alguns lances são dignos do melodrama. Um dos personagens dessa terceira edição do ?reality show? conta para os amigos/inimigos com quem convive na casa fechada, e portanto também para os telespectadores, que sua família -pai, mãe e um irmão- se reuniu pela primeira vez em 14 anos no ?Big Brother?.
O que faz o aceno da fama. A fama já não é mais, como era nos tempos de Maquiavel, associada à maior ou menor habilidade dos que têm sangue azul. Ela também não está restrita ao universo dos políticos ou sábios profissionais.
A fama parece estar ao alcance da mão de quem se empenhar nas artes da representação. Para quem ainda sintoniza no programa seduzido por essa possibilidade, vale lembrar que a via é instável e arbitrária.
O consolo é que o formato pega cada vez menos. Resta entender porque a Globo decidiu empurrar para mais tarde a outra ?casa? em exibição na emissora, a das sete mulheres, cujos índices de audiência surpreendem.”
“Só ?Big Brother? bate desenho na TV paga”, copyright Folha de S.Paulo, 23/1/03
“O programa mais visto da TV paga brasileira no ano passado é originalmente um produto da TV aberta. No ranking feito pela Globosat a partir de dados do Ibope dos 50 programas mais assistidos, obtido com exclusividade pela Folha, ?Big Brother Brasil? aparece nas duas primeiras posições.
Exibidas pelo canal pago ?Multishow?, as duas versões de ?BBB?, original da TV Globo, tiveram média diária de 426.799 telespectadores na edição da madrugada, ao vivo, a partir da 0h. Já a edição noturna, normalmente a partir das 22h40 (ou assim que acabava a apresentação da Globo), teve média de 387.293 telespectadores em suas 119 exibições.
Em terceiro lugar, aparece o desenho animado ?Dragon Ball GT?, do Cartoon Network, às 18h30, com média de 179.908 telespectadores. Em 2001, quando, a partir de março, o Ibope começou a medir audiência da TV paga, a série ?Dragon Ball? foi líder.
Outra surpresa é o quarto lugar, ocupado pelo seriado ?Friends? (temporada 2001), no Warner Channel, com média de 151.568 telespectadores. A temporada de 2000 aparece na décima posição.
Do quinto ao nono lugar, todos os programas são de canais infantis (um do ?Fox Kids? e quatro do Cartoon). A Copa do Mundo, pelo SporTV, só aparece no 18?.
No ranking dos cinco canais mais vistos no horário nobre em 2002 estão Cartoon, Nickelodeon, TNT, Telecine e SporTV.”
“TV Globo prepara novos ?reality shows?”, copyright Folha de S.Paulo, 27/1/03
“Além de ?Arquivo de um Crime?, previsto para entrar no ar após o terceiro ?Big Brother?, a TV Globo deve exibir neste ano pelo menos dois novos formatos de ?reality shows? e ?games shows? inéditos no Brasil.
Dois projetos são para o ?Caldeirão do Huck? e têm apelo para o público adolescente. Um deles junta vários casais falsos e um verdadeiro. Eles convivem entre si durante algum tempo. No final, os participantes têm que descobrir qual dos casais é o único verdadeiro do grupo.
O outro projeto é uma adaptação de ?Exhausted?, da produtora Endemol, a mesma de ?Big Brother?, parceira da Globo no Brasil. Em ?Exhausted?, de acordo com o site da Endemol, os competidores são mantidos acordados durante 24 ou 48 horas. Após esse tempo, disputam uma maratona de competições físicas e ?intelectuais?. Cansados, são colocados em um local aconchegante em que testarão suas resistências ao sono. Quem dorme é eliminado.
Nesta semana, a cúpula da Globo deve dar o aval para o início de produção dos dois projetos. Um deles pode entrar no ar em abril.
?Arquivo de um Crime?, no entanto, já tem sinal verde para começar a ser produzido, em março. Será exibido aos domingos, após o ?Fantástico?, com programetes diários. Os participantes do programa têm que desvendar um crime fictício, previamente roteirizado, em uma pequena cidade.”