Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Eduardo Marini

CONCERTO PARA…

“Maturidade marca romance de Japiassu”, copyright IstoÉ, 29/09/03

“Cenários talhados com esmero, núcleos ricos de personagens e, para alinhavar, uma escrita ritmada, sinfônica, isenta de hesitações e plena de recursos. Eis uma mistura para se produzir um bom romance. Eis aí também a exata combinação de fatores presentes em Concerto para paixão e desatino – romance de uma revolução brasileira (Francis, 350 págs., R$ 39), segundo romance do paraibano Moacir Japiassu. Escritor e jornalista com passagens por grandes veículos, entre eles ISTOÉ, Japiassu, 61 anos, sempre cultivou uma relação de proximidade e afeto com o vernáculo. Íntimo da língua pátria como um craque da bola, é dono de um dos grandes textos da sua geração. Neste Concerto, ele brilha e mostra maturidade. O pano de fundo é a Paraíba prestes a viver o assassinato de João Pessoa e a Revolução de 1930. O personagem principal é Isaías, figura de simplicidade comovente. Mas há espaço para mitos locais, como Juarez Távora, João Dantas e Agildo Barata. As homenagens chegam a Camões, mas sobretudo envolvem José Américo de Almeida, lendário político e escritor paraibano atuante na primeira metade do século, dono de oratória hipnotizante e mestre maior do autor.

É bonito ver Japiassu encadear frases e parágrafos. Um exemplo é o comentário, ainda numa advertência inicial, sobre o fato de os primeiros leitores terem achado que a melhor personagem do livro é mesmo a língua portuguesa. Há anos, Japiassu mantém uma coluna chamada Jornal da Imprença (sic). Nela, ele treme a pança de tanto rir das botinadas cometidas no dia-a-dia pelos colegas jornalistas. E o faz com elegância.”

 

ELES MUDARAM A IMPRENSA

“A nova imprensa brasileira”, copyright Gazeta Mercantil, 26/09/03

“A profissão de jornalista é uma das mais descritas e polêmicas, mas é também uma das menos conhecidas e das mais pontilhadas de incógnitas e ambigüidades. No cinema, por exemplo, são mais de 7 mil filmes. Na literatura, ?Ilusões Perdidas?, de Honoré de Balzac, resume o vasto universo de mitos e realidades dessa profissão que exige tanto talento e muitas vezes se revela tão medíocre.

Agora, chega às livrarias ?Eles Mudaram a Imprensa?, organizado por Alzira Alves de Abreu, Fernando Lattman-Weltman e Dora Rocha, com a rubrica do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea (Cpdoc). Não é um livro qualquer. A começar pelos personagens que falam das suas experiências em longas e bem trabalhadas entrevistas. Evandro Carlos de Andrade, Alberto Dines, Mino Carta, Roberto Müller Filho, Augusto Nunes e Otávio Frias Filho.

Cada um fez uma revolução particular na imprensa. Evandro respondeu entre 1970 e 1980 pela modernização de ?O Globo? e na década de 90 comandou a TV Globo. Dines reestruturou o ?Jornal do Brasil?, entre as décadas de 60 e 70, e tornou-se um crítico sensível das práticas da mídia brasileira. Mino é o grande fazedor de revistas, da ?Quatro Rodas? à ?Veja?, da ?IstoÉ? à ?Carta Capital?, além do ?Jornal da Tarde?. Müller Filho revolucionou a ?Gazeta Mercantil?. Nunes esteve à frente de duas autênticas epopéias: uma no ?O Estado de S. Paulo?, outra na ?Zero Hora? de Porto Alegre. E Frias, da segunda geração de proprietários da ?Folha de S. Paulo?, fez do jornal que dirige uma referência de independência.

Cada um conta experiências diferentes, unidas pelo mesmo fio da evolução e mudança. São cerca de 400 páginas que se lêem como se fossem parte não de um livro, mas de um filme de ação.

Assim, logo nas primeiras páginas – melhor seria dizer primeiras cenas – vai se encontrar Evandro Carlos de Andrade contando como ?O Globo?, em plena ditadura, montou um novo jornal com o trabalho de jornalistas de esquerda.

?(…) Um dia o dr. Roberto ( Marinho) me chamou e disse: ?Olha, estou recebendo muitas queixas de que a redação está cheia de comunistas?. Respondi: Dr. Roberto, está mesmo. Agora é o seguinte: prefiro trabalhar com comunista do que com udenista. Ele: ?Ah, por quê?? Eu disse: Porque comunista sabe o que pode fazer, não se mete a besta, é profissional, faz aquilo só e sabe que não pode ir além. Já udenista acha que está no poder e começa a fazer coisa que não pode. Ele disse: ?Você tem toda a razão?. E o problema comunista acabou ali?.

Dines conta histórias que muitas vezes trilham a contramão da tradicional perseguição da esquerda pela direita. Ele fala em profusão, e com tintas nem sempre amenas, da personalidade do jornalista que ?não admite ser criticado? e resiste à idéia de que a imprensa tem ?os seus méritos e os seus deméritos?. Com a experiência de quem dirigiu o ?Jornal do Brasil? e editou a coluna ?Jornais dos Jornais?, traz à luz o tema tabu das listas negras nas redações. Ou seja, os nomes de personagens que estão banidos do noticiário, a exemplo do que aconteceu com Lima Barreto depois que a redação que ele descreveu no ?Isaías Caminha? foi associada à redação do antigo ?Correio da Manhã?.

?(…) Essa instituição da lista negra ainda persiste até hoje. O que mostra o quanto a imprensa ainda está infectada de autoritarismo. Às vezes, não é da direção, é de setores intermediários?. Dines investe ainda contra a prática de lobbies, um jornalismo de fofocas que começa nas colunas sociais e transborda para a política e a economia. ?Hoje, no jornalismo brasileiro, 30% das matérias que saem, no geral, são sopradas de fora para dentro do jornal?, afirma. ?Lobbies. Às vezes até positivos, mas lobbies. O que sai não &eacuteacute; aquela coisa que o jornalista vai apurar. É aquilo que veio pronto. Isto é terrível.?

O que é ser jornalista para você? pergunta o entrevistador a Mino Carta. Resposta: ?Algo muito simples e muito complexo. O primeiro ponto nessa história está no senso de responsabilidade?. Na prática, explica Mino, ?a seriedade não quer dizer objetividade, mas sim honestidade.? Outro ponto essencial da visão de Mino Carta, o ?exercício desabrido? da crítica: ?Sem o exercício da crítica e sem a fiscalização do poder, não existe jornalismo?.

Mino construiu revistas com o mesmo impeto e brilho com que vem destruindo tabus. Um deles é a objetividade. Os fatos são objetivos, a visão da realidade não. Há quem afirme que a imprensa conduz a agenda política nacional, que a imprensa elege ou condena políticos ao fracasso. Enfim, que a imprensa é o poder maior. Não para Mino. A imprensa, para ele, elegeu Collor porque o poder buscava um anti-Lula. Derrubou Collor porque às provas contra o presidente surgiram não nas entrevistas bombásticas do seu irmão, Pedro Collor, mas na voz de um humilde motorista, Eriberto. Aliás, descoberto pela equipe liderada por Mino Carta, que comandava a ?IstoÉ?. O jornalista pode ser irônico, ?achando graça da vida, mas sempre com a idéia do senso do dever, de que não se pode fazer as coisas de qualquer jeito?.

Roberto Müller percorre o território das greves, pressões, censura, prisões e múltiplas experiências que pontilham sua carreira para tocar num acontecimento chave: o vitorioso modelo de jornalismo econômico da ?Gazeta Mercantil?.

Müller dirigiu a Gazeta duas vezes, a primeira entre 1974 e 1983. Um dos aspectos distintivos do jornal é a independência, relata o jornalista. Ao contrário dos jornais tradicionais, a ?Gazeta? é orientada para ?ajudar a tomar decisões, e não para produzir emoções?. Para ilustrar, lembra o episódio da renúncia de Nixon. A manchete, que ficou famosa, dizia: ?Especula-se em Wall Street?. Tornou-se emblemática, pois ?todos os jornais, após milhões de pessoas em todo o mundo terem assistido ao vivo pela TV à renúncia do Nixon, saíram com a manchete? ?Nixon Renuncia?, ou algo parecido. Nós tinhamos consciência de que devíamos considerar que o leitor, já informado, queria notícias e interpretações sobre o desdobramento da renúncia?.

O depoimento de Augusto Nunes, hoje vice-presidente do ?Jornal do Brasil?, é saboroso. Ele descreve em detalhes os bastidores de duas reformas: do ?Estadão? e da ?Zero Hora?. Capta o fenômeno recente do jornalista com funções executivas, ilumina a face oculta das lutas pelo poder, crítica a preguiça dos jornalistas e também dos leitores. Conta uma história que começa em 1968 – o ano das passeatas, do Ato Institucional n? 5 e da escalada repressiva por parte do governo militar – e chega ao momento culminante quando Augusto enfrenta o desafio de modernizar o jornal da família Mesquita.

Em circulação desde 1875, quando era identificado pelo nome de ?Província de São Paulo?, precisava mudar. Isto significava injetar sangue novo na redação, informatizar, introduzir cores nas edições, e cuidar do texto. Augusto venceu o desafio. Mas o seu feito maior foi inspirar o surgimento de uma nova geração de jornalistas que percebe que o leitor, ao contrário da geração mais antiga, não é como torcedor de futebol. Portanto, como ele afirma com veemência, a novidade é que ?um jornal é um produto diferente, nobre, etc. e tal, mas que no fundo existe para vender informações aos leitores.? Guardadas as proporções na geografia e na história, foi uma empreitada muito parecida com a renovação da Zero Hora.

Otávio Frias Filho encerra os depoimentos. Ela traça um painel dos resultados da missão que lhe foi confiada na ?Folha?: fazer um jornal que fosse ao mesmo tempo bem-sucedido e independente. E toca em temas candentes como as relações da imprensa com o mercado, aperfeiçoadas graças a um grau de qualidade média sem paralelo no passado; e se revela contrário ao jornalismo como idéia missionária. ?Procuramos fazer uma desromantização da maneira de encarar a profissão. Acho que isso exerceu uma certa influência sobre as gerações que hoje estão nas redações.?De qualquer ângulo que se olhe, ?Eles Mudaram a Imprensa? é assim: rico em histórias que fazem a história, original e de rara utilidade nesse momento da vida brasileira em que a cultura de mídia se torna imperativa. Em parte, porque é um elo forte e vital da democracia e, portanto, das relações da sociedade com o Estado.

No passado, pensava-se muito na forma de produzir notícias e no maior ou menor engajamento do jornalista. Tanto que a grande revolução da imprensa que aconteceu na era Juscelino Kubitschek foi muito mais gráfica do que editorial. Agora, o cidadão é o centro de todas as coisas. A referência maior, acima de partidos, governos e ideologias. Talvez, por isso o papel do jornalista esteja tão em evidência e seja alvo de tantas questões. Seguramente, as diferentes visões do tema a transpirar de ?Eles Mudaram a Imprensa? é que fazem este novo livro uma jóia rara. Imperdível.”

 

BARRIGA DE VEJA

“A Voz Das Selvas: Velhas Lições Na Amazônia”, copyright Folha do Amapá (www.folhadoamapa.com.br), 27/09/03

“As florestas da Amazônia poderão acabar dentro de 25 anos, se continuarem no mesmo ritmo os desmatamentos que atualmente se processam na região.

A afirmação, que parece recente, foi feita há mais de 25 anos (novembro de 1977) pelo cientista Warwick Estevan Keer durante uma série de conferências em Rio Branco, organizada pela Universidade Federal do Acre e o Projeto Rondon. Warwick falava como diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, uma das mais prestigiadas instituições de pesquisa na região; felizmente, as florestas não acabaram.

Na época eu cobria a conferência como repórter regional de ?O Estado de S.Paulo? e me assustei. Até porque o conferencista disse ser contra ?alarmismos que fazem tomar medidas extremas?, o que me levou a pensar no pior.

O cientista alertava os participantes do seminário para os perigos que representa transformar a Amazônia num grande pasto, e esclarecia que uma das primeiras conseqüências disso seria a diminuição em 20% da precipitação das chuvas. Falou também que a região continuava cobiçada pelos estrangeiros ?porque é a última que resta no mundo a ser povoada, a não ser a Antártica, o norte do Canadá e o deserto do Saara para onde ninguém quer ir?.

?Nós temos que aprender a lidar com a Amazônia para que não digam que estamos apenas destruindo-a?, advertiu acrescentando: ?Não estamos preparados para viver cientificamente da floresta (…) Os índios estão e teremos que aprender muito com eles, antes que desapareçam?.

Nas duas décadas que se seguiram à sua advertência, muita coisa boa aconteceu em diferentes partes da Amazônia no sentido da ocupação e preservação da floresta por seringueiros, ribeirinhos e índios. Mas também aconteceu e ainda acontece muita coisa ruim.

O Estado do Acre produziu Wilson Pinheiro, Chico Mendes e Marina Silva no movimento social amazônico, além de Jorge Viana, Tião Viana e outros bons nomes na política que fortalecidos conquistaram as reservas extrativistas e indígenas, às quais se somam agora as áreas protegidas institucionalizadas por decretos do Governo do Estado. Com a medida, mais de 40% dos 15,2 milhões de hectares do território acreano ficam preservados.

Visto pela mídia nacional e internacional, o Acre é um modelo de sociedade sustentável em que os avisos do cientista Keer parecem coisas do passado. Mas isso é verdade apenas em parte, porque existem ameaças neste começo do século XXI maiores e muito difusas.

Nos anos setenta e oitenta, era fácil saber quem estava a favor ou contra a preservação das florestas e a um modelo de desenvolvimento diferente na Amazônia, em que fosse possível aliar a exploração da riqueza natural com sua manutenção para as gerações atuais e futuras. Hoje, até o termo sustentabilidade tem sido cinicamente assumido por tradicionais opositores do conceito.Querem exemplos?

Nesta semana a revista Veja publicou de seu correspondente em Belém, matéria denunciando que o Acre foi o Estado que mais desmatou na Amazônia, nos últimos três anos. O repórter autor do texto, Leonardo Coutinho, atrapalhou-se depois com os desmentidos feitos pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e pela ONG internacional WWF, pois, na verdade, o Estado foi o que menos desmatou no período além de estar conduzindo um projeto de governo inovador do ponto de vista ambientalista.

O problema é que a própria Veja, provavelmente, não vai publicar nenhum desmentido, enquanto os políticos predadores fazem a festa contra o Governo da Floresta. No vizinho Estado de Rondônia, o governador Ivo Cassol, conhecido inimigo da floresta, se insurge como ambientalista ao criticar Jorge Viana pelo que saiu publicado na revista. Ou seja, a velocidade da informação tecnológica moderna dilui a verdade em favor de uma mentira plantada em órgãos de comunicação de grande prestigio.

A confusão vem acontecendo em escalas menores, mas não menos perigosas. O governador do Amapá, Waldez Góes (PDT), esteve na Conferência de Durban, na África, pousando de ecologista e muita gente acreditou. Entretanto, ele e seu grupo político passaram os últimos sete anos se empenhando em desqualificar o Programa de Desenvolvimento Sustentável do Amapá (PDSA) instituído e executado com arrojo e competência pelo seu antecessor, João Alberto Capiberibe (PSB), atualmente ocupando uma cadeira do Senado.

Perdidos em meio aos apetites e interesses da mídia de um modo geral, os editores se esforçam pouco para provar o óbvio: que a maioria dos governadores da Amazônia, até o sr. Waldez Góes, se revelam mais interessados no boi e na soja que nas florestas em pé.

Portanto, mesmo decorrido um quarto de século, as informações do ex-diretor do Inpa não perderam a validade. Vejamos o que disse mais ele naquela conferência de 1977, em Rio Branco:

?A empregada doméstica da Alemanha sabe mais botânica de sua região que todo esse grupo presente neste seminário sabe da sua. Nós nos acostumamos a ver a floresta como uma inimiga; não é bom criar boi na Amazônia porque um quilo de boi consome 113 quilos de proteína vegetal e o boi não vai produzir proteína para nós, vai produzir para exportação?.

Estevan Keer encerrou a palestra recomendando a domesticação de animais como anta, capivara, paca, jabuti e aves como jacu e jacamim, entre outras espécies já pesquisadas pelo Inpa.

Quanto ao desmatamento, o risco é maior, hoje, em Estados com Rondônia, Pará e Tocantins. No Amapá, a numerosa família do governador é muito conhecida por sua atividade madeireira. Elson Martins – elson_martins@uol.com.br”