FAAP / JORNALISMO
"Faap, 25 anos depois", copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 7/11/02
"Outro dia, lendo um dos grandes jornais paulistas, me defrontei com um anúncio da Universidade Metodista convocando seus ex-alunos e corpo de professores para um encontro saudando os 30 anos de criação do Curso de Jornalismo da instituição – atitude simpática e praticamente inédita, em se tratando de organizar reencontros de colegas da área de jornalismo. Engraçado isso. Médicos, engenheiros, arquitetos, advogados (esses então, com muita constância) vivem promovendo reencontros, comemorando datas especiais. Mas em relação aos jornalistas, o que em geral ocorre é muito encontro sim, rodadas de chopp, boêmia, etc., mas com a turma do momento. Eventualmente um reencontro de um grupo de determinada redação ou assessoria. E olhe lá.
Pois eu tenho o privilégio de integrar um grupo que nos últimos 25 anos vem encontrando-se religiosamente de cinco em cinco anos, sempre num ambiente interessante, descontraído, e com muita emoção, muita história para contar e recontar. É o grupo dos formandos da Faap, de 1977, que está completando este ano jubileu de prata. Nossos encontros são tão desejados, e democráticos, que valem também para os colegas da publicidade, de relações públicas e de teatro e cinema. Mais ainda, valem também para os colegas das turmas formadas nos anos anteriores e posteriores (que não conseguiram manter o mesmo grau de união ou organização) e que acabam valendo-se deste encontro (são todos amigos, é verdade) para matar as saudades dos tempos de faculdade. Interessante é que nesse movimento que eu chamo de inclusão entram também os professores, muitos deles até surpresos em serem por nós lembrados e convidados para tais reencontros.
Neste caso, nosso encontro foi marcado para o dia 22 de novembro (uma sexta-feira, como convém a uma festa desse tipo), num barzinho bem em frente à Fundação Armando Álvares Penteado, a Faap. Buscamos um lugar alto astral e com preço em conta, até porque sabemos que, dada a crise, nem todos estão, digamos assim, com dinheiro sobrando.
Um dos colegas da turma, quando iniciamos os procedimentos para organizar o ?movimento?, sugeriu que, aproveitando a força da web, fizéssemos nossa própria rede, para aquecer preliminarmente a noite, com algumas das histórias e lembranças (engraçadas, tristes, pessoais, coletivas) etc, daqueles tempos. Foi e está sendo divertidíssimo. Uma adesão intensa. A maioria participando, lembrando, discutindo, integrando.
Fomos de uma turma aguerrida, que deu sua pequeníssima contribuição para a redemocratização do País, ajudando a organizar as primeiras passeatas e manifestações contra a ditatura. Talvez por isso tivemos a felicidade de continuar plugados uns nos outros, embora cada um levando sua vida, nas mais diferentes atividades. De nossa turma de Comunicação, muitos desistiram e seguiram outros caminhos (dentistas, terapêutas, bancários…), mas muitos estão aí, na lida, segurando bravamente o rojão profissional. Alguns são famosos, como Carlos Tramontina (Globo) e Leão Lobo (quem não conhece), por aparecerem muito no vídeo. Outros ocupam cargos de prestígio, como Márcia Raposo (editora-chefe do DCI/Panorama Brasil) e Oscar Pillagalo (editor do caderno Sinapse da Folha de S. Paulo). Outros são os chamados carregadores de piano (eu próprio, Gleise Santa Clara, Dirce Helena Salles, Áurea Lopes). Dos professores que estiveram ao nosso lado, nos chamados anos de chumbo, lembro-me do Wagner Carelli, Rodolfo Konder, Marco Antonio Rocha, Miriam Ibañez, Marcelo Vaz, Ricardo Mucci, Jean Solari, José Paulo Kupfer, Paulo Ludmer, Emanuel Martins, Pipoca, Luiz Gonzalez.
Muitos desses nomes que citei estarão na festa, revendo e rindo com parte importante da história de cada um. E são histórias, algumas singelas, outras hilariantes, como as que vou contar abaixo, preservando o nome (quando necessário), por razões óbvias. Vejam que delícia:
De Cláudio Fragata Lopes (editor da revista Recreio, da Editora Abril): Fiquei pensando uma coisa. Acabei me acostumando com abrir meu correio e encontrar o mail ?25 anos de estrada?. Acho que poderíamos aproveitar melhor o milagre da ciber-comunicação e inventar alguma coisa pra gente ir se divertindo durante a contagem regressiva de nosso encontro. Por que você não lança algo assim como cada um contar uma lembrança dos tempos da FAAP, boa, ruim, divertida, abominável, descartável, erótica, psicótica, etc? Era um jeito de cada um refrescar a memória (tem gente que não se lembra nem dos professores) e, ao mesmo tempo, se divertir.?
Do mesmo Cláudio Fragata Lopes: Lembro do dia que fomos à casa de nossa paraninfa. Eu fazia parte da comissão, não me lembro quem eram os outros. Ela era, antes de mais nada, um ícone da resistência para nós, naqueles anos duros. Entramos reverentes na casa dela. Ela, entretanto, nos recebeu enquanto catava as pulgas de seus cachorros. Punha um deles no colo, revirava os pêlos do bicho até encontrar uma pulga mais otária e aí afogava a parasita saltitante numa pequena vasilha com álcool, que ficava ao lado de sua cadeira de balanço. Estiquei o olho até onde pude e vi no fundo da vasilha dezenas de pontos pretos moribundos. Seria a mulher-símbolo da anistia uma torturadora contumaz? Ou a cada pulga afogada ela pensava num milico estrebuchando??
Da Márcia Raposo, editora-chefe do Panorama Brasil/DCI: ?Eu aqui no meio de um furacão daqueles, que fazem a gente até pensar se acertou de carreira, e aí chega seu mail para lembrar que essa opção que eu fiz já tem pelo menos 30 anos. Deus do Céu.?
De Antonio Mafra, dono da Textos e Idéias (agência de comunicação): ?Em primeiro lugar, sinto uma felicidade, orgulhosa e afortunada, de merecer, continuar, a ter vocês como amigos. Meu coração sente-se beijado. Grato, sempre.?
Do mesmo Mafra: ?Quem se lembra da chegada da lanchonete Jack in the Box em nossa escola? Era um luxo. Foi um fracasso. Aquilo para mim – e para quem mais?, levanta o dedo – era um símbolo da invasão do imperialismo americano a nos modificar e impor costumes. Gastronômicos. Mas não dava pra fugir do cheiro. Mortos de fome, quase todos nós vínhamos do trabalho. E o pior: a grana era curta pra nos abastecer tal qual o estômago solicitava, o que não acontecia com o pessoal da Engenharia, uns ricões e suas mostardas e catchups. Ao menos por essa razão econômica o imperialismo não obteve êxito na classe dos ?intelectuais?.?
Do Cláudio Fragata Lopes (editor da Recreio, em resposta ao Mafra) : Mafra, a lembrança do Jack in the Box não fica atrás… Eu tinha esquecido dele… Nem era um símbolo do imperialismo, era o PRÓPRIO imperialismo. Eu várias vezes, auxiliado pelo Armando, pensei em explodir o Jack. Mas eu adorava em segredo o taco mexicano que naquela época só vendia lá. Isso não deixava de dar um toque Emiliano Zapata àquela filial do Tio Sam.?
De Carlos Tramontina: ?Num primeiro momento não acreditei. Tudo isso? 25? Está errado… Não tinha erro não…a conta está certinha e, diante disso, a gente tem mais é que comemorar. Estarei lá, sim, com a maior alegria.?
Do Pyr Marcondes (colaborador do jornal Meio & Mensagem): Prezado???? Como assim, prezado, companheira???!!! Me senti um velho desconhecido. Muito francamente, prezado é o c…! Ou você me chama de colega ou não falo com ninguém. Aguardo sua retratação.?
Do mesmo Pyr Marcondes: ?Penso que todos se lembram de uma figura barbuda e irada, que subia os palanques com um discurso inflamado e mobilizador das massas, chamado Sergio Borgneth. Pois é. Falei com ele sobre nosso encontro e estou colocando-o do grupo.? (Sérgio Borgneth ocupa o litúrgico cargo de vice-presidente executivo da Editora Meio & Mensagem – aliás seu primeiro e único emprego desde que virou jornalista).
De Wagner Carelli, que hoje comanda sua própria editora, a W11: ?Estou orgulhosésimo de ser lembrado. Estou nessa. E um monte de abraços especiais em retorno à Mirian, cujo fato de ter sido minha colega também na Faap me era inteiramente desconhecido (e por que eu não iria querer aceitar os seus? Você me conta na festa). E o meu camarada (sou desse tempo) pamplônico, Hamilton Almeida, está nessa? Seria um prazer rever o parceiro. E o mais querido de todos os mestres, Rodolfo Konder? Lá estará, para nossa glória??
Vejam quanta emoção, neste texto de Beth Caló (hoje frilando): ?Sei que eu sou meio relapsa, não apareço pra tomar chope com vocês, mas é que continuo meio atrapalhada mesmo. Vocês me conhecem há quase 30 anos e já devem estar acostumados, né? A amiga meio complicada. Complicada mas cheia de amor por vocês, viu? Juro. Aliás, esse é um dos motivos porque estou escrevendo. Tô tão feliz com a nossa gloriosa vitória… Chorei, cantei, fui pra Paulista com a minha filha e, finalmente consegui respirar aliviada. As semanas que antecederam a votação, durante o segundo turno, achei que ia morrer. Ficava grudada na TV, morrendo de raiva do Moto Serra, e torcendo para o Lula não cometer nenhum erro. Era como se a minha mãe estivesse participando do show do milhão, sabe? De tão aflita que eu ficava. Mas, ainda bem, acabou.
Agora é Lula lá, Lula cá, Lula em nossos corações, cheios de esperança e de orgulho. Tô falando tudo isso porque lembrei muito de todos nós. Lamentei o fato de o Zé Coronado não estar mais com a gente. Lembrei do Julinho de Grammont, em 79, indo à minha casa para discutirmos como seria o tal partido. Lembrei do Genoíno, recém-saído da prisão, participando de um Congresso da Anistia Internacional. Eu estava gravidíssima da Júlia, e ele ficou encantado, passando a mão na minha barriga.
Lembrei de um primeiro de maio em São Bernardo, quando o Lula estava preso, e que mais parecia uma praça de guerra. Lembrei de metalúrgicos que escondi meses na minha casa porque estavam sendo procurados pela polícia. Tempos difíceis. Mas também tempos de coragem, de resistência, de luta, que hoje, finalmente, começam a ser recompensados. Quando lembro do olhar de felicidade das pessoas que encontrei na Paulista, me emociono.
Quando sinto no olhar e nas palavras de minhas filhas que elas têm orgulho da nossa história, tenho a certeza de que tudo valeu a pena. Nossa senhora, estou falando demais. Me desculpe. Acho que me entusiasmei e acabei escrevendo um desabafo. Mas, como dizem, amigo é pra essas coisas, não é? Então, finja que eu lhe escrevi só um bilhetinho, tá? Mil abraços e beijos pra você. O Guilherme também manda lembranças. Ah, sempre que puder mande o seu Jornalistas&Companhia, o semanário mais aguardado pelos companheiros da imprensa. Até a nossa festa (ou quem sabe, um chopinho de fim de tarde).?
Da mesma Beth Caló: ?Achei bacana também essa idéia de viver em bando. Eu tenho uma vontade danada de reunir meus amigos, guardar uma grana e comprar (em conjunto) um terreno enorme na praia. Aí faríamos uma espécie de condomínio pra terceira idade e, em vez de viver em asilos ou na casa de filhos, nos divertiríamos à beça — nadando, namorando, cuidando de plantas etc. A grande vantagem é que, além de tudo, economizaríamos com enfermeiras, motorista, segurança, geriatra… E ninguém ia encher nosso saco. Poderíamos fumar baseado, se quiséssemos, andar de moto, escutar muito rock, de vez em quando tomar um uisquinho (junto com o remédio pra pressão). Nossos netos, bisnetos, tenho certeza, iriam adorar.?
Ainda da Beth Caló, uma das mais animadas, reproduzindo o poema DESEJOS, de Carlos Drumond de Andrade:
?Desejo a você
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Filme de Carlitos
Chopp com amigos
Crônica de Rubem Braga
Viver sem inimigos
Filme antigo na tv
Ter uma pessoa especial
E que ele goste de você
Música de Tom com letra de Chico
Frango caipira em pensão do interior
Ouvir uma palavra amável
Ter uma surpresa agradável
Ver a banda passar
Noite de lua cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Não ter que ouvir a palavra não
Nem nunca, nem jamais e adeus
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho
Sarar de resfriado
Escrever um poema de amor
Que nunca será rasgado
Formar um par ideal
Tomar banho de cachoeira
Pegar um bronzeado legal
Aprender uma nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Pôr do sol na roça
Uma festa
Um violão
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Bater palmas de alegria
Uma tarde amena
Calçar um velho chinelo
Sentar numa velha poltrona
Tocar violão para alguém
Ouvir a chuva no telhado
Vinho branco
Bolero de Ravel
E muito carinho meu.?
Da minha própria lavra, arguindo Cláudio Fragata Lopes: ?O problema de ser como vinho, disse uma vez uma amiga, e eu nunca mais me esqueci, é que os bons ficam ainda melhores, os ruins viram vinagre. Em qual categoria estaríamos, meu caro??
Resposta do Cláudio: ?Não tenho a menor dúvida: estamos entre os bons que ficam melhores. Ficamos lado a lado com os bordeaux e borgonhas da vida. Mas é CLARO que estamos cercados de vinagre da pior espécie… Que fazer? Parece que foi sempre assim.?
Da Márcia Arruda, que seguiu outros caminhos profissionais, que não o jornalismo, e a quem não vemos há exatos 25 anos: ?Queridos amigos, é tao grande a saudade que sinto que nem os gigas e megas desta maquininha conseguiriam reproduzir. Estou muitíssimo feliz com a oportunidade de revê-los, louca de curiosidade pelas novidades de cada um e com uma vontade enorme de abraçar e beijar todos. Tenho algumas fotos da nossa época e vou levar pra gente recordar e também dar um pouco de risada.?
Ainda da Márcia Arruda: ?Daqueles bons tempos de pindaíba pura (meados de 75), lembro do estágio que arrumamos na remotíssima LTB. Ficava lá pros lados de Santo Amaro e o grupo que ?trabalhava? ali carregava todo santo dia uma marmita pro almoço. Não fazíamos absolutamente nada, a não ser jogar Stop a tarde toda e nos prepararmos pra caminhada noturna que ia da av. 9 de julho, de onde descíamos do busão, até a Faap. Que pernas boas tínhamos!! ?
Do grupo das meninas (se eu revelar o nome, certamente não sairia vivo da festa): ?aliás, meninas, temos que fazer uma reunião paralela para discutir o tom da noite – vamos de pretinho básico, de batinhas new hippie (pra lembrar os velhos tempos) ou alguma coisa em prata, para combinar com a comemoração…?
De outro grupo de meninas, comentando e-mail que um dos colegas enviou dizendo que elas estavam inteiraças: ?OLHA A ENCRENCA EM QUE ELE NOS METEU, CARA! Será que em 22 dias vamos conseguir fazer tudo o que precisa pra tornar o e-mail dele Verdadeiro????????????????? Acho melhor a gente fazer reserva em algum SPA na Suíça – é o único jeito… e olhe lá!?
Variações sobre o mesmo tema:
?Meninas, agora é que teremos de nos produzir mesmo!!!! Cabelo cortado, depilação completa, sobrancelhas, cremes anticelulite, unhas bem feitas, tudo aquilo em que os homens nem reparam, mas as mulheres não deixam escapar nem em pensamento. Ah, meninas, depois a gente vai ter de marcar um encontro para os comentários da festa…?
?Meu astral também foi lá em cima quando li seu e-mail. Agora é torcer para que os coleguinhas dêem um desconto do pouquinho do exagero. Pra não te prejudicar, a gente promete cuidar da produção. E como o encontro vai ser à noite, sempre dá para disfarçar um pouquinho.?
?Meninas, tive outra idéia. Ao invés de a gente se internar no SPA na suíça, nos próximos 22 dias, também tem a opção de mandarmos nossas filhas/sobrinhas à festa em nosso lugar… Ninguém vai notar a troca e a gente sai dessa honrosamente.?
De Mauro Cintra Zarif, dono de uma empresa de mala direta: ?Apesar da panelinha dos jornalistas ser evidente (o racinha unida, ponta de inveja), estou confirmando minha presença nos abraços regado a jantar.?
De Rose Delfino (editora da UMA, Editora Símbolo): ?E quem é que se lembra o dia em que o bem-comportadissímo (na época) Oscar Pillagalo perdeu a paciência e brigou com o Cotrim? Finalmente alguém descobriu o túnel que diziam existir entre a Faap e a Casa Rosada para contrabandos de arte surrealista??
De Gleise Santa Clara (diretora da Máquina da Notícia): ?Naquela época eu trabalhava e pagava minha faculdade. Meu pai me deu (não foi exatamente pago porque depois eu tive de pagar) um fusquinha 65 verde. Lembram, daqueles ainda de pára-choque antigo? Pois a turma dos contestadores politizados dizia que eu era burguesa porque tinha carro dado pelo meu pai. Acho que eu acreditei, porque me senti ofendidíssima. Depois, é claro, desencanei. Reencontrei vários dos amigos politizados (entre eles o saudoso José Coronado) e até rimos com essa história.?
De Armando Macedo (ex-Diário do Comércio e atualmente com clínica de massagem – das sérias): ?Muitos de nós, penso, éramos não só moralistas como rancorosos e, muitas vezes, como eu, movidos por frustrações pessoais. Dividíamos o mundo em retalhos e não tínhamos pudor em separar e classificar os colegas. Éramos jovens e ignorantes da vida, é claro, e os tempos eram pesados. Por isso, para mim, foi um sinal dos tempos, um bom sinal, essa história do ?Lulinha paz e amor?, da recente eleição. Ela mostrou que é possível ser de ?esquerda? sem ser moralista, sem ser o dono da verdade, e sobretudo que a luta política pode ter como base o amor e a generosidade.?
De Margarete Acosta Mendonça (que foi da turma posterior, de 1978, atualmente na assessoria de comunicação da Prefeitura de São Bernardo do Campo): ?Eu também entrei na Faap ?verdinha?, mas em meu grupo de trabalho, já no primeiro semestre do 1? ano, estava a Maria Del Carmén, na época casada com o jornalista Anthony de Christo, que foi preso junto com o Vlado. Rapidinho comecei a entender as coisas. Antes, porém, dei muita bandeira. Outra hora conto dos agentes do antigo Deops que ficavam dando plantão na casa da Carmen e dos que eram escalados para vigiar a liderança da greve dos metalúrgicos de São Bernardo, no final da década de 70. Eu já estava trabalhando no Diário do Grande ABC e, junto com o saudoso Julinho de Grammont, a Leila Reis, na época sua companheira, e a Alzira Rodrigues, levamos muito o Alemãozinho, Osmarzinho, Wagner Lino e o Lula prá cima e prá baixo em nossos fusquinhas driblando os policiais.?
Da Áurea Lopes (uma das colegas que foi para a equipe do jornal Brasil de Fato, a ser lançado no próximo ano e bancado pelos movimentos sociais do País) – e uma das melhores de todas: ?Era final de curso. Final de ano. Última prova do ano. Todo mundo queria acabar logo com a brincadeira e ficar livre, finalmente. Todo mundo menos a Eliana Stockler (que hoje é dona de uma próspera fábrica de chocolates, na cidade de São Carlos, no interior de São Paulo), que ainda não tinha chegado, dez minutos depois de ter começado a prova.
Desconfiando de que ela precisaria de um ?estímulo mais forte?, terminei minha redação em dois parágrafos e entreguei, decidida: – Paulo Ludmer (era o professor), estou indo buscar a Eliana (logo ali, na rua da Consolação, altura dos Jardins). Espere a gente chegar, por favor. Pelo resmungo que recebi como resposta, percebi que minha missão de resgate teria que ser extraordinariamente rápida.
O problema é que, lá fora, chovia a cântaros e eu estava a pé, sem grana para táxi. Subi as escadinhas do corredor de três em três degraus, imaginando por qual tipo de milagre deveria rezar, para resolver essa enrenca. E então eu, que naquela época acreditava em Deus, de repente vejo um anjo salvador assobiando na minha direção. Estava chegando o Fleury (Fleury Tavares de Lima David, hoje editor assistente da revista DBO), que trazia na mão a chave do seu possante jeep anos 60. Como ele também não parecia muito preocupado com essas questões burocráticas de notas e presença, não levei dez segundos pra convencê-lo a mergulhar de volta naquela banheira ambulante – dentro da qual chovia mais do que do lado de fora. Pra resumir, demos um puta pau até a casa da Eliana, colocamos ela dentro do jeep e voltamos num pau ainda maior.
Nem notamos que ela tinha vindo um pouco, digamos, contrariada. Isso só ficou claro quando ela pegou a folha da prova, timbrada com o brasão da Faap, e sintetizou numa única e brilhante frase tudo o que pensava a respeito da questão proposta pelo professor e a respeito de todas as questões em discussão no mundo, naquele momento: QUERO QUE VÃO TODOS À PQP !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Desse jeitinho, em letras garrafais, ocupando a página inteira, com exclamações e tudo (eu vi, juro). E não é, meus amigos, pasmem!… que o Ludmer queria reprová-la???!!!! Depois de todo o meu sacrifício e o do Fleury… Bem, o que ele fez com aquela prova, como se explicou para a diretoria, se rasgou e fez outra respondendo ele mesmo… isso eu nunca perguntei porque não me interesso por pequenos pecados. O fato é que estamos todos comemorando nesta lista, com nossos diplomas cheirando a mofo em alguma gaveta, e o jornalismo brasileiro vai muito bem, obrigada.?
A quem teve paciência – ou curiosidade de chegar ao fim – uma palavra de incentivo para que outros grupos se motivem a se reunir para comemorar datas significativas na vida de cada um. Vale à pena. Faz bem para a alma, para o espírito, para a mente. Mesmo os mais sisudos e ranzinzas nunca deixam de abrir um (ainda que tímido) sorriso para histórias bem contadas e que foram a sua própria história."