IMPRENSA REGIONAL
“Trajetória de Ciccillo passou por Ubatuba”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 16/01/04
“Ao certificar-se de que a Globo, na minissérie Um só coração, não mostraria nada sobre a marcante passagem de Francisco Matarazzo Sobrinho, o Ciccillo (personagem vivido por Edson Celulari), por Ubatuba, o pequeno mas atrevido Correio do Litoral – jornal com pouco mais de um ano de vida que circula, com 10 mil exemplares, no Litoral Norte de São Paulo (cidades de Ubatuba, Caraguatatuba, São Sebastião e Ilha Bela) -, não deixou por menos: criou sua própria minissérie para divulgar tanto nas páginas do jornal quanto em versão online. O nome, pegando carona na minissérie, é Um coração em Ubatuba, e os capítulos serão semanais.
O autor da travessura é Ivan Quadros, colega com origens no Vale do Paraíba, que andou por muitos anos na imprensa paulista (sobretudo na Rádio Bandeirantes), morou no Rio de Janeiro, e que agora desfruta do aprazível e bucólico ambiente do Litoral Norte paulista, acompanhando-o a partir de São Sebastião. Ivan é o editor responsável do Correio, cargo que assumiu a convite do diretor João Marcelo de Vincenzo, depois do bom trabalho feito na coluna Galeria, da qual era titular.
A minissérie vai mostrar, segundo informou a este Jornalistas&Cia – Cenários, um material rico em pesquisa e reportagem, até porque há ainda inúmeras reminiscências da passagem de Ciccilo por Ubatuba, cidade da qual foi prefeito nos anos 60. Quem ficar ligado só na Globo, portanto, jamais saberá que este ícone da elite brasileira, de família abastada, amassou barro um dia, como todo bom político.
A criação do Correio do Litoral foi, na avaliação de Ivan Quadros, um ato de coragem, já que fazer jornalismo de boa qualidade e imparcial em pequenas localidades brasileiras é sempre uma aventura, invariavelmente sem final feliz. Mais corajosa ainda, segundo ele, foi a atitude da direção da empresa de reformular o site (que anteriormente limitava-se a reproduzir a versão impressa), dotando-o de conteúdo próprio e diferenciado, coisa que vários dos grandes jornais do País ainda não fazem.
?Temos hoje 10 mil visitas dia, em média, e já chegamos a 13.900 de pico? – diz. O esforço é grande, como mostram alguns dos exemplos contados por Quadros: ?Recentemente cobrimos um evento em Marselha, na França, que tinha a prefeitura de São Sebastião como uma das participantes. Era um congresso de prefeituras do Mediterrâneo que abriu espaço para que nossa prefeitura apresentasse o plano de evacuação da comunidade em caso de acidente na Petrobrás, por ela desenvolvido. Pusemos muita informação na versão on-line, quase em tempo real, além de produzir um bom material jornalístico para a versão impressa. Além disso, ousamos um pouco mais, aproveitando a oportunidade para inaugurar o vídeo no site. Outro exemplo: nesta temporada, localizamos o ministro Furlan, que estava descansando em São Sebastião, e conseguimos com ele uma entrevista exclusiva, fato que provocou grande repercussão, inclusive em grandes jornais, caso da Folha de S.Paulo. Em breve, criaremos a primeira televisão do Litoral Norte, no site, com um jornal no começo da noite, apresentado ao vivo, com um resumo do dia.?
Futuro?
Parece não haver dúvidas de que mesmo um pequeno jornal de uma pequena localidade pode sobreviver, e com dignidade. No caso do Correio, a direção não só aposta nisto como também já está tomando as providências para fortalecer-se ainda mais: decidiu construir sede própria e montar sua própria gráfica, para não mais depender de São Paulo.
Que os bons ventos que refrescam e levam conforto às populações do Litoral Norte de São Paulo – uma das jóias mais preciosas desse magnífico litoral brasileiro – continuem a soprar para que muitas outras iniciativas dignas sejam construídas. Oxalá!”
CIÊNCIA & INTERNET
“Consciente Coletivo”, copyright Folha de S. Paulo, 18/01/04
“Indeciso sobre o assunto de seu livro (?Estava entre a ciência do cérebro e a história do urbanismo?), o escritor Steven Johnson ganhou um mesmo livro sobre mapas de cidades antigas de duas pessoas diferentes. A coincidência chamou ainda mais atenção quando se deparou com a imagem do mapa de Hamburgo, na Alemanha, em 1850, ?que parecia demais o cérebro humano?.
?Quando o vi, pensei instantaneamente: talvez deva fazer um livro que pudesse ser cidades e cérebros?, conta Johnson, explicando seu ?Emergência – A Dinâmica em Rede em Formigas, Cérebros, Cidades e Softwares?. ?Não estava certo de qual conexão era aquela, mas tinha uma forte sensação que havia algo muito rico nisso?, diz.
E como havia. Pelo segundo livro de Johnson, assistimos a pesquisadores de áreas tão diferentes quanto biologia, urbanismo, neurologia e eletrônica descobrindo, maravilhados, que sistemas complexos como formigueiros, cidades e o cérebro humano se auto-organizam sem que haja líder ou plano pré-definido. Em busca da ?ciência da auto-organização?, Johnson traça paralelos entre a história das cidades, o comportamento de fungos, a inteligência artificial, o mercado de seda em Florença, as colônias de formigas e o site Slashdot.org.
Ele descreve o fenômeno que batiza o livro, que observa pequenos indivíduos em atividades simples guiarem, inconscientemente, o comportamento macro de coletivos formados por esses seres, sejam formigas ou softwares de reconhecimento de padrão.
Assim, descobre que a natureza não trabalha com líderes e descreve o conflito entre a lógica vigente e a emergência como sendo o contraponto entre sistemas ?top-down? (de cima para baixo, em que todos obedecem a hierarquias) e ?bottom-up? (de baixo para cima).
Traçando paralelos e buscando novos padrões, Johnson passa por campos científicos novíssimos e completamente alienígenas para o leitor médio, como biomatemática, morfogênese e ciência da complexidade. Mas seu grande trunfo é mastigar esses bichos-de-sete-cabeças em uma linguagem agradável e texto fluido, citando pelo caminho referências pop, como o game ?The Sims? ou a história da computação.
Formado em semiótica e literatura inglesa, Johnson também é autor do livro ?A Cultura da Interface? e foi editor da festejada revista online sobre comportamento eletrônico ?Feed?, que encerrou suas atividades em 2001 e ameaça ?voltar à rede na forma de arquivo dia desses?.
Folha – O que é ?emergência??
Steve Johnson – ?Emergência? é o que acontece quando várias entidades independentes de baixo nível conseguem criar uma organização de alto nível sem ter estratégia ou autoridade centralizada. Você pode perceber esse comportamento em várias escalas: na forma como colônias de formigas lidam com o complexo gerenciamento de tarefas sem que haja uma única formiga no comando; na forma como bairros se formam sem um planejador urbano.
Folha – Essa conexão sutil entre vários níveis de organização já era algo de que você já suspeitava ou houve algum tipo de ?revelação??
Johnson -É uma história engraçada. Vinha tentando decidir sobre o que escrever em meu próximo livro e estava entre a ciência do cérebro e a história do urbanismo. Não conseguia decidir qual dos tópicos era mais interessante. Por coincidência, ganhei duas cópias de um livro maravilhoso, cheio de mapas de cidades antigas, uma do meu pai e outra de meu melhor amigo -e esse livro tinha um mapa de Hamburgo que parecia demais o cérebro humano. Quando o vi, pensei instantaneamente que devia fazer um livro que pudesse ser cidades e cérebros. Não estava certo de qual conexão era aquela, mas tinha uma forte sensação de que havia algo muito rico nisso.
Folha – Como nosso comportamento reage ao surgimento do pensamento coletivo consciente?
Johnson -Bem, nós gostamos de impor os velhos modelos centralizados a sistemas descentralizados -por ser um pouco mais confortável, acho. Por exemplo, uma das lições do 11 de Setembro foi a elasticidade essencial de sistemas descentralizados, como as cidades. Uma das coisas mais impressionantes foi que Manhattan levou um golpe inacreditável na região mais próxima de ser um centro e, a 20 quarteirões dali, a cidade funcionava perfeitamente, no próprio dia do ataque.
As pessoas observaram essa elasticidade e queriam explicá-la usando linguagem centralizada, por isso todos disseram como o prefeito tinha sido tão inspirador. Mas realmente inspiradora era a estrutura descentralizada de uma cidade grande -foi isso que tornou a recuperação possível.
Folha – Você lista Engels, Darwin, Adam Smith e Alan Turing como pensadores de uma ciência que não existia em seu tempo (a ciência da auto-organização). Poderia citar outros nomes mais recentes?
Johnson – Eu incluiria alguns teóricos de rede, como Steven Strogatz -autor de um novo livro, ?Sync?- e Duncan Watts, que escreveu ?Six Degrees: The Science of a Connected Age? (?Seis Graus: A Ciência da Era Conectada?). E as pessoas que, como Stuart Kauffman e John Holland, desenvolveram a teoria da complexidade nos anos 70 e 80.
Auto-organização envolve web e política
Folha – O ser humano está se tornando menos resistente ao novo?
Steve Johnson – Certamente, à medida que a média de aceleração tecnológica cresce, nós temos crescido mais dispostos a adotar novas formas -pense nos blogs, ninguém sabia o que eles eram há alguns anos e hoje há milhões deles. O efeito disso é que estamos nos tornando muito mais cientes dos efeitos colaterais psicológicos e sociais das novas tecnologias e novas formas de mídia. Se você viver toda a sua vida sob o domínio da TV, não notará como ela molda o mundo. Mas se mudar da televisão para a web e para sistemas de mensagens instantâneas, em dez anos começará a perceber como cada uma dessas mudanças tem seus efeitos secundários. Todos nós nos tornamos mcluhanitas hoje: não apenas porque nos lembramos do slogan ?o meio é a mensagem?, mas porque os meios mudam em velocidades cada vez mais rápidas, o que torna seu impacto mais visível.
Folha – Você cita os programas de computador como um dos inúmeros exemplos de organização ?bottom-up?. A internet e a computação pessoal já mudaram tudo?
Johnson – Estamos apenas começando a ver todos os efeitos. O desdobramento mais interessante nos EUA é a campanha altamente baseada na internet de Howard Dean, o principal concorrente do presidente Bush para a próxima eleição. Eles usaram um número de mecanismos descentralizados para criar uma organização do tipo ?enxame?. Tenho bastante orgulho disso, pois algumas de suas idéias foram aparentemente inspiradas pelo meu livro. É bom ter um pequeno papel em um movimento histórico tão interessante.
Folha – Por que a internet ainda não se auto-organizou? Ou seria a lógica P2P (ponto-a-ponto) o início dessa organização?
Johnson – A internet propriamente dita não é auto-organizável, mas as coisas construídas sobre a internet estão começando a apresentar um comportamento de auto-organização. A forma como a Amazon organiza seus livros, através da tecnologia de filtragem -quando oferecem aquelas listas ?pessoas que compraram este livro também compraram…?- é uma forma de classificação ?bottom-up?. São as novas ferramentas que procuram as formas como os blogs se linkam entre si ou os serviços que classificam manchetes, como o Technorati e o Blogdex, que decidem o que é importante ao observar os links individuais criados pelos blogueiros -que agem de forma muito mais parecida com um enxame do que a web.
Folha – Você acredita que a internet pode ajudar a nos organizar?
Johnson – Ela está começando a se tornar uma ferramenta poderosa para grupos e pessoas com a mesma mentalidade se reunirem. O que vemos agora com a campanha de Howard Dean, por aqui -novos tipos de grupos, novos tipos de vizinhanças se formando graças à rede. É muito animador.
Folha – A doutrina Bush é uma reação à consciência em rede?
Johnson – Diria que é uma reação natural ?contra? essa consciência. Exatamente no momento em que se torna claro que o mundo está interconectado por formas incrivelmente profundas, surge esse desejo de assumir a abordagem de superpoder patife, basicamente dizendo ao mundo: ?Ou vocês estão do nosso lado ou contra nós?. É deprimente. O terrorismo, contudo, é também um produto da era da emergência: grupos pequenos e espalhados com poder de fazer impérios poderosos de refém. Certa vez, ouvi o nosso secretário de Defesa, Donald Rumsfeld -que é um cara muito esperto, embora seja perigoso-, dizer que a guerra contra o terror era uma ?guerra não-linear? e que ele não tinha certeza se nossos cérebros ?lineares? poderiam entendê-la completamente. Foi um momento bem bizarro.
Folha – Qual o papel dos governos e países quando as pessoas desenvolverem redes pessoais e trabalharem em níveis comunitários?
Johnson – Creio que ainda há um papel para os líderes no mundo. A melhor mistura é uma combinação da lógica de baixo para cima (?bottom-up?) com a de cima para baixo (?top-down?). É o que há de genial na democracia. Todo mundo decide quem deve estar no comando. Se todo mundo estivesse decidindo tudo, você teria algo próximo de um verdadeiro estado anarquista -que seria interessante ver, mas que, suspeito, fracassaria no final.
EMERGÊNCIA: A DINÂMICA DE REDE EM FORMIGAS, CÉREBROS, CIDADES. De: Steve Johnson. Editora: Jorge Zahar. Quanto: R$ 38 (232 págs.).”
INTERNET NO BRASIL
“?Problema da internet não é o acesso, e sim como transformá-lo?”, copyright Folha de S. Paulo, 18/01/04
“Enquanto nos EUA a internet ajuda a construir a candidatura de Howard Dean, aqui, a comparação entre o gasto cada vez maior dos brasileiros com a rede em relação a despesas com alimentos indica o ?aspecto claudicante de nossa modernização, manifesto no desejo de ?superação?.
Essa é a opinião do sociólogo Laymert Garcia dos Santos, professor da Unicamp, ao comentar recente pesquisa de orçamento familiar da Fundação Getúlio Vargas, que mostrou que o brasileiro tem mais despesas hoje com provedor de internet e com assinatura de TV do que com arroz e feijão. ?Seria esse um indicador de que a população brasileira já está deixando o terreno das necessidades básicas e se elevando ao patamar da sociedade da informação no governo do Fome Zero? Não acredito; a comparação teria sentido se os gastos com informação fossem importantes em relação ao gasto com alimentação.?
Segundo a pesquisa, somados, arroz e feijão participam com 1,30% do orçamento familiar, enquanto os gastos com internet e TV por assinatura respondem por 1,49% do consumo.
Para o sociólogo, que acaba de lançar ?Politizar Novas Tecnologias? (ed. 34), o acesso à internet no Brasil é fundamental (segundo dados da ONU, o país é o 65? colocado entre os que tem maior acesso digital), mas deve-se alertar para o fato de que, se isso significar apenas mais uma opção de entretenimento, ?será como a disseminação da TV a cabo, mais do mesmo?. ?Quem acompanha a evolução das novas tecnologias sabe que o problema da internet não é mais o do acesso à informação, mas o da capacidade de transformá-la em conhecimento valioso.?
O sociólogo acha que os telejornais não têm refletido ?a complexidade do mundo contemporâneo? e ataca o arcaísmo da TV ao tratar da tecnologia. ?A visão triunfalística que a TV brasileira tem da tecnologia não corresponde ao pensamento que tem sido produzido sobre esta.?”