MÍDIA ESPORTIVA
Marinilda Carvalho
Antes de embarcar para Barcelona, o técnico da Seleção, Luiz Felipe Scolari, deu entrevista a todos os veículos de imprensa conhecidos. Menos à ESPN-Brasil (TVA/Net). Causa estranheza tal atitude de Felipão. Logo ele que, numa daquelas coletivas de convocação, interpelou o repórter da emissora Cícero Melo e declarou com todas as (poucas) letras: "Vocês, hein! Vocês lá… Vocês não me dão… Sou assinante, assisto, e vocês lá não me dão…" Bem, faltou a palavra, que Felipão é duro de falar. (Aliás, reconheçamos, a mídia escrita deve fazer das tripas coração para conseguir reproduzir com sentido as entrevistas do técnico, que deixa as frases quase sempre pelo meio).
Mas ele quis dizer algo como trégua ou colher de chá. A "homenagem" implícita foi tamanha que a ESPN do B fez uma gostosa brincadeira: usou a fala dele como chamada para a excelente mesa-redonda Linha de passe, na qual um grupo de seis jornalistas esportivos de nível comenta futebol e esportes em geral ? e, claro, mete o pau em Felipão.
Pensando bem, não causa estranheza, não. A mesa-redonda da ESPN-B critica com profundidade a convocação de jogadores segundo posição em campo e qualidade técnica, o esquema tático e até o preparo do técnico da Seleção, que considera pouco capacitado para a função. Sobre os dois primeiros itens veremos daqui a algumas madrugadas. Mas quanto ao terceiro… Felipão não deixa o programa mentir. Dá demonstrações cabais desse despreparo. Na tal coletiva chegou a implorar CDs promocionais a repórteres de rádio (a bem da verdade, um deles ofereceu um CD ao técnico, antes de fazer a pergunta que lhe cabia; os demais seguiram o exemplo). Diante das promessas de que receberia os discos, ele ironizou Romário: "Viu, chorar adianta." Essas coletivas registram momentos patéticos. Alguns jornalistas até chamam o técnico de "professor"! O telespectador fica temendo que o repórter, agradecido pela resposta, corra para abraçar Felipão.
O kit ou o desterro
Não que as demais mesas-redondas não critiquem o técnico. Mas são críticas na base do humor, como a do "Canhotinha de Ouro" Gerson, na CNT; do xingamento brincalhão, como Jorge Cajuru, da RedeTV!, ou do folclore. Destrinchar com seriedade o esquema tático (?) de Felipão, com todas as implicações do ponto de vista do adversário, só mesmo na mesa da ESPN Brasil.
E por isso Felipão não falou à ESPN Brasil. Ele quer elogios (ah, e CDs também, por favor!) e apoio incondicional, tipo "agora é hora de o Brasil dar as mãos". Só falta o "ame-o ou deixe-o". Este anseio por elogios está se generalizando ? e a maior parte da mídia vem atendendo, bem comportada, para não perder a fonte. Elogiar técnicos medíocres, jogadores comuns, pilotos ruins de roda virou prática até abusiva da imprensa.
Um episódio exemplar do equívoco que representa o excesso de elogios pôde ser visto na própria ESPN Brasil. A emissora praticamente endeusou o árbitro Carlos Eugênio Simon, que, pela excelência de seu trabalho, vai apitar jogos da Copa. Cobriu-o de elogios, fez um documentário primoroso sobre seu cotidiano e em 8/5, data do primeiro jogo da final da Copa do Brasil, entre Corinthians e Brasiliense, convidou-o a participar do programa SportCenter do meio-dia. Naquela noite, quando Simon deixou de marcar uma falta e um pênalti, prejudicando o time de Brasília, os profissionais da emissora relutaram em ver essas falhas. Afinal, depois de tanto louvor pegava mal cair de pau no cidadão. Assim, tirando os corintianos, acabaram sendo os únicos que não apontaram os erros com veemência, preferindo a posição de que os lances foram duvidosos.
A praga da glorificação não contamina só o futebol. A crescente cobertura de esportes ex-amadores, como basquete, vôlei, vôlei de praia, tênis, futebol de salão e até esportes radicais, exigiu a contratação de comentaristas "de campo". Ex-técnicos e ex-jogadores não têm coragem de criticar os colegas. Leve exceção para Fernandão, do Sportv, ex-atleta de vôlei que dá suas pauladinhas. O resto só derrama elogios. E o telespectador assiste revoltado a um monte de peladas, sem que o comentarista ouse criticar o desempenho do técnico e dos atletas. Também não aponta as falhas táticas, nem mostra o que precisa mudar. Por favor! Quem gosta de esportes não é um leigo completo, como quem acompanha novela! Quer ver os erros flagrantes comentados, e os bois devidamente batizados. É para isso que existe a mídia, um povo entendido, para fazer o meio-campo com o espectador.
Conclusão: caminhamos cada vez mais para uma imprensa esportiva tipo exaltação. É assim, ou não tem entrevista. Se doar uns CDs, uns kits, então, ganha até abraço.