Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Einstein, Borges, mídia e mordaça

JORNAIS & JORNALISTAS

Claudio Julio Tognolli (*)

Nunca comentadas, porque imiscuidas no meio de livros que tratam de tudo menos de mídia, estão as observações de dois gênios do século 20 sobre o jornalismo: o físico alemão Albert Einstein e o escritor argentino Jorge Luis Borges. De resto, nada otimistas.

Ambos tinham o pé atrás com repórteres. Embora os tratassem com chá e cordialidade, volta-e-meia imprecavam sua accidie contra a mídia. Einstein chegou a vindicar, a um jornalista, a equação da boca fechada. Aos 71 anos de idade, perguntado por um repórter da Reader?s Digest sobre qual seria a fórmula para o sucesso, Einstein respondeu: "Suponhamos que X representa trabalho, Y representa divertimento e A representa sucesso. Nesse caso, A é igual a X mais Y mais Z". O repórter volta à carga. "Mas o que é Z, dr. Einstein?". Ao que ele devolve: "Z significa manter a boca fechada". (in Brennan, Richard Heisenberg probably slept here, John Wiley & Sons Editors, New York, 1997, p. 55).

Mas a aula de Einstein sobre o que ele achava da mídia está em outro extrato, retirado de seus apontamentos para a obra Como Vejo o Mundo. A, digamos, aula que se segue está no subcapítulo "Os entrevistadores" (in Mein Weltbild, Europa Verlag, Zurick, 1953, p. 51):


"Se pedem publicamente a alguém que dê as razões de tudo quanto declarou, mesmo por brincadeira, num momento de capricho ou de despeito momentâneo, é em geral coisa desagradável, mas afinal de contas normal. Mas se publicamente vêm pedir-lhe uma justificativa daquilo que os outros disseram em nome do senhor, sem que pudesse proibi-lo, então sua situação seria aflitiva. ?Quem é este coitado??, poderão perguntar. Na verdade, qualquer homem cuja popularidade basta para justificar a visita dos entrevistadores! Podem não acreditar! Tenho tanta experiência sobre este assunto, que não hesito em referi-la.

Imaginem, uma bela manhã, um repórter lhe faz uma visita e pede amavelmente que dê a sua opinião sobre seu amigo N. A princípio o senhor sente alguma irritação diante desta pretensão. Mas bem depressa percebe que não há escapatória possível. Porque se recusar uma resposta equivalerá a ver publicado algo como "interroguei o homem que é tido pelo melhor amigo de N., mas ele recusou prudentemente". Desta atitude, o leitor tirará inevitáveis conclusões. Então, já que não há nenhuma escapatória, o senhor declara: "N. tem um caráter alegre, franco, estimado por todos os amigos. Sabe ver o lado bom de cada situação. Pode assumir responsabilidades e chega a realizá-las sem restrição de tempo. Sua profissão é sua paixão, mas ama a família e dá à esposa tudo quanto tem".

Isto significará: "N. não leva nada a sério. Possui o raro talento de se fazer amar por todos e se esforça para isto por um comportamento exuberante e amável. Mas é de tal forma escravo de sua profissão que não pode refletir sobre assuntos pessoais ou interessar-se por questões estranhas à sua pesquisa. Trata a esposa com excesso de cuidados, escravo abúlico de seus desejos".

Um verdadeiro profissional em reportagem diria tudo isto num estilo ainda mais incisivo. Mas para o senhor e seu amigo N., já é bastante. Porque no dia seguinte, N. lê isto no jornal e outras frases do mesmo gênero e sua cólera contra o senhor explode com fúria, apesar do caráter alegre e franco. A ofensa que lhe fizeram faz com que o senhor fique profundamente aborrecido porque gosta realmente de seu amigo.

Então?!O que fazer nessa situação? Se descobrir um método, eu lhe suplico, ensine-me para que eu possa aplicá-lo imediatamente."


Já a análise das Obras Completas de Jorge Luis Borges revela um desapreço universal ao jornalismo. "A imprensa, agora abolida, foi um dos piores males dos homens, já que tendia a multiplicar até a vertigem textos desnecessários" (in "Utopia de um homem que está cansado", O livro de Areia, 1975). Ou, por outra: "Não me envergonho de ter querido ser jornalista, rotina que agora me parece trivial. Lembro ter ouvido Fernández Irala, meu colega, dizer que o jornalista escreve para o esquecimento e que seu desejo seria escrever para a memória e para o tempo"( in "O Congresso", O Livro de Areia, 1975). Ainda, na mesma obra, Borges orna o conto "Avelino Arredondo" com o extrato "ávido leitor de jornais, custou-lhe renunciar a esses museus de minúcias efêmeras".

Teoria do Esfíncter

Eis dois gênios cujas obras e pensamento, libertários, os faculta a dizer o que bem entendem sobre a imprensa. Suas críticas à mídia vêm do espírito do livre-pensador ? ao contrário dos setores políticos da brasilidade que defendem a Lei da Mordaça, cujas índoles, em todas as esferas, são as da repressão e as da não-expressão do livre pensamento e investigação pública. É uma questão de tolerância. Ou como refere Umberto Eco em artigo no recente livro A Intolerância (Editora Bertrand Brasil): "Aprendemos a tolerância, pouco a pouco, como aprendemos a controlar o esfíncter".

(*) Repórter especial da Rádio Jovem Pan e professor das Fiam (SP) e da ECA-USP