Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Eleições 2000 registradas para a história

RECONTAGEM DA FLÓRIDA

Se as duas recontagens de votos na Flórida tivessem sido concluídas, de qualquer forma George W. Bush teria sido vitorioso no estado durante as eleições presidenciais dos EUA, ocorridas em 2000. A conclusão é de um estudo da comissão formada por The Washington Post, The New York Times, Associated Press, CNN, The Los Angeles Times, The Wall Street Journal e quatro jornais da Flórida: The Orlando Sentinel, The Palm Beach Post, The South Florida Sun-Sentinel e The St. Petersburg Times.

No entanto, se Al Gore, vice-presidente da gestão Clinton e candidato democrata derrotado por Bush, tivesse solicitado uma recontagem de todas as cédulas em cada canto e arredores do estado, o resultado seria diferente. Uma análise das cédulas eleitorais que não foram contadas na Flórida revela que haveria votos suficientes para dar a vitória a Gore.

A recontagem favorável a Gore leva em conta cédulas em que o eleitor marca o nome do candidato e também escreve. Essas cédulas, segundo reportagem de Dan Keating e Dan Balz [The Washington Post, 12/11/01], foram rejeitadas pelas máquinas por serem consideradas voto duplo e não constam entre as cédulas das duas recontagens.

O estudo do consórcio assinala o que já se mostrava evidente quando as urnas foram fechadas: ninguém pode dizer com certeza quem realmente venceu na Flórida. Por 36 dias após as eleições em 7 de novembro do ano passado, os resultados no estado permaneceram incertos, assim como o novo presidente dos EUA. A vitória foi dada a Bush quando a Suprema Corte americana, em veredicto de 5 contra 4, concordou com os advogados em que as contagens deveriam se encerrar. Desde então, muitos democratas têm acusado o tribunal de abortar injustamente o processo que poria seu candidato Al Gore na presidência do país.

Ari Fleischer, secretário de imprensa da Casa Branca, afirmou, em resposta ao estudo, que "os eleitores decidiram as eleições há um ano e a nação já superou isso há muito tempo; a Casa Branca e os eleitores não estão mais preocupados com isso". Fleischer disse que os resultados são "supérfluos". Gore, em declaração por escrito, não se referiu diretamente ao estudo. "Como disse em 13 de dezembro do ano passado, somos uma nação de leis e as eleições presidenciais de 2000 acabaram", disse.

Kirk Wolter, supervisor da recontagem pelo NORC, disse que o estudo publicado não oferece apenas uma revisão extensa de cédulas invalidadas na Flórida, mas também ajuda a apontar a direção dos sistemas mais precisos e confiáveis. Todos os dados do trabalho, de acordo com Ford Fessenden e John M. Broder [The New York Times, 12/11/01], estão disponíveis na internet em <www.norc.org>.

E a mídia com isso?

Conduzido pelo National Opinion Research Center (NORC), organização sediada na Universidade de Chicago, o estudo analisou todas as cédulas que foram inicialmente rejeitadas pelos computadores que fazem a leitura dos votos. Isso incluiu tanto os votos indiscerníveis, chamados de "undervotes", e os que registravam mais que um candidato, denominados "overvotes".

"Formamos o consórcio para obter uma resposta precisa e imparcial das cédulas invalidadas na Flórida para determinar como as pessoas do estado de fato votaram e por que o sistema de votação não funcionou melhor", disse Leonard Downie Jr., editor-executivo do Washington Post.

Vários problemas técnicos atrasaram o estudo, mas, de todos os contratempos, o mais forte foram os ataques aos EUA, em 11 de setembro. Com a mídia completamente voltada à cobertura dos ataques terroristas e à guerra subseqüente, não havia recursos e nem clima para falar sobre as eleições do ano passado.

Os jornalistas envolvidos na coleta e na divulgação de dados referentes às eleições acham que o estudo tem valor histórico. "É mais importante por razões históricas que pelo noticiário imediato", disse Alan Murray, chefe de reportagem da sucursal em Washington do Wall Street Journal, a Howard Kurtz [The Washington Post, 12/11/01]. Para Murray, o período pós-11 de setembro não dá margem à continuação da discussão acerca da legitimidade das eleições. "O assunto não existe mais", afirma.

Inevitavelmente, alguns jornais reduziram o complexo estudo a um simples "Bush vence" nas manchetes, embora Gore tenha se equiparado ao presidente republicano se se contasse os "undervotes" e "overvotes". "Não somos supervisores eleitorais", afirmou Dan Keating, editor de base de dados do Washington Post. "Não podemos decidir uma eleição. O processo acabou, mas daqui a cem anos o caso das cédulas da Flórida terá registro histórico."

É estranho ver diversas organizações midiáticas outrora rivais unidas num mesmo projeto. O motivo mais óbvio, de acordo com Kurtz, são os altos custos do estudo. A pesquisa que durou 10 meses custou 900 mil dólares.

Embargo à publicação

Houve muitas manobras nos bastidores quanto aos termos de publicação do resultado do estudo. Veículos que costumam dar shows de vazamento de informações tentaram impedir que seu próprio estudo vazasse. As revistas semanais Time e Newsweek, por exemplo, tiveram de engolir o combinado entre membros do consórcio: ninguém poderia ser entrevistado sobre os resultados até a tarde de domingo ? tarde demais para revistas com deadline aos sábado à noite.

Sob o esquema apelidado de "Plano 4-5-10", repórteres poderiam dar entrevistas a partir das 4h da tarde. Uma hora mais tarde, a Associated Press poderia enviar a notícia aos clientes, mas com aviso para embargar a publicação até 10h da noite, quando a CNN poderia transmitir sua reportagem e os jornais poderiam disponibilizar a notícia em seus sítios na internet.

Quem venceu foi Gore

"Possivelmente por razão de ?patriotismo? nestes tempos de crise, as organizações noticiosas que financiaram o estudo estruturaram suas reportagens sobre o assunto de forma a indicar que Bush foi o vencedor legítimo", afirma Robert Perry [Consortium News.com, 12/11/01]. Revoltado, o articulista liberal cita como exemplo a manchete do Washington Post de 12 de novembro: "Recontagem na Flórida favorece Bush".

Perry também critica de forma aguda o artigo de Kurtz acima citado, dizendo que o crítico de mídia do Post "foi ainda mais longe, com artigo intitulado ?George W. Bush, agora mais do que nunca?, em ridicularizar os que acham que Gore ganhou as eleições, chamando-os de ?teóricos da conspiração?".

Para Perry, o julgamento da elite midiática diz, em outras palavras, que Bush venceu e que os democratas devem se conformar. No entanto, um quadro na página 10 do Post afirma que "revisão completa favorece Gore". Um infográfico do Times revela o mesmo.

Anteriormente, estudos menos abrangentes das cédulas feitos pelo Miami Herald e pelo USA Today revelaram que Bush e Gore empataram em quatro categorias, dependendo do padrão aplicado para analisar as cédulas. O novo estudo, mais completo, revelou que Gore venceu independentemente do padrão adotado, de acordo com Perry.

"Os veículos de comunicação optaram pelo lado pró-Bush, concentrando-se em duas recontagens parciais que foram propostas no ambiente caótico e lamentável de novembro e dezembro de 2000", afirmou Perry em seu artigo.

O articulista disse que o resultado do estudo não foi o hipoteticamente ideal para as organizações noticiosas, as quais pareciam evitar perguntas sobre patriotismo. "Na cobertura sobre os últimos números da recontagem, a imprensa também se mostrou desdenhosa ao princípio fundamental da democracia: de que líderes obtêm poder a partir do consentimento dos governados, não de truques legalistas, intimidação física e manobras de relações públicas". É esse conceito, diz Perry, que falta à abordagem que a mídia fez do caso.

Presumivelmente, o povo americano foi levado a aceitar que tudo ocorreu da forma certa. Segundo Perry, qualquer um que ouse contrariar é um "teórico conspiratório" ou um "simpatizante de Gore".