CASO SONINHA
"Soninha: verdade e hipocrisia", copyright Folha de S. Paulo, 23/11/01
"A primeira reação de muita gente foi quase matemática: a apresentadora de um programa de TV para jovens não pode sair por aí defendendo publicamente o uso de uma droga proibida por lei. A TV Cultura, portanto, estava coberta de razão ao demitir a Soninha.
Se a vida fosse tão fácil, seria uma beleza. Pena que não seja. Soninha não é só uma profissional. É também uma cidadã, uma pessoa com vida privada e idéias próprias. Ela não usou o espaço de TV nenhuma para assumir o que faz e pensa. Usou legitimamente o seu espaço individual em uma entrevista à revista ?Época?.
Soninha também não fez a apologia da maconha. Como, aliás, não é o que se pretende aqui. Ela apenas admitiu que, como milhões de pessoas, fuma de vez em quando. Foi ponderada e honesta ao defender a descriminalização da maconha, que repete a história do divórcio. Era um escândalo. Hoje, a maioria nem sabe que era proibido.
As pessoas públicas têm uma responsabilidade enorme nessas difíceis questões de comportamento. Além de não induzirem os jovens ao consumo, têm que ter coragem de remar contra a maré e a hipocrisia.
Foi o que a Soninha fez. Não virou ídolo de coisa nenhuma ao ser demitida, mas transformou-se sem querer em marco numa discussão que oscila entre hipocrisia e realidade, preconceito e seriedade, uma legislação obsoleta e sua revisão.
A entrevista, a demissão, a reação dos meros mortais, usuários ou não, tudo isso tem caráter pedagógico. Certamente deputados e senadores estão atentos. Cabe a eles reformar leis que confundem usuários eventuais com viciados e até traficantes. E, nesses casos, eles costumam decidir ?ouvindo? a opinião pública.
Mais do que sábios, doutores, professores e promotores, quem deixou a melhor reflexão, a mais machadiana, para os deputados e senadores foi o músico Otto, 33, no UOL: ?O adolescente está precisando muito mais de verdade do que de preconceito?. O mundo também."
"Caso Soninha", copyright Folha de S. Paulo, 24/11/01
"?Queremos expressar nosso repúdio à demissão da apresentadora Sonia Francine, a Soninha, dos quadros da TV Cultura. Consideramos extremamente deseducador punir uma profissional (e, no seu caso, uma boa profissional) por ela se manifestar com sinceridade, sutileza e coragem a respeito de um assunto cabeludo como esse (as drogas). Lúcia Leal Ferreira, seguem-se mais sete assinaturas (São Paulo, SP)
?Faço parte da maioria de brasileiros que não fuma maconha. Sou casado, 50 anos, três filhos adolescentes. À minoria que fuma maconha e, principalmente, aos que defendem o seu consumo, gostaria de deixar a seguinte reflexão: se o consumo de drogas continuar crescendo no ritmo atual, em breve vocês serão a maioria, e não mais os ?rebeldes? enfrentando os ?caretas?. Terão o poder e a responsabilidade. Espero que esse mundo defendido por vocês não se transforme numa grande arapuca, principalmente para os nossos jovens.? Paulo Giantomaso (São Paulo, SP)
?O médico Drauzio Varella, no livro ?Estação Carandiru?, escreve: ?Acabei convencido de que a nicotina é a substância que mais dependência química provoca?. Lembrando-me disso, concluo que é muita hipocrisia demitir Soninha da TV Cultura quando ela levanta o debate sobre o uso da maconha.? Rogerio Belda (São Paulo, SP)
?Todos aqueles que lidam com o viciados em drogas sabem muito bem do mal que a maconha causa não só ao usuário como a toda a sua família. Está provado que o uso da maconha é o primeiro degrau para a escalada mortal das drogas. A legislação é ultrapassada em alguns pontos, sim, mas deve ser mais rigorosa com o uso e o tráfico de drogas, o grande mal que assola a nossa sociedade.? Antônio Carlos Pereira (Batatais, SP)
?Já tive a oportunidade de participar do programa comandado pela Soninha. Considero-o de altíssimo nível e de forte cunho educativo. O fato de a apresentadora ter declarado, em entrevista, fumar maconha em nada altera esse caráter. Em vez de demitir Soninha, a TV Cultura, por seu traço democrático e educativo, deveria promover o debate. A demissão é uma medida drástica, que, espero, possa ser revista.? Paulo Teixeira, secretário municipal da Habitação (São Paulo, SP)
Dia 22/11 – ?Acompanho o trabalho de Soninha há vários anos e sempre admirei seu agudo senso de responsabilidade. Além de profissional das mais competentes, Soninha é cidadã profundamente comprometida com a justiça social, mãe dedicada e amiga generosa. Se fosse minha filha, eu estaria orgulhosa de sua coragem, honestidade e solidariedade.? Maria Victoria de Mesquita Benevides, professora titular da Universidade de São Paulo (São Paulo, SP)"
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"Demissão deverá render processo na Câmara", copyright Folha de S. Paulo, 21/11/01
"O deputado federal Fernando Gabeira (PT-RJ) disse que irá abrir um processo interno na Câmara para pedir explicações à Cultura sobre a decisão de demitir Soninha. ?Uma emissora que se intitula Cultura deveria ser um espaço de tolerância e debate, e nunca agir de forma preconceituosa. É uma TV pública e deve uma explicação à sociedade.?
?Demitir um funcionário ao descobrir que ele usa droga seria a atitude menos indicada a uma empresa. Se considera que a apresentadora tem um problema, deve oferecer a chance de continuar sendo produtiva e não afastá-la, jogá-la na marginalidade.?
A TV Cultura, por meio de sua assessoria, afirmou não ter sido informada do processo e por isso não irá comentar o assunto.
Marcelo Tas, apresentador do ?Vitrine?, da TV Cultura, também discorda da decisão da emissora. ?Não acredito que a Soninha mereça essa punição?, diz.
Ele diz, no entanto, que a discussão mais importante nesse episódio é a maneira como a ?Época? usou a imagem e as declarações de Soninha. ?A revista deturpou as palavras da Soninha, transformando uma declaração em slogan publicitário.?
Ele acredita que a ?Época? não poderia usar a foto da apresentadora em outdoor sem consultá-la. ?E o título ?Eu fumo maconha? fora do contexto pode causar um estrago. A revista forçou a barra e a Soninha não deveria deixar barato?, diz Tas, que pensa em debater o assunto no ?Vitrine?.
Para o diretor de TV André Vaisman, a apresentadora foi ingênua ao participar da reportagem. ?Fiquei chocado com a atitude da Cultura, mas acho que a Soninha foi muito ingênua em ter topado aparecer com o destaque que ela teve na ?Época?. O que ela falou, claro, não tem nada de mais. Mas ela ficou muito exposta, virou o mote da matéria.?
Ele acha que a Cultura errou. ?Foi hipocrisia da Cultura demiti-la. A menina está sendo massacrada, é inadmissível que a emissora tenha tomado uma decisão tão arbitrária?, diz."