Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Eliane Cantanhêde

ENTREVISTAS DO PRESIDENTE

"Apareceu a margarida", copyright Folha de S. Paulo, 19/8/03

"Lula deu quatro entrevistas exclusivas desde a eleição do ano passado: três para a TV Globo, uma para a revista ?Veja?. Se fosse FHC, o que os petistas não diriam?!

Até aqui Lula falou pelos cotovelos em solenidades e viagens. Lê discursos escritos sem a menor graça e faz improvisos cheios de graça. Tanta que o ?Casseta e Planeta?, da mesma Globo, dedica-lhe um quadro sobre as ?metáforas do presidente?.

Agora, Lula abre mais uma etapa, com essas entrevistas exclusivas e uma conversa com jornalistas de política, amanhã, no Planalto. É bom.

De duas, uma: ou o presidente quer aproveitar a onda da aprovação da reforma da Previdência pela Câmara em primeiro turno, com cobrança de inativo e tudo, ou ele está sendo movido por pesquisas qualitativas. Aquelas que, mais do que números, expõem conteúdos. Indicam o que as pessoas estão ou não gostando.

O fato é que notinhas daqui e dali e a própria edição da ?Veja? informam: Duda lá! Ou seja, Duda anda pelos palácios, e não só para tomar cafezinho nem bater papo na ante-sala do presidente. O supermarqueteiro está lá lendo as quális (apelido das pesquisas qualitativas), detectando recados de sua excelência, o povo, e transportando o que apreendeu para o presidente. O que Duda vê hoje, Lula responde amanhã.

Das entrevistas recentes, fica um Lula excessivamente preocupado em mostrar como está feliz, adorando a rotina e os prazeres da Presidência. Ao contrário das versões maliciosas de que ele detesta tudo isso.

Fica ainda um Lula chefe, administrativo, que interrompe a fala para buscar a pasta tal, cobrar o ministro qual. Ao contrário da crítica de que nunca administrou nada, não tem experiência nem jeito para a coisa.

Política é arte. Teatro, por exemplo. Não se pode culpar o presidente por ser político, fazer uma arte ou outra e desempenhar o personagem que ele tem que desempenhar: o das quális. Isto aqui, portanto, é apenas uma implicância de jornalista. Ou uma advertência modesta: não ligue para o conteúdo, analise a forma."

 

"Haja Duda Mendonça", copyright Folha de S. Paulo, 16/08/03

"O Luiz Inácio Lula da Silva que apareceu anteontem à noite na minha TV parecia de plástico.

É típico, aliás, dos trabalhos de Duda Mendonça. Convém, antes de entrar no assunto propriamente dito, deixar claro que nada tenho contra Duda ou os marqueteiros políticos em geral. Sei que muita gente séria e do bem reclama deles, como se conspurcassem as campanhas políticas.

Talvez até tenham razão, mas campanhas políticas jamais foram puras desde que inventaram as eleições, que, não obstante, continuam sendo o melhor meio (ou o menos ruim) de escolher dirigentes.

Meu problema com o Duda (e com outros marqueteiros) é que ele se revela de uma qualidade fenomenal na hora de vender o candidato, qualquer que seja. Mas nem seu imenso talento publicitário lhe dá forças para vender também o governante, a menos, é claro, que este tenha muita coisa a mostrar.

Não é o caso, ainda, do governo Lula, cuja única obra, a rigor, foi continuar a obra do governo anterior, o que é sempre mais fácil. Mas, como foi eleito em nome da ?mudança?, não tem um produto de sua própria lavra para exibir.

Do que decorre, fatalmente, o artificialismo da aparição na rede nacional de TV. Despejou uma catarata de platitudes e, ainda por cima, queixou-se dos que ?ainda reclamam?, mesmo depois de sete meses de sucessos estrondosos, que, no entanto, só aparecem na mensagem de Duda Mendonça.

Não quero estragar o prazer que Lula sente em relatar seus triunfos, mas, só como ajuda-memória, alguns títulos das edições de ontem e de anteontem desta Folha que explicam as reclamações: ?IBGE mostra que indústria desacelera em todo o país?; ?SP registra pior junho desde 1999?; ?Queda da produção diminui a arrecadação de impostos?; ?Aumenta pessimismo do brasileiro?; ?Calote do cheque sem fundos registra novo recorde anual?; ?Venda no comércio atinge 7 meses de queda?.

Sinto, presidente, mas não há Duda Mendonça que dê jeito nisso."