"Notas de um internauta", copyright mailzine Cardosonline <www.cardosonline.com.br>, 25/8/00
"Como colunista de um mailzine, pensei um dia desses em fazer uma pesquisa com os leitores: que sites vocês lêem (ou escutam, ou assistem) regularmente na web? Meu objetivo seria descobrir se outras pessoas têm a mesma sensação que eu: no meio das milhões de páginas publicadas diariamente na internet, há pouquíssimo conteúdo original e de qualidade. Por que será que às vezes eu me conecto com a simples intenção de ler alguma coisa, e fico meia hora navegando sem encontrar um único texto interessante?
Como todo novo meio, a internet traz possibilidades novas, que decididamente não têm sido bem exploradas. O que eu entendo como novas possibilidades, nesse caso, é o hipertexto e a facilidade/rapidez da publicação e autopublicação. No que diz respeito ao hipertexto – ou seja, o conceito de link nos documentos, que permite não-linearidade de leitura e participação do leitor na construção do texto – tenho a sensação de que, até agora, foi um recurso desperdiçado. Em geral, experiências com hipertexto resultam em textos vazios, confusos, de interatividade simplória ou simplesmente má qualidade literária. Desde as reuniões caóticas de fragmentos, que obrigam o leitor a navegar de forma aleatória em vez de interativa, até os horrendos esforços de construção de narrativas coletivas, o hipertexto parece um brinquedo com o qual ainda não se decidiu exatamente o que fazer.
Quanto às novas possibilidades de publicação, também, considero o resultado frustrante. Publicar na web é não apenas barato e ágil, mas sobretudo permite que o autor corrija e modifique o texto a qualquer momento, não importa que já tenha sido publicado e divulgado. Sem falar na grande interação que existe entre autor e leitor. Comentários e debates estão sempre acessíveis através de um e-mail, de uma mensagem instantânea de ICQ, ou através de uma réplica que pode ser publicada em minutos, se desejado.
No entanto, é difícil achar conteúdo de qualidade e regularidade na web. Os grandes portais de conteúdo como UOL, Terra, IG e Starmedia são meros agregadores de dezenas de sites supérfluos, que tratam do óbvio, reproduzem texto de agências de notícia e são adeptos do estilo telegráfico de informação. Há um consenso por aí de que a informação e o texto na internet devem ser curtos e sucintos, porque o internauta é uma criatura impaciente que passeia por dezenas de sites e não se presta a ler algo que tome mais do que 3 minutos de seu precioso tempo de acesso.
Na minha opinião, isso é uma estupidez, e só reflete a inépcia de editores, redatores e quaisquer outros autores de conteúdo na web. Se o internauta vaga por dezenas de sites lendo 3 ou 4 linhas de cada não é por sua própria vontade, e sim porque o conteúdo é malfeito. A não ser que eu seja uma aberração e meu sentimento de desalento enquanto leitor na web seja um caso isolado, o internauta está sedento por conteúdo de qualidade, por textos mais profundos, por artigos mais longos e elaborados, por resenhas mais minuciosas e sinceras, notícias mais completas, nem que para isso seja necessário sacrificar um pouquinho da rapidez do ciclo de informações.
Claro, há uma questão econômica nessa história: informação fragmentada e superficial gera um número maior de páginas com menos conteúdo, e isso se traduz em mais page views num determinado site. A solução encontrada pelos portais, então, é distribuir tópicos de apelo popularesco em centenas de páginas de conteúdo reduzido. Se cada página tem um banner de publicidade, a receita aumenta.
Por outro lado, acredito que não há nada melhor para fidelizar um leitor (e também um internauta) do que conteúdo de qualidade, e fidelidade dos leitores também gera page views.
É por isso que nunca me presto a navegar pelo colossal e inútil Universo Online, mas pelo menos uma vez por dia visito o site da Salon.com, e fico nele pelo menos meia hora. Lá tem conteúdo de qualidade, atualizado diariamente. O UOL é uma grande coleção de precárias versões online de revistas impressas e sites extremamente superficiais sobre assuntos variados. Ainda que contenha versões online de jornais (parte deles com acesso restrito a assinantes), o que me descontenta mais é a falta de conteúdo original. A web não pode ser um mero espelho embaçado de publicações impressas. A Salon.com, por sua vez, é uma publicação completa que traz artigos e resenhas sobre música, cinema, quadrinhos, livros, além de notícias, análise política e outros tópicos mais específicos. Não há versão impressa, é tudo feito no formato online.
No Brasil, essa situação toda é especialmente vexaminosa. Aqui, mega-agregadores de conteúdo como UOL e Terra emplacaram de vez, com seu comodismo monumental, enquanto eventuais sites de conteúdo original e elaborado ficam soterrados embaixo deles, hospedados em servidores gratuitos. Nos EUA, a coisa é um pouco diferente. Os portais são essencialmente agregadores de serviços (busca, e-mail, newscasting etc), e existe um número enorme de sites independentes, com domínio próprio registrado, gerenciando sua própria publicidade e produzindo conteúdo com volume e qualidade bem mais animadores do que acontece aqui no Brasil.
No meio disso tudo eu vejo uma das razões do sucesso do Cardosonline. Trata-se de um mailzine (fanzine distribuído exclusivamente por e-mail, para uma lista de assinantes) sobre cultura alternativa, que em menos de dois anos de existência atraiu uma lista de quase 2.800 assinantes fixos. Independente da qualidade do que é publicado no zine, o fato é que estamos produzindo conteúdo original num volume elevado. É um tipo de texto definido, num formato determinado, distribuído gratuitamente e com regularidade, e quem se interessar pela proposta vai ter uma boa leitura duas vezes por semana. O formato de mailzine, nesse contexto, é muito vantajoso, e essa é talvez uma das coisas da web que foram mais bem exploradas: o e-mail como canal de publicação.
Há muito mais vitalidade nas centenas de webzines independentes e sites de diários online do que nas ‘publicações’ da rede, os sites que mimetizam o tradicional formato ‘revista’. O que eu gostaria de ver é essa vitalidade e espontaneidade dos zines e diários transportada para os sites maiores.
A possibilidade de auto-publicação é uma coisa fantástica, propiciando espaço e campo de experiência tanto para a literatura quando para os conteúdos informativos e os relatos confessionais, mas por outro lado gera um outro problema: no oceano de pequenos zines e sites independentes há muita porcaria, e filtrar isso para a leitura individual é uma tarefa complicada. Alguns tecnólogos já chegaram a profetizar o fim do papel do editor na nova era da informação, uma vez que todos poderão se autopublicar, argumento do qual só posso discordar completamente. A figura do editor nunca foi tão necessária quanto nesse novo cenário da internet, ainda que sua função mude um pouco de natureza: o novo editor é aquele sujeito que filtra o conteúdo, agrega textos num conjunto pertinente e oferece isso aos internautas numa apresentação adequada. Nesse sentido, é interessante conferir o dmoz, ou Open Directory Project <http://dmoz.org>, catálogo de páginas no modelo do Yahoo, onde as categorias de sites são editadas por internautas voluntários, mantendo a seleção coerente e reduzida.
Se me perguntarem por que comecei a pensar nisso ou, melhor, por que estou escrevendo sobre isso, creio que a melhor resposta é dizer que estou envolvido demais com a internet. São 3 anos editando um site de literatura, 2 anos escrevendo colunas num fanzine online, mais uns 2 anos colaborando esporadicamente com outros webzines e, finalmente, o fato de que estou trabalhando na redação do agora megaportal Terra Networks, como produtor de sites. Passo 9 horas por dia na frente da internet, pelo menos, o que me leva a refletir um pouco a respeito. E minha sensação é de potencial desperdiçado.
Descartando as versões online de publicações impressas de qualidade já notória, por que são tão raros os sites de competência editorial de um Cardoso Online, um Salon.com, ou do Nerve.com – que reúne ensaios fotográficos, artigos, ficção, poesia e outras coisas em torno de um tema exclusivo, o sexo? E é curioso notar como os sites sobre música têm se destacado no meio de tantos outros assuntos no que diz respeito à qualidade. Zines de música como Pitchfork, Pandomag, London Burning, Ink Blot e Dot Music são repletos de matérias originais, entrevistas, resenhas legais e, não raro, como no caso do Pitchfork, oferecem textos tão bem escritos e extrovertidos que adquirem qualidade literária.
O que não pode acontecer é confundir facilidade de publicação e grande volume de informação com desleixo, subestimando o internauta e publicando sites vazios. Acho que se está desperdiçando ainda um grande potencial oferecido pela internet para a produção de divulgação da arte e da cultura, um desperdício como aconteceu com a televisão, por exemplo. Mesmo que quem dite as regras em qualquer meio de comunicação seja em primeiro lugar a viabilidade econômica, talvez não seja idealismo demais acreditar que há demanda suficiente no mundo para coisas bem escritas, e conteúdo de qualidade. O poder econômico é o que define os produtos culturais orientados à massa e seria ingenuidade querer que toda a web estivesse engajada na busca da qualidade editorial. Mas acho que nunca houve momento mais propício para investir na qualidade de conteúdo como aglomerador de audiência do que agora, na internet.
No mais, tenho lido, escutado ou visitado regularmente os seguintes sites, a maioria já citados no texto acima:
Salon – <http://www.salon.com/>
Nerve – <http://www.nerve.com/> (em breve com versão em português!)
Bold Type – <http://www.randomhouse.com/boldtype/>
Pitchfork – <http://www.pitchforkmedia.com>
London Burning – <http://website.lineone.net/~london.burning/adianto.html>
Cinemascópio – <http://www.cinemascopio.com.br>
E, além disso, um grande número de diários e zines independentes, que muitas vezes oferecem textos criativos, inventivos e de qualidade literária. É preciso fazer uma filtragem cuidadosa, mas o resultado pode ser gratificante. Algumas dicas:
TXTmagaxine <http://www.txtmagazine.com), quasiacordado <http://quasiacordado.cjb.net/>, putaria <http://putariazine.cjb.net>, Folha Mutante <http://www.geocities.com/SoHo/8382/>, Cardosonline <http://www.cardosonline.com.br>, Não <http://www.nao-til.com.br>."
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