Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Elisabete Vilar

ECOS DA GUERRA

“Media? dos EUA Ignoram Soldados Feridos no Iraque”, copyright Público (www.publico.pt), 3/11/03

“Quando, há dias, os jornais norte-americanos publicaram notícias sobre as pobres condições de vida e saúde em que se encontram os soldados daquele país feridos no Iraque, os factos poderão ter chocado alguns leitores. É que, durante meses, a imprensa dos Estados Unidos raramente mencionou a existência de feridos ou a severidade do seu estado, limitando-se a reportar baixas.

Aliás, de acordo com o ?site? Eitor&Publisher, enquanto as mortes em combate foram amplamente divulgadas nos jornais, as numerosas mortes que não resultaram de confrontos entre tropas foram virtulamente ignoradas.

O debate sobre a questão está a subir de tom nos Estados Unidos, com alguns peritos a atribuir a timidez dos ?media? a pressões da administração Bush.

Desde a guerra do Vietname, a imagem de cadáveres de soldados norte-americanos nos campos de batalha ou de caixões cobertos com a bandeira estrelada assombra a opinião pública daquele país.

Ora, a barreira psicológica dos 100 militares mortos – desde o anúncio do fim das operações militares de maior envergadura pelo Presidente George W. Bush, a 1 de Maio – já foi ultrapassada há mais de uma semana, segundo a AFP, e este número não inclui os mortos não resultantes de combates, como acidentes na estrada e suicídos.

?Poderá haver alguma falta de atenção [ao número de militares feridos]?, admitiu ao Editor&Publisher Philip Benner, assistente do editor de Internacional do ?Washington Post?. ?E, obviamente, se isso é verdade deve ser corrigido. Os ferimentos de soldados são uma realidade do conflito no terreno.?

Mas a leitura da situação diverge conforme as orientações políticas. Os conservadores consideram que os ?media? demonstram uma obsessão mórbida por estas estatísticas, defendendo que o assunto deveria ser ainda mais evitado. Na outra ponta do espectro político, os peritos de esquerda afirmam que a administração Bush pressiona a TV e a imprensa para que não se detenham sobre o tema.

?É uma velha divergência, que assenta no mito de que os Estados Unidos perderam a guerra do Vietname devido a uma cobertura mediática demasiado negativa?, explicou à AFP Mark Miller, professor de ?media? na Universidade de Nova Iorque.

O certo é que os balanços relativos a mortos e feridos foram permanecendo na penumbra. ?No início, a cobertura mediática dos acontecimento era mais personalizada?, recordou à agência francesa Christopher Simpson, professor de comunicação na Universidade de Washington. ?Víamos as fotos, tínhamos os nomes. Mas com a acumulação de mortos, a cobertura tornou-se mais anónima e despersonalizada.?

Se os mortos têm estado afastados da ribalta, os feridos, esses, não são sequer mencionados em muitos ?balanços? da guerra. À excepção do caso Jessica Lynch, uma jovem soldada capturada pelos iraquianos e cuja libertação, em plena guerra, foi fortemente mediatizada, os feridos desta intervenção bélica ainda não foram objecto de qualquer artigo de fundo no seu país de origem, e mesmo o seu número exacto é alvo de especulação.

E, por isso, muitos norte-americanos desconhecem que, por exemplo, grande parte dos veteranos feridos no Iraque, em ?tratamento? em locais como Fort Stewart, na Geórgia, têm de esperar semanas ou meses por ajuda médica apropriada e são mantidos em condições inaceitáveis para soldados doentes e aleijados – dados apenas disponíveis após uma investigação da United Press Internacional.

Lawrence F. Kaplan escreveu a propósito, no ?The New Republic?, que ?a quase invisibilidade dos feridos tem várias fontes. Os ?media? sempre consideraram as mortes em combate como a mais credível medida dos progressos militares no terreno, enquanto as autoridades têm mostrado relutância em revelar o número total de feridos?.

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“O Efeito Psicológico dos Cadáveres”, copyright Público (www.publico.pt), 3/11/03

“Recentemente, o jornal nova-iorquino ?Newsday? publicou as fotografias e um breve perfil de cinco militares mortos na guerra contra o Iraque. A acompanhá-los, o comentário: ?Pessoas anónimas morrem na obscuridade. Os jornalistas não sentem necessidade de escrever sobre elas. Apenas os rapazes que estavam perto deles sabem de que eram feitos estes mortos.?

A cobertura deste aspecto da guerra não ficou facilitada com a interdição de recolha de quaisquer imagens sobre o transporte de restos mortais de soldados. A visão de caixões envoltos na bandeira norte-americana é tida como exercendo um enorme impacto na opinião pública nacional, e durante dez anos fotógrafos e equipas de TV estiveram proibidos de aceder à base aérea de Dover, onde são depositados os restos mortais de GI?s mortos em combates no exterior. Esta interdição foi renovada em Março, nas vésperas da invasão do Iraque.

?Esconder estes aspectos trágicos é uma resposta perturbadora às inquietações da opinião pública face à guerra?, dizia um editorial do ?USA Today? da semana passada. Um apoio público a uma intervenção de longo prazo ?assenta na honestidade das informações?, acrescentava o diário.

Todavia, a verdade é que a transmissão da morte de 18 soldados norte-americanos na Somália em 1993 provocou violentos protestos da opinião pública, levando à retirada imediata de Washington.

Quanto ao Iraque, a opinião pública parece já estar dividida. Segundo uma sondagem recente do jornal ?Washington Post? em parceria com a cadeia de televisão ABC, 55 por cento dos norte-americanos consideram ?inaceitável? o balanço dos mortos naquele país do Médio Oriente.

Isto apesar de muitos títulos darem pouca visibilidade ou simplesmente escamotearem os números de mortos e feridos – tirando referências a incidentes específicos – mesmo agora que, como lembra o ?site? Editor&Publisher, o Pentágono tem libertado mais informação sobre o assunto. E no entanto a média de ataques da resistência iraquiana às tropas norte-americanas, que era de 15 a 20 por dia, aumentou para entre 20 e 25 por dia, tendo atingido picos de 35 num só dia. Segundo a United Press International, perto de quatro mil soldados foram retirados do Iraque por razões médicas não relacionadas com os combates.”

 

“O LANÇAMENTO: Livro de Carlos Fino Conta ?A Guerra em Directo?”, copyright Público (www.publico.pt), 3/11/03

“As experiências de Carlos Fino como correspondente de guerra no Afeganistão, no Médio Oriente e no Iraque deram origem ao livro ?A Guerra em Directo?, que é lançado hoje em Lisboa. O repórter da RTP, com uma carreira de 30 anos no jornalismo, descreve as condições de trabalho nos vários teatros de guerra, mostra-nos aspectos da vida local que dificilmente caberiam nos directos informativos que o puseram no imaginário nacional e reflecte sobre as limitações da informação servida ao grande público.

No prefácio do livro – editado pela Verbo na colecção Media Hoje, dirigida por Dinis de Abreu -, o general Loureiro dos Santos dá-nos a traços largos os elementos para compreender genericamente os conflitos que foram os palcos do trabalho de Fino e realça alguns dos aspectos do livro que mais lhe chamaram a atenção, como ?os limites da informação televisiva que o próprio Carlos Fino aponta e sobre os quais reflecte nas páginas que escreve?.

Mas o que em primeiro lugar impressionou Loureiro dos Santos foi a reflexão de Carlos Fino ?sobre as referências que se encontram por detrás da formação da maior parte, senão de todos os jornalistas que constituem ?a tribo? da informação que se desloca de guerra em guerra – essencialmente os mesmos livros, revistas, jornais, grandes estações de TV, etc., que dão como resultado um enquadramento muito semelhante das abordagens que fazem aos factos que observam? (pág. 20).

Sobre e guerra no Afeganistão, Fino conta que, ?em termos pessoais e profissionais, esta guerra ficou marcada por vários paradoxos, estimulando uma reflexão sobre as condicionantes, o alcance e os limites da informação, tal como hoje é praticada? (pág. 86).

Já no final do capítulo acerca da sua experiência mais recente, a cobertura da invasão anglo-americana do Iraque, na Primavera, o jornalista interroga(-se) com veemência: ?Quem tem razão – os que persistem em ver o jornalismo como um ?quarto poder?, actuando em nome da sociedade e capaz de falar em nome de todos, guiando-se pelos princípios da objectividade e da imparcialidade, ou aqueles que apontam para a crescente funcionalização ou mesmo proletarização dos jornalistas, meras peças de uma máquina que os ultrapassa e compelidos, pela velocidade mesma do directo, do ?tempo real?, a ?alimentar o sistema? de forma acrítica?? (pág. 227).

O lançamento do livro, às 18h no hotel Sheraton de Lisboa, contará com a presença de Marcelo Rebelo de Sousa, que fará a sua apresentação.”

 

PORTUGAL

“As Minhas Novelas”, copyright Público (www.publico.pt), 3/11/03

“A minha ?novela judiciária? chamava-se ?Philly? e, esta sim, era uma autêntica novela de tribunais. Passou na RTP2. Acabou. Só por egoísmo a deixei chegar ao fim para a mencionar nesta coluna. Guardei-a para usufruto pessoal, longe do olhar crítico. Nos alvores da crítica enquanto disciplina, um tal Jean de la Bruyère escreveu em 1688 que ?o prazer da crítica tira-nos o de ser vivamente tocados? pelas obras que se criticam. A análise racional rouba ao crítico a aproximação emocional no acto de observar. Não critiquei ?Philly? para poder ser ?vivamente tocado? pela série.

?Philly? centrava-se numa advogada, defensora dos acusados pelo Estado nos tribunais de Filadélfia. Na constelação de personagens rodeando Kathleen estavam o seu novo sócio, jovem advogado brilhante mas oportunista, o ex-marido ambicioso, os advogados do ministério público, juizes (o velho ligeiramente venal, a profissional que pousa o cãozinho na mesa da sala de audiências, o ?super-homem? que se apaixona por Kathleen) e uma plêiade de arguidos e testemunhas povoando cada episódio.

O ritmo rápido compensava a repetição constante de cenários e o esquematismo dos episódios, construídos em torno de dois ou três casos, um cómico, os outros dramáticos, desenvolvidos em montagem paralela. As ?perseguições? das câmaras às personagens nos corredores dos tribunais e a eficácia dos diálogos forneciam ritmo e movimento, tão vitais para a TV em ambiente concorrencial.

O carácter de cada personagem construía-se através da acção e dos diálogos rápidos e perfeitos. A forma como os personagens secundários conseguiam criar segmentos extremamente dramáticos em meia dúzia de minutos indicava o profissionalismo a que chegaram os argumentistas de topo nos EUA (a série era criada e produzida por Steven Bochco, autor de Hill Street Blues, LA Law e NYPD Blues).

Todavia, era um folhetim. Não havia mais a esperar da estrutura de tele-série, em que os momentos de pausa, quando a acção é substituída por imagens musicadas de Filadélfia, do edifício da câmara e tribunais, correspondem à mudança de capítulo da ficção escrita ou à mudança de cena no palco.

Este género de série novelesca assemelha-se à ?sitcom? por evoluir lentamente na repetição das mesmas estruturas narrativas e manter quase idêntica a situação das personagens principais. Só as suas acções evoluem intensa e rapidamente, para logo serem substituídas por outras. Mas eu não queria criticar esta novela.

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Regresso à novela dos comentadores de TV para estabelecer a diferença crucial entre uns, como Pacheco Pereira, Rebelo de Sousa, Sousa Tavares, Constança Cunha e Sá e Peres Metelo, e, de outro lado, Santana Lopes e Manuel Carrilho.

Considero a forma como a SIC apresenta a prestação de Santana e de Carrilho uma desonestidade jornalística que deveria ser condenada pelos notáveis da deontologia da profissão, se se preocupassem com coisas sérias, e pela Alta-Autoridade, se ela existisse. Esta crítica não a dirijo a Santana e a Carrilho, embora colaborem na fraude.

Quer um quer outro são políticos no activo que ambicionam subir mais ainda. Carrilho quer chegar à liderança do PS e Santana, que lançou o isco presidencial para ficar na ribalta, pretende colocar-se a jeito para ser o sucessor de Durão Barroso, ambição que não poderia assumir publicamente. Com a sua putativa candidatura presidencial, esvazia a oposição à sua futura candidatura a líder do PSD.

São duas personagens sem autonomia crítica. O que dizem serve as suas ambições políticas e não o directo esclarecimento autêntico, mesmo quando parecem independentes dos seus partidos.

Pior ainda, ambos são chamados semanalmente a falar da sua própria actividade político-partidária e a ?comentá-la?. Rodrigo Guedes de Carvalho faz-lhes entrevistas. Porque essa é a verdadeira natureza das prestações de Santana e Carrilho: eles são entrevistados todas as semanas em horário nobre. São os únicos políticos entrevistados semanalmente, enquanto políticos em actividade, num dos programas mais vistos da TV – e até são pagos para isso.

Estas circunstâncias criam um tremendo desequilíbrio entre estes dois políticos e os outros protagonistas políticos, desequilíbrio que deveria ser eliminado, mesmo num canal privado. Tratando-se de entrevistas e não de comentários independentes, teria mais sentido a SIC entrevistar semanalmente os dirigentes dos partidos, em especial Durão Barroso e Ferro Rodrigues, do que candidatos aos lugares que eles ocupam. O que a SIC está a fazer é política, a promoção de dois futuros opositores de Durão e Ferro.

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Continuando na novela dos comentadores, falemos da condenação de Pacheco e Marcelo à nomeação do meu amigo Fernando Lima para a direcção do ?Diário de Notícias?. Pacheco, deputado do PSD, e Marcelo, com funções partidárias e ex-presidente do PSD, são hoje comentadores. Dentro das suas convicções, são essencialmente independentes na crítica que fazem. Mas, ao assumirem que não está bem a nomeação de Fernando Lima por ter sido assessor, qualquer deles está a pôr em causa a sua própria posição de protagonistas nos ?media?. Se Lima foi assessor e não pode dirigir um jornal com argumentação de falta de independência, porque podem eles, que são políticos hoje, ser comentadores, o mesmo que é um director de jornal? O comentário de ambos foi complexado e tem o efeito boomerang. Cai-lhes em cima.

O comentário não toma em conta condições concretas, o que não é aceitável. Nem Pacheco nem Marcelo nem nenhuma outra pessoa que se pronunciou sobre o assunto, como Ana Sá Lopes no PÚBLICO, nunca ninguém referiu ou se escandalizou com o facto de o actual director adjunto do ?DN?, António Ribeiro Ferreira, ter sido assessor num anterior governo. E não referiram que António José Teixeira, que passa para a direcção do ?JN?, foi também assessor. Etc, etc.

Os políticos precisam de assessores de imprensa e os jornalistas estão entre os mais capacitados para o serem. Noutros países, os assessores podem prosseguir carreiras fora do jornalismo depois de saírem dos gabinetes políticos. Em Portugal, têm de voltar jornalismo, quase sempre.

Não vejo problema neste regresso à profissão. Professores, economistas e altos funcionários que passam pelo Governo também voltam às carreiras depois de servirem funções políticas. O que define as pessoas é o seu carácter e, em consequência dele, os seus actos. Um jornalista sério dará um assessor sério e regressará como jornalista sério à profissão. E vice-versa. Isto é valido para qualquer pessoa e profissão. Uma pessoa séria e de carácter só pode exercer as suas funções com hombridade e seriedade.

Há jornalistas que regressam à profissão e escrevem como assessores. Mas a maior parte reintegra-se na profissão, sabe distinguir os papéis. O mesmo sucede com os comentadores. Além de Marcelo e Pacheco, também Peres Metelo passou pelos gabinetes políticos. Isso não diminui a qualidade do seu comentário na TVI. Apenas aumenta a sua responsabilidade.”