O FUTURO DO NEGÓCIO
Luciano Martins Costa (*)
As empresas brasileiras de comunicação estão atreladas aos setores mais maduros da indústria. Essa frase, ouvida recentemente de um consultor do setor de tecnologia da informação, soa como um epitáfio apropriado para um modelo de negócio que insiste em se relacionar com o que há de mais conservador, no amplo espectro de alternativas que a economia tem a oferecer.
Até mesmo o tão sonhado socorro do governo, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, está comprometido por essa escolha equivocada: o ministro Luiz Gushiken, titular da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, faz coro com o presidente do BNDES, Carlos Lessa, ao afirmar que o dinheiro do banco de fomento vai para empresas que cumpram os deveres da boa gestão, as leis trabalhistas e suas obrigações tributárias. Também precisam estar comprometidas com conteúdos de qualidade, de origem nacional, com potencial para gerar emprego e cultivar uma imagem rica do país no exterior.
Estão fora desse contexto emissoras de TV que vivem de novelas mexicanas e aquelas que alugam horários extensos de sua programação para campanhas de empresários vinculados à máfia dos bingos. Também estão fora desse modelo editoras de jornais e revistas que acumulam débitos escandalosos com a Previdência Social, que se apropriam do dinheiro destinado ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e se beneficiam de trabalho não-remunerado, ao se negar insistentemente a realizar a obrigação primária de compensar o trabalho com o salário contratado.
Outro editor
O ano se encerra com alguns grandes nomes da imprensa anunciando resultados mais alentadores. O Jornal da Tarde roda em azul, o Estado de S.Paulo declara cumpridas as metas de enxugamento, o Valor Econômico se vangloria de haver repetido em 2003 o faturamento de 2002, mas com um lucro líquido superior, em função da velha tática da redução de custos baseada essencialmente na sangria da folha de pagamentos.
Por trás desse espetáculo rangem os dentes centenas de desempregados, assombram-se outras centenas de profissionais tangidos a uma relação precária que lhes tira tanto a dignidade quanto a segurança, condições sem as quais não há hipótese de se produzir bom jornalismo. O modelo mais bem-sucedido, portanto, parece ser também a antecâmara da morte para o negócio de mídia.
A frase do consultor citado acima se encaixa na cena como o epitáfio desse modelo, porque define a percepção de que a mídia se torna progressivamente irrelevante para os setores que são tidos como os propulsores da economia deste novo século. Da mesma fonte, pode-se reproduzir a percepção de que "as empresas de comunicação perderam a oportunidade de cumprir um papel central no desenvolvimento das novas tecnologias". Isso quer dizer que a mídia está sendo apropriada por empresas de outros setores, como as provedoras de serviços de telefonia, a indústria de software e as fornecedoras de serviços de TI.
Um exemplo, entre tantos já citados neste Observatório em outras ocasiões: a T-Mobile International, extensão de telefonia móvel da Deutsche Telekom, acaba de se lançar como a primeira a oferecer transmissão de sinais de TV por telefone celular. Seus 25,6 milhões de assinantes já podem se habilitar a receber a programação da rede N-TV pelo celular. Como a principal demanda deverá se originar do mercado corporativo, segundo as pesquisas da T-Mobile, as emissoras de TV "genéricas" têm pouco espaço nessa nova onda, ao contrário dos serviços oferecidos pelas agências de noticiário econômico e até mesmo pelas empresas de setores distantes do núcleo de mídia, como consultorias financeiras, corretoras, bancos etc. O serviço tem potencial incalculável de crescimento com o advento da terceira geração de telefonia celular, que deve se consolidar num prazo de dois a quatro anos.
Outra frente tecnológica que se fecha, deixando de fora a maioria das empresas de mídia, é o setor de comunicação sem fio. Segundo pesquisa da empresa Radicati Group, dos Estados Unidos, citada pela revista BtoB, as chamadas redes wi-fi devem crescer, até 2007 ? portanto, em apenas quatro anos ?, 1.350%, saltando dos atuais 42 milhões para 609 milhões de usuários em todo o mundo. O serviço, que amplia a mobilidade dos internautas sem afetar a qualidade das transmissões, cresce exponencialmente na Europa e se consolida nos Estados Unidos, onde se concentram 47% dos usuários. No Brasil, segundo o consultor citado, espera-se um crescimento no uso de redes sem fio nos próximos dois anos, principalmente em função da redução de custos que deverá se seguir à instalação de pontos de emissão em hotéis, aeroportos e shopping centers. Jornais, revistas, emissoras de rádio e TV? Estão fora. São empresas que apenas podem entrar como coadjuvantes na oferta de conteúdo, cuja seleção será feita pelo contratante ? ou seja, o cliente vai se apropriar da edição.
O valor da credibilidade
Depois de cometer alguns equívocos estratégicos no nascedouro da internet, quando se endividaram até os ossos para obter uma participação mínima na receita dos negócios online, as empresas de mídia chegaram atrasadas no processo de convergência de veículos, que se consolida nos telefones celulares e computadores de mão. Deixaram que as provedoras de telecomunicações abocanhassem as melhores oportunidades, no fornecimento de acesso e conteúdo para o ambiente corporativo, e se conformaram com ganhos marginais em cima do velho modelo dos anúncios classificados.
Mas o pior sintoma dessa realidade que encurta as chances de inovação no setor é o fato de que, entre os executivos que restaram na direção das empresas de comunicação, poucos têm se mantido atualizados em relação aos avanços da tecnologia, e já não há praticamente quadros habilitados para conduzir negociações nesse novo cenário.
Se o BNDES levar em conta o potencial de recuperação do setor com base nas projeções de ganhos com as anunciadas novidades no uso de TI, o montante de recursos para o programa de salvação da imprensa poderá ser menor do que se espera. Para alguns analistas, o cenário pode ser revertido se as empresas de comunicação souberem aproveitar a oportunidade que deverá se abrir no início de 2004, com o previsto aquecimento da economia, para estabelecer parcerias com setores de vanguarda da economia, como a nova indústria situada na convergência da tecnologia da informação com o setor de serviços.
Nossa melhor moeda continua sendo a credibilidade e a capacidade de oferecer uma percepção confiável da realidade.
(*) Jornalista