Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Em busca dos lucros perdidos

IMPRENSA BRITÂNICA

Beatriz Singer

[Sobre matéria "Fading", da revista The Economist, edição de 8/3/03]

É estranho. A imprensa britânica é representada por 11 títulos nacionais, conta com amplo leitorado, considera-se de alto nível e despreza outros jornais europeus como os alemães e, mais recentemente, o Le Monde, principal diário francês e vítima de acusações de cunho político.

A notícia que a revista britânica The Economist trouxe na edição de 8/3 não é nada animadora. Sob título "Fading" (em português a tradução seria algo como "se esvaindo"), a reportagem mostra como a indústria jornalística do país se encontra num poço de parede escorregadia. A situação aparente é ruim, mas a situação real é bem pior.

É preciso reconhecer a coragem da Economist, já que, ao falar da decadência da imprensa britânica, havia um quê de metalinguagem ? e nenhum veículo gosta de assumir crises, vide o esforço que as empresas brasileiras fazem para esconder demissões, atrasos de pagamento e alianças suspeitas com empresas de outro setor. A Pearson, uma das donas da Economist, declarou que seu carro-chefe, o prestigioso Financial Times, tivera vertiginosa queda nos lucros na segunda metade de 2002. A receita líquida do ano passado foi de 1,6 milhão de dólares, uma queda de 92% em relação a 2001.

Os jornais britânicos de Rupert Murdoch seguiram a mesma linha decadente. O Sun, o Times e o Sunday Times tiveram baixa de 37% no último trimestre de 2002, comparado ao mesmo período de 2001. O título que saiu mais baratinado dessa históoacute;ria (na verdade não saiu; como os outros, ainda está) foi o Sun, cujos lucros foram baixíssimos devido à guerra de preços travada com o concorrente Mirror.

Em todo o país, jornalistas estão sendo demitidos, salários estão atrasados, gastos estão congelados e esquemas de pensão sofrem uma rigorosa dieta. A imprensa britânica entrou em "modo-econômico" para sobreviver.

As razões do perrengue

Quais, porém, seriam as razões para tamanho tombo se o leitorado continua relativamente grande? As respostas são várias e devem ser somadas:

** Anúncios. Sempre eles. Impossível desatrelar uma crise na imprensa da retirada de capital publicitário. Após grande fartura e glória em 2000, quando a indústria deu um salto de 12%, caiu 2% em 2001 e mais 3% em 2002.

Logicamente não se trata de uma unanimidade no setor. Publicações ou cadernos voltados a moda, por exemplo, continuam abarrotados de anúncios. Outros assuntos não têm empolgado anunciantes. É o caso de tecnologia, telecomunicações e finanças ? e é por isso que os lucros advindos de anúncios no Financial Times tiveram queda de 23% em 2002, após baixa de 21% no ano anterior.

** Além da questão publicitária, a imprensa britânica foi assolada por um problema pouco usual no país: diminuição no número de leitores. Apesar de o número absoluto continuar alto, a circulação dos três principais jornais nacionais caiu na segunda metade de 2002, em relação ao mesmo período de 2001. Até o Daily Mail, favorito da Inglaterra central, apresentou queda no leitorado pela primeira vez em 10 anos.

Por trás das cortinas

Até agora, este texto falou do drama óbvio que a imprensa britânica não consegue esconder. Há, ainda, outro ato da tragédia que não é exibido ao público e preocupa muito mais. Como prova a Economist, o que parece ruim pode ficar pior. Uma análise alentada de estatísticas e índices ao longo das últimas décadas escancara essa triste realidade.

** O leitorado nacional, de forma geral, caiu em um quinto desde 1990, de acordo com a National Readership Survey (NRS).

** Seguindo a tendência, anunciantes têm migrado cada vez mais para outras mídias. A fatia de investimentos destinada à mídia impressa era de 21% em 1985 e encolheu para 19% em 2001. No mesmo período, outras mídias, como rádio, ampliaram suas fatias no total de anúncios na mídia.

** Agora vem a pior notícia para a indústria editorial. Os leitores jovens escassearam abruptamente. De 1990 para cá, o número de leitores com menos de 24 anos encolheu em mais de um terço, enquanto o leitorado de mais de 65 anos caiu apenas 6%. O Daily Telegraph é o jornal que abastece mais cabeças grisalhas, com 29% de seu público acima de 65 anos. Outros jornais também apresentam crescimento rápido da fatia mais velha de leitores. É o caso do Independent, do Times e do Mirror.

Os jovens recorrem à internet, à TV ou às rádios quando querem obter notícias. Os ouvintes de rádio, por exemplo, cresceram nos últimos anos devido à proliferação de estações independentes e do trânsito. Além disso, nos 50% de lares ingleses conectados à internet, as notícias online superaram as impressas em preferência.

A indústria simplesmente não soube lidar com uma geração sem lealdade a determinado título, sem o hábito de dividir a atenção matinal entre o desjejum e o jornal do dia.

** Quando notou que os jovens britânicos lêem jornal desde que não tenha muitas notícias, Richard Desmond, dono da Express Newspapers, resolveu cair na graça do povo e reinventou esse triste fim de mercado ? para desespero dos concorrentes. Segundo a reportagem da Economist, demitiu cerca de um terço da equipe editorial seis meses após comprar o grupo Express. Sem o alto custo da produção e reunião de notícias, Desmond investiu pesadamente em "notícias" de celebridades. Resultado: seus tablóides diários Express e Star foram dois dos três únicos jornais (o outro foi o Sun) a fluir na contramão das estatísticas. O Star, por exemplo, deu um salto de 17% na circulação no segundo semestre de 2002.

Os novos leitores

O item 3 merece tópico exclusivo para reflexão. Não dá mais para ignorar que o público jovem que lia jornal há 30 ou 40 anos em muito difere dos jovens de hoje. A juventude cresceu conectada à internet e acostumada à leitura no computador, enquanto desempenha outras tarefas simultaneamente. É raro ver um jovem dedicando parte de seu dia única e exclusivamente a ler jornal.

Logicamente, esta é uma realidade além das terras britânicas. Uma pesquisa realizada pela MTV Networks e reproduzida no Observatório da Imprensa informa que os jovens americanos vêem um abismo entre o tipo de notícias que gostam de ler e as que acham que os jornais oferecem. A pesquisa foi realizada em maio do ano passado e revelou que os jovens preferem obter informações pela internet ou pela TV. Para eles, os jornais enfatizam política e dão pouca importância a música. E o problema não é falta de interesse: 57% acham que jornais são importantes, mas apenas 38% lêem algum freqüentemente.

No Brasil não é diferente. De acordo com Pedro Celso Campos, professor de Jornalismo Comunitário da Unesp e colaborador deste Observatório, em todos os congressos aqui realizados desde o surgimento da internet, em 1995, estudos indicam que os jovens preferem a internet para se manterem informados. "A pesquisa Datafolha divulgada no 3? Congresso de Jornais, no Rio, mostrou que 80% dos consumidores de notícias via internet têm menos de 40 anos de idade e 33% não passam dos 24 anos", disse o professor em artigo publicado no OI em 31/10/01. "Enquanto isso, 43% dos leitores de jornais de papel têm mais de 41 anos. Em média, são mais velhos que a população brasileira."

Mas por que, afinal, o público jovem prefere a internet ao bom e velho papel? A resposta dada pelo professor Pedro Celso é a mesma fornecida pelo Datafolha:


"Talvez porque 33% dos que se converteram ao jornalismo virtual e mesmo 30% dos que não largam o papel de cada dia acham que na internet o noticiário é mais confiável. Ao mesmo tempo, 77% dos internautas e 68% dos leitores de jornais afirmam, na pesquisa, que encontram mais rapidamente na internet as notícias que procuram.

Também a variedade de assuntos é maior na rede, segundo 77% dos entrevistados. E 58% dos leitores de jornais concordam com eles. E quem pensa que é nos jornais de papel que o receptor consegue se aprofundar mais nos assuntos está totalmente enganado: 62% dos internautas acham que o hipertexto da internet é mais completo que as colunas do jornal. Aliás, 54% dos leitores de jornais concordam que a internet tem mais conteúdo, dando mais informação em menos tempo. Na verdade os leitores dos jornais de papel reclamam ? conforme 57% dos entrevistados ? que a mídia impressa dá espaço demais à economia e à política" [no pé do texto, link para o artigo completo].


Além disso, a nova geração não foi disciplinada a aguardar pela edição do dia seguinte. Para que esperar se a notícia está disponível quase instantaneamente ao próprio acontecimento? Não só as notícias vão ao ar em velocidade impensável até cinco anos atrás, como a linguagem do jornalismo online é mais ligeira e menos rococó; muitos textos são produzidos justa e propositadamente por jovens.

Pedro Celso Campos cita Brent Baker, reitor da Universidade de Comunicação de Boston, que diz que os 40 milhões de jovens americanos consumidores de notícias passarão a vida inteira usando a internet para ler notícias. "Esta é a primeira geração que não precisa de nós. Eles não lêem jornais (de papel)", disse Brent. As reclamações dos jovens em relação aos jornais parecem infindáveis ? vão da tinta que mancha as mãos e dos papéis difíceis de manipular ao tempo gasto para "navegar" num jornal impresso.

Ricardo Noblat, no segundo tópico do capítulo 1 de A arte de fazer um jornal diário (Editora Contexto, 2002), reproduzido neste Observatório [veja link no fim do texto], diz parecer que firmaram uma "santa aliança para acabar com os jornais". "Os donos porque administram mal as empresas; os jornalistas porque insistem com um modelo de jornal que desagrada às pessoas."

Noblat acredita que há muito a ser feito para ressuscitar o jornal impresso. "Os leitores acham que o cardápio de assuntos dos jornais está mais de acordo com o gosto dos jornalistas do que com o gosto deles. E que a visão que os jornalistas têm da vida é muito distante da visão que eles têm". E conclui: "É o conteúdo que vende jornal. Somente uma mudança radical de conteúdo, aqui e em qualquer outro lugar, será capaz de prolongar a lenta agonia dos jornais."

Sem varinha de condão

Não há poção mágica que dê uma solução, imediata ou de longo prazo, à ruína para a qual caminha a indústria de imprensa britânica. Há tentativas que podem derrapar em erros de percurso. The Economist oferece três alternativas. Todas elas arriscadas e questionáveis, com inevitáveis perdas e danos. De qualquer forma, tudo o que é arriscado também corre o risco de dar certo.

Em primeiro lugar, as publicações podem oferecer preços mais competitivos. A estratégia, no entanto, periga diminuir o próprio lucro, um dos problemas que a indústria está enfrentando.

A segunda solução é espinhosa. Consiste em mudar de posição no mercado. Cada vez mais jornais tentam se equilibrar sobre a linha tênue que separa o conteúdo de jornalões do de tablóides. O nível deve ser mantido, mas manchetes e assuntos sensacionalistas são inevitáveis alavancas de venda. Muitas vezes, por exemplo, é difícil distinguir o julgamento de notícias do Daily Mail e do Times. O sacrifício da qualidade é sempre lamentável, mas acaba sendo o primeiro recurso dos empresários desesperados.

A terceira e última estratégia lançada pela Economist é o lançamento de novos títulos, apesar do período de vacas magras. Um exemplo de sucesso é o Metro, jornal gratuito que circula desde 1999 no país pela Associated Newspapers e começa a produzir lucros pela primeira vez agora.

Independentemente da estratégia escolhida, ou mesmo da criação de uma outra não citada pela Economist, "quase uma dúzia de jornais britânicos em franca decadência é algo insustentável", disse Simon Mays Smith, analista de mídia da J.P.Morgan. Não há muito do que discordar.

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