ELEIÇÃO 2002
Paulo José Cunha (*)
A cada eleição a ladainha se repete. Os especialistas em marketing eleitoral se transformam em alvos para uma série de críticas. A primeira, velha, é a de que tratam os candidatos como sabonetes. A segunda, de que se utilizam de recursos condenáveis, entre os quais a mentira e a dissimulação para angariar a simpatia do eleitorado. A terceira, de que desvirtuam com suas poções mágicas e seus truques de prestidigitação a sacrossanta essência da democracia. E a quarta, de que manipulam acintosa e vergonhosamente a opinião pública.
No passado, a maioria dessas críticas vinha dos chamados partidos de esquerda, PT à frente. Agora que Duda Mendonça trocou Maluf por Lula, as críticas arrefeceram. Mas, em amplos setores da grande imprensa, ainda viceja e prospera a má vontade com os profissionais do marketing político. No resumo das acusações, a principal é a de que os marqueteiros vendem gato por lebre e ofuscam o senso crítico do público. Será mesmo?
O que mais chama a atenção na maioria das críticas é a ausência de sugestões concretas e factíveis para trazer transparência ao jogo eleitoral "corrompido" pela ação dos marqueteiros.
A origem do marketing
Atuo nesta área há mais de 20 anos. Participei do comando estratégico ou da direção de TV de diversas campanhas eleitorais. Não aprendi a fazer milagres. Provei o doce da vitória e o travo da derrota. E posso afirmar, de cadeira, que a maioria das críticas ao marketing eleitoral é tão infundada quanto acusar a televisão de ser a responsável pela dissolução dos bons costumes. Mas é bom lembrar que é possível, sim, criar algumas regras capazes de forçar os candidatos a expor e defender suas idéias perante o público. Alguns coleguinhas marqueteiros vão me acusar de matar a galinha dos ovos de ouro. Então, que tal aproveitar e fazer uma galinhada?
Em primeiro lugar, é preciso anotar e nunca mais esquecer que o moderno marketing político é filho da evolução das técnicas publicitárias e da massificação de veículos de comunicação, sobretudo a tevê. O marketing não tem culpa do que é. Até porque sempre existiu, desde que o homem das cavernas deu um jeito de matar o leão à vista do resto do grupo para mostrar que era o bambambam da tribo. E está em toda parte, até mesmo na menina que coloca o vestido mais bonito para conquistar o rapaz da esquina. O que ela está fazendo, sem saber, é marketing. Cristo subia no monte mais alto para falar aos discípulos. Ou seja: fazia o que era possível à época para ampliar a audiência. O nome disso, embora alguns torçam o nariz, é marketing. O cristianismo criou um genial símbolo de campanha ? a cruz ? até hoje imbatível como logomarca. Isto também é marketing. E, sem qualquer dúvida, na qualidade de candidato, Jesus Cristo é um sucesso absoluto, haja vista a avassaladora votação que vem recebendo desde que, há 2 mil anos, apresentou seu programa de governo aos homens de boa vontade.
Bem antes dele, na antiga Grécia, já existia a técnica da pichação, como a que foi encontrada num muro das ruínas de Pompéia: "Vote em Publius Furius. Ele é boa pessoa. Só os ladrões votam em Vatia." Adolf Hitler descobriu a força das imagens, e inaugurou, via Goebells, o cinema de propaganda, antecessor do horário eleitoral gratuito. A televisão massificou as mensagens e os candidatos renderam-se à técnica de profissionais do ramo da publicidade. Até chegamos aos dias de hoje.
algumas sugestões
Portanto, xingar o marketing e o marqueteiro é burrice. Mas é possível, sim, direcionar esforços para propiciar um espetáculo realmente cívico e dar uma contribuição eficaz para a boa prática do jogo democrático.
Fosse legislador, a primeira coisa a propor seria o fim do horário eleitoral gratuito para candidatos proporcionais, de vereador a deputado federal. Fossem buscar votos na rua, em contato direto com o povo, olho no olho. E que o financiamento das campanhas se desse com acompanhamento rigoroso e as punições fossem rápidas e drásticas. No que diz respeito ao uso de rádio e televisão, limitaria, como já dito, o uso de tais veículos exclusivamente às campanhas majoritárias, e prioritariamente a debates previamente divulgados nos horários nobres das emissoras. Obrigaria a formação de redes locais ou nacionais para a transmissão de tais debates, estabelecendo normas rígidas para sua realização. Tornaria obrigatória a participação de todos os candidatos nos debates oficiais, e proibiria debates exclusivos. Estabeleceria obrigatoriedade para a apresentação de programas de governo. E um padrão único para a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, onde fosse possível mostrar o currículo do pretendente ao cargo e suas credenciais. Com um detalhe: tudo seria ao vivo. E nada de meninas bonitas ou de locutores de voz aveludada: só o candidato poderia falar e aparecer.
Provavelmente eu ganharia menos dinheiro dirigindo campanhas nesse formato. Talvez não ganhasse dinheiro algum. Mas, com certeza, a democracia seria mais bem exercida. Agora, se as regras são as que estão aí, então, paciência: os marqueteiros temos todo o direito de usar as armas disponíveis. Tal como qualquer pessoa contrata o melhor advogado, cada candidato tem todo o direito de procurar o melhor marqueteiro. Curioso como se fala bem de um Evandro Lins e Silva, de um Márcio Thomaz Bastos. E se mete o pau num Nizan Guanaes, num Chico Santa Rita; se esquecem de que um advogado é uma espécie de marqueteiro do cliente, e que um marqueteiro é uma espécie de advogado…
Fora do que propus, talvez a única alternativa seja desinventar o rádio e a televisão, mandar matar todos os publicitários e marqueteiros, e apagar qualquer vestígio das campanhas anteriores, para evitar a tentação de começar tudo de novo.
Mas, escuta aqui: e o que fazer com a memória planetária de um tal de J. Cristo, autor de uma das mais vitoriosas campanhas publicitárias da história? Que campanha, hein? Chega dá inveja na gente. Entra milênio e sai milênio e o cara não sai da moda. Talvez pelo programa de governo sintético e preciso, contido no slogan "Amai-vos uns aos outros" (gênio!). Nem o Duda nem o Nizan seriam capazes de uma sacada assim. Difícil vai ser encontrar um candidato disposto a dar a vida pela causa, como J.C. Isto sim, é ter confiança no eleitorado. Puxou ao pai.
(*) Jornalista, pesquisador, professor de Telejornalismo, diretor do Centro de Produção de Cinema e Televisão da Universidade de Brasília. Este artigo é parte do projeto acadêmico "Telejornalismo em Close", coluna semanal de análise de mídia distribuída por e-mail. Pedidos para <upj@persocom.com.br>