Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Em defesa dos pseudônimos

LISTA DE DISCUSSÃO

Moacir Japiassu (*)

Ao decidir acabar com os pseudônimos, o portal Comunique-se (www.comunique-se.com.br) deixa a área de comentários à mercê dos mais assanhados e desinibidos, num profundo desrespeito aos tímidos e delicados. Porque o pseudônimo, ao contrário do que apregoam os ágrafos e apedeutas de plantão, não serve apenas para acobertar pessoas desonestas, malsãs, como foi dito e repetido, ad nauseam, ao pé de meus últimos textos no Jornal da ImprenÇa. Pseudônimo também é o escudo que protege os mais retraídos, os peixinhos de aquário, psicologicamente despreparados para enfrentar as piranhas que pretendem dominar aquele espaço.

Muitos, muitíssimos leitores sentem-se de tal forma agredidos pelo ar de comua que exala da área de comentários que só poderiam freqüentá-la sob a proteção de um pseudônimo. Todas as violências são cometidas ali; então, resolveram proibir a presença dos que lutam mansamente pela paz, num inacreditável exercício de incoerência. Minha amiga Fulana de Tal apareceu uma única vez entre os comentaristas; cometeu um erro de português tão comum que nem Janistraquis lhe daria atenção. Pois levou formidável bordoeira de uma turba irada e nunca mais voltou.

Fulana de Tal não levou a humilhante descompostura por causa do errinho que cometeu; ela pagou o preço cobrado aos que ousam discordar dos predadores. De que forma Fulana de Tal poderia participar dessa briga de rua em que se transformaram os "debates"? Sob a proteção de um pseudônimo, é claro, óbvio e cristalino.

Se o Comunique-se pretende impor alguma ordem nesse rio-mar de iniqüidades, basta fazer o que sempre fez: cortar, eliminar os excessos e pronto. Proibir os pseudônimos por quê? Qual o objetivo de medida tão impopular?

E olhem que não puxo a brasa para minha sardinha. Abri mão do meu Severino Cardial da Silva pelas razões expostas na coluna que está no ar, embora seja tratado como alguém que foi apanhado em flagrante de crime hediondo. É assim que a escumalha intelectual "interpreta" os textos que consegue soletrar. Não puxo a brasa porque o leitor desarmado pode vasculhar os arquivos do portal e verificar que Severino compareceu ali meia dúzia de vezes, todas com opinião debruada de delicadeza.

Severino era o oposto de mim. Agressivo sou eu. Quem me conhece, e são muitos, muitíssimos, sabem como agi a vida inteira. Primeiro, nunca me agarrei desesperadamente aos empregos que tive, alguns até, digamos, preciosos. E jamais levei desaforo pra casa. Há pouco tempo, quando mantive no Comunique-se uma incandescente polêmica com o professor Sírio Possenti, alguns jovens enviaram mensagens recheadas de perplexidade; como é que o "considerado", tão sorridente, tão bem-humorado, "perde as estribeiras"? É porque os jovens não me conhecem, não trabalharam comigo.

Alma puríssima

Não preciso de pseudônimo para enfrentar quem quer que seja, tanto que abandonei o gentil Severino. Se me tratam a socos, recebem pontapés. E levo uma vantagem sesquipedal: na maioria das vezes estou acompanhado da razão e sou razoavelmente alfabetizado para enfrentar algumas piruetas semânticas. Eu não sou, e digo-o com sertanejo orgulho, adversário fácil para ninguém.

Todavia, é mister reconhecer que não devo esperar dos outros atitudes semelhantes às minhas. Como disse acima, é necessário respeitar os tímidos, os puros de coração. Estes precisam do pseudônimo contra a agressividade da tábula rasa. Quando informei que Machado de Assis adotara pseudônimos, alguns luminares retrucaram: escritor pode; jornalista, não. Ora, quando um observador da cena política chamado Lélio aparecia com sua irreverência nas páginas da Gazeta de Notícias, muitos ignoravam que se tratava do sisudo escritor e funcionário público Joaquim Maria Machado de Assis.

Lélio permitia que o "Bruxo do Cosme Velho" soltasse o espírito juvenil sobre a política de seu tempo. Lélio fazia jornalismo, com estilo e acuidade raros nos jornais de hoje. E se havia literatura no texto de Lélio é porque o melhor jornalismo é também literatura e sempre existiu a melhor literatura em qualquer texto de Machado de Assis.

Pseudônimos são fundamentais ao sadio relacionamento social; o anonimato, vítima do índex da tal "Constituição Cidadã", também pode servir de consolo e proteção, se despido do preconceito asinino. Até essa tão mal-afamada carta anônima tem honesta serventia. Quando eu era menino lá na Paraíba, seu Abílio da Farmácia encontrou, certa manhã, um envelope preso com "linha urso" ao volante de seu carro; abriu, leu: "Dona Zazá vai fugir com Ieié".

Indignado, seu Abílio exibiu a ignomínia a quem viesse comprar uma cafiaspirina. "Quem vai acreditar numa carta anônima?!", preponderou seu Nozinho, Senhor do Engenho Taboca, que mantinha casa vizinha à nossa.

Na segunda-feira, 17 de novembro de 1952, a casa de seu Abílio amanheceu erma de dona Zazá, que fugira com o aventureiro Ieié. Então o barbeiro Bento, homem de alma puríssima, se achegou ao balcão da farmácia onde o corno e amigo ameaçava matar-se com um coquetel de estricnina e falou:

? Depois, não vá dizer que eu não avisei…

(*) Jornalista