Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Em nome da desinformação geral

COBERTURA PÍFIA

Marcilene Forechi (*)

Minha indignação inicial deu lugar à reflexão. Primeiro tentei compreender o que faz o dono de uma grande rede de supermercados pedir que seus seguranças coloquem para fora de uma de suas lojas a equipe de reportagem de televisão, que aguardava para falar com ele.

É bom esclarecer ao leitor que a loja em questão havia sido assaltada na manhã anterior e que a equipe procurava repercutir o assunto. Quando a repórter indignada me ligou e contou o episódio minha reação foi solidarizar-me com ela, pois, além de colegas de profissão somos amigas há vários anos.

Passado o primeiro momento e depois que desliguei o telefone, dei-me a oportunidade de refletir. Será que havia alguma coisa que aquele dono de supermercado vítima de um assalto no dia anterior pudesse dizer de novo àquela repórter? E se o assunto já havia sido noticiado pelo veículo concorrente, não seria mais interessante para o leitor encontrar uma nova matéria sobre o assunto, mas com outra abordagem? E mais: será que o leitor (no caso, telespectador) tem noção de que aquela pauta só estava sendo feita porque a emissora havia levado um furo da concorrência?

Ainda refletindo sobre o assunto, me pergunto: está a sociedade perdendo o respeito pelo jornalismo e pelo jornalista? E não posso deixar de lembrar de Eugênio Bucci afirmando que "numa sociedade em que o jornalismo não merece confiança a democracia corre perigo".

Ratos e baratas

Penso que o jornalista tem sido colocado em um plano secundário, sem respeito ou credibilidade tanto por força das condições de trabalho impostas a ele quanto pela sua própria acomodação, preguiça e subserviência. E não falo apenas dos repórteres que cobrem mal e superficialmente uma pauta que lhes é entregue.

Falo dos que têm o poder de decidir o que será notícia e o que interessará ao público no dia seguinte. Noutro dia, uma pauta destas que deixam a comunidade feliz e a sociedade aliviada ao perceber que abusos são denunciados pela imprensa me fez de novo refletir.

Um lixão em um terreno baldio era o responsável por ratos e baratas infestando as ruas de um bairro de periferia da cidade e impedindo alunos de uma escola pública, localizada em frente, de freqüentar as aulas. Denúncia feita, matéria pautada. Repórter no local, num ao vivo, rodeado pela comunidade, alunos da tal escola e o secretário de Serviços Urbanos da Prefeitura.

Mazelas e gracinhas

Comecei a assistir à matéria ansiosa e terminei pasma, bege, como diria um personagem de alguma novela de que não me lembro o nome e nem vem ao caso lembrar. O repórter ouviu as queixas dos moradores e virou-se para o secretário cobrando uma solução. O secretário informou que mandaria limpar o terreno, mas que o problema só seria resolvido se o dono da área fizesse um muro e mantivesse limpa sua propriedade, pois não havia como impedir que mais lixo fosse jogado.

O repórter, então, volta-se para as pessoas que acompanham a entrevista e diz: "Então, vocês ouviram, o secretário vai mandar limpar. Semana que vem nós viremos aqui de novo saber se ele cumpriu o prometido. Enquanto isso, vocês ficam com estas máscaras (e tirou do bolso do paletó algumas máscaras) para amenizar o mau cheiro aí do lixão".

Fiquei a perguntar aos meus botões, já que perguntar a quem fez ou a quem editou e colocou no ar tal matéria não me parecia o melhor caminho, que medidas a prefeitura poderia tomar contra pessoas que possuem imóveis e os deixam abandonados e, ainda, contra as pessoas que jogam lixo em lugares públicos ou em terrenos baldios.

E pensei que o repórter ludibriou aquelas pessoas. Ele não deu a elas a mesma resposta que recebeu do secretário. Ele tirou delas a oportunidade de refletir e de poder exigir, de fato, uma solução para o problema.

O que ele conseguiu ? como muitos conseguem todos os dias e em quantidade suficiente para lotar páginas e páginas de jornais do país inteiro ? foi uma resposta superficial, óbvia, num exercício da falta de bom senso que transforma mazela do povo em gracinhas para o início da tarde.

(*) Jornalista e professora de Jornalismo em Vitória