Tuesday, 19 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

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INTERESSE P?BLICO

MULHERES JORNALISTAS

Mulheres procuram dignidade nos dois lados da mídia

Chico Sant?Anna (**)

Nem tchutchuca nem cachorrona. O tratamento que elas desejam é de igualdade e respeito profissional. Todos os dias um exército de 300 mil mulheres corre em todo o mundo na busca de fatos que possam gerar notícias. Não importa se são as repórteres maritacas das rádios comunitárias da Amazônia ou as elegantes repórteres de vídeo que cobrem Wall Street para as grandes cadeias transnacionais de TV. Em comum, elas têm uma única realidade: a busca de um espaço no mercado de trabalho, igualdade de oportunidades, reconhecimento de competência ? ou seja, o fim da discriminação de gênero.

No mundo inteiro existem cerca de 600 mil jornalistas; desses, praticamente a metade são mulheres. A divisão, contudo, não é assim tão equânime em todos os países. Na desenvolvida Bélgica ou na conturbada Indonésia apenas três em cada dez profissionais são do sexo feminino. Já no México, Bulgária e Estados Unidos o percentual feminino pode chegar a 70%. A América Latina responde por uma expressiva parcela dos profissionais de imprensa do mundo. Seríamos mais de cem mil em atividade ? a grande maioria no Brasil, Argentina e México ? embora isto praticamente não influencie o fluxo global de informações. Prevalecem sempre as notícias coletadas e enviadas pelas grandes agências transnacionais de notícias, em detrimento das geradas pelos veículos nacionais.

Em nossa região, as mulheres também se fazem cada vez mais presentes. Não há um registro seguro, mas estima-se que cerca da metade dos 100 mil comunicadores sejam do sexo feminino. Elas somariam, portanto, algo entre 50 mil e 60 mil latino-americanas na condição de repórteres, editoras, pauteiras, colunistas… e este número tende, certamente, a ampliar-se. Basta verificar o perfil dos alunos matriculados nos cursos de Comunicação Social. Dados de 1998, levantados pela Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ), demonstram que também entre nossos países vizinhos há disparidades na oferta de vagas de trabalho. No Paraguai e Peru, por exemplo, para cada 7 homens contratados, os meios de comunicação só ofereciam emprego a 3 mulheres.

Capital da mulher

Nesse cenário da América Latina, o Brasil responde pela metade das cifras. Desde a década de 30, quando se começou a emitir registro profissional para jornalistas, mais de 60 mil pessoas foram habilitadas. Estima-se em 40 mil o número de jornalistas em ação no país. Um batalhão misto. Em 1996, o ministério do Trabalho apontava que 4 em cada 10 jornalistas eram do sexo feminino. Dez anos antes, elas representavam 36%. No ano passado, em Brasília, uma pesquisa do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal constatou uma divisão de 55% para homens e 45% para mulheres.

Em todo o país, no mercado de trabalho tradicional ? redações de rádio, TV, jornais e empresas de assessoria de imprensa ?, nossas coleguinhas estão mais concentradas na imprensa escrita (40,3%) e nas atividades denominadas extra-redação (empresas de assessoria, produtoras, consultorias etc, com 39,2%). Embora as emissoras de rádio e TV só absorvam apenas 2 entre cada 10 mulheres jornalistas, é na mídia eletrônica que se verifica a maior disputa pelo mercado entre os sexos: 46,65% para mulheres e 53,35% para homens.

Elas são muitas, mas muito pouco se conhece sobre a realidade delas. Esta não é uma deficiência só brasileira. Tanto que a Federação Internacional dos Jornalistas e a Unesco realizarão em junho, na Coréia do Sul, a I Conferência Mundial de Mulheres Jornalistas. Conferências preparatórias estão sendo realizadas. A da Ásia foi em novembro do ano passado, em Tóquio, e a da América Latina será em Brasília, de 3 a 6 de maio, e está sendo organizada pelo Sindicato de Jornalistas do Distrito Federal e pela Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj). Cerca de 300 mulheres jornalistas de 21 países deverão transformar a cidade na capital latino-americana da mulher jornalista.

Abaixo a discriminação

Devido a sua singularidade, instituições como a Unesco, UnB, Banco do Brasil, Brasil Telecom, Embrapa, Fibra, Imprensa Nacional e Tele Centro Oeste já decidiram apoiar o evento. Duas linhas básicas nortearão os debates. De um lado, os problemas da mulher jornalista como trabalhadora: dupla jornada, discriminação, assédios, benefícios sociais, oportunidades, proteção àagrave; maternidade, temas quase sempre restritos à conversas corporativas mas que a conferência poderá contribuir para uma maior conscientização da sociedade. Em Brasília, por exemplo, constatou-se que 68% das jornalistas trabalham mais de 7 horas por dia, embora a lei preveja uma jornada profissional de 5 horas. No lado masculino, o percentual dos que possuem jornada excessiva é menor: 58%. A taxa de mulheres separadas é maior do que a dos homens.

Em termos econômicos, há mais mulheres ganhando piso salarial (4% dos homens contra 6% das mulheres) e mais homens com remunerações em níveis elevados. Acima de 30 salários mínimos, 25% dos jornalistas se encontram nesta faixa, enquanto as mulheres representam 21%. A diversidade de proteção laboral é igualmente significativa, mesmo em níveis internacionais. Na Índia, luta-se por uma licença maternidade de 90 dias ? no Brasil é de 120 dias. Em Taiwan, há denúncias de preterimento das jornalistas quando das promoções. A Conferência de Brasília vai buscar montar esse quadro com base na situação dos 21 países que formam a região.

Mas a intenção é ir além da realidade das operárias da informação. A conferêmncia também vai fazer a análise sobre o enfoque dado pela mídia quando a mulher é a notícia. Que reflexos sobre a sociedade e sobre a própria mulher, seja ela jornalista ou não, existirão em decorrência das banheiras midiáticas de domingo, ou as boquinhas na garrafa das popozudas? Que sociedade as mulheres, enquanto profissionais de comunicação, estão ajudando a construir? Estaremos trabalhando por uma sociedade mais justa ou contribuindo para uma estereotipação ainda mais acentuada? Na Conferência da Ásia, as australianas alegaram que, embora representem metade do plantel, não têm voz nas definições editoriais e o enfoque jornalístico continua machista e discriminador.

O campo é vasto. A Conferência Mundial de Mulheres de Pequim abriu a porta para uma longa caminhada e deixou claro que as mulheres, enquanto cidadãs e trabalhadoras, precisam, antes de tudo, organizarem-se. E este é outro ponto frágil. Na África, a média de mulheres jornalistas envolvidas em atividades sindicais ou de outra forma de representação profissional não chega a 20%. Mesmo em Brasília, cidade com alto nível de conscientização política, as mulheres se envolvem menos com suas entidades representativas. Apenas 34% dos homens não são associados do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, enquanto entre as mulheres essa taxa se amplia para 46%.

A Conferência Latino-Americana de Mulheres Jornalistas é um chamamento a todos os interessados ? homens e mulheres, estudantes e profissionais, ONGs e governos ? para uma reflexão sobre a temática. Uma oportunidade de edificar neste início de milênio uma nova comunicação, construtiva, voltada para sociedade cidadã, que não discrimine nem quem está consumindo a informação nem quem a está produzindo.

(*) Publicado originalmente no Correio Braziliense, 4/3/01.

(**) Vice-presidente da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ). E-mail: chicosantanna@hotmail.com

SERVIÇO

Local e data: Auditório da Imprensa Nacional, Brasília (DF), de 3 a 6 de maio de 2001

Informações no Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal

URL: www sjpdf.org.br

Telefone: (61) 344-1488

Organização: Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e pela Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ).

Cerimônia de abertura com palestra da guatemalteca Rigoberta Menchu, prêmio Nobel da Paz, que falará sobre a situação da mulher trabalhadora no novo milênio.

Poderão participar da Conferência, além dos delegados representantes das organizações jornalísticas de cada país, profissionais e estudantes de Comunicação e interessados na temática.

Os painéis abordarão os seguintes temas: "A Mulher e os Direitos Humanos", "A Mulher vista pela Imprensa", "A Presença da Mulher Jornalista na Militância Sindical ? dificuldades e incentivos" e "A Negociação Coletiva e os Direitos da Mulher Jornalista".

A Conferência abrigará a exposição fotográfica "Mulheres Jornalistas em Ação" reunindo fotos enviadas pelos diversos países, retratando o cotidiano das profissionais latino-americanas.

Inscrições abertas. Para preencher a ficha pela internet clique aqui

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