Thursday, 26 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 3107

Enquanto a caravana passava

 

ECOS DA INTERCOM

Angelo de Souza (*)

No início deste mês, em Salvador, tive ocasião de testemunhar dois momentos ímpares ? e díspares ? da vida estudantil, ou do que se entenda por isso nestes tempos em que educação e negócio se confundem em prejuízo da formação e da cidadania. Foi no 25? Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, promovido pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação (Intercom) e organizado pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb).

Sob o tema geral Comunicação para a cidadania, o congresso recebeu perto de seis mil inscrições de estudantes de graduação. Nele, pude partilhar da emoção dos estudantes premiados na Exposição Pesquisa Experimental em Comunicação (Expocom) e na Jornada Vera Giangrande de Iniciação Científica (Iniciacom).

Refiro-me especialmente aos alunos da Universidade Federal do Pará (UFPA), que alcançaram reconhecimento pelo esforço, o talento e a competência que demonstraram (**). Com pouco ou nenhum apoio institucional, limitados a parcos meios e recursos próprios, mereceram destaque por sua criatividade e capacidade de superação: um exemplo para muitos. E não foram poucos os bons exemplos, entre estudantes de universidades públicas e privadas, de aproveitamento integral das múltiplas experiências proporcionadas pelo congresso.

Mas devo referir-me também ao mau exemplo, de impaciência e intolerância, dado por parte do público que disputou lugar nas salas mais concorridas do congresso. Falhas de organização, quase inevitáveis em congressos daquele porte, mais a inclinação tumultuosa de alguns, levaram pequenas multidões a se espremer diante de portas fechadas, a forçar a entrada em salas onde sabidamente não caberiam, a bradar palavras de ordem e palavrões que acabaram por prejudicar as apresentações em um setor inteiro do congresso. Estudantes e profissionais da comunicação e da educação mostraram-se deseducados e incapazes de comunicar-se, de negociar soluções de modo civilizado naquela situação.

Lamentável.

É claro que o expediente da pré-inscrição, adotado no caso das oficinas, permitiria dimensionar melhor os espaços em função da demanda por determinados eventos, e não por outros. No ano que vem, em Belo Horizonte, é de se esperar que problemas dessa natureza não se repitam.

Mas há que se lamentar a atitude de certos estudantes de instituições particulares de Salvador. Sob o argumento de que tinham "investido" R$ 45 na inscrição para um evento do qual não aproveitaram "nada", no qual só tiveram olhos e atenção para uma ou duas palestras às quais não tiveram acesso, desprezaram todas as demais atividades. Dispunham-se a ir à televisão para "denunciar a desorganização" do congresso, para "descer o cacete" na Intercom e na Uneb em programas policialescos-assistencialistas-sensacionalistas da televisão.

Não creio que tenham cumprido a ameaça. Tal atitude não compõe bem o perfil de quem paga mais de R$ 500 por mês para freqüentar aulas em faculdades que lembram shopping centers (como os próprios alunos as descrevem), de onde saem como quindins de iaiá produzidos em série para os apetites do mercado. Na "relação de consumo" que estabelecem com esses luxuosos "tabuleiros da baiana", importa apenas a satisfação do consumidor face a suas expectativas utilitárias e instrumentais.

De que valeu o congresso ter trazido para a casa daqueles estudantes os autores, pesquisadores e colegas em quem eles bem poderiam se espelhar? Para alguns, pouco ou nada: só lhes ocorrem as críticas ? ostensivas e deslocadas ? de quem não viu e não gostou. Que pena. Só não foi maior o desperdício porque, na Bahia, o que não dá certo ao menos dá em praia.

Mas não faz mal. O melhor da caravana volta para casa ? no Pará e em outros estados ? com a cabeça e o coração cheios de boas lembranças, e troféus para a estante. Foram, viram e venceram. É com gente como eles que se pode contar para o êxito do próximo congresso da Intercom.


Os trabalhos de alunos da UFPA premiados no 25? Intercom foram: O cinema e uma localidade amazônica, dos alunos Alexandre Brito, Alexandre Lins, Jackeline Araújo, Raphael Silveira e Sérgio Bernardelli, vencedor da categoria cinema do Iniciacom; e, na Expocom, o vídeo-animação Substância, de Roger Elarrat e Thiago Conceição, primeiro lugar na modalidade desenho animado; o ensaio fotográfico Zapping, de Alexandre Brito, segundo lugar em fotografia; e a história em quadrinhos O navio das sombras, de Gustavo Lopes, menção honrosa na modalidade.


(*) Jornalista e professor de Jornalismo na UFPA