Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Entre a pauta e a espada

IMPRENSA E PARLAMENTO

Alexandre Gomes (*)

O que atrai a imprensa para o parlamento nunca é a sua atividade cotidiana, o esforço constante para discutir as propostas, os debates políticos, os relatórios técnicos. Quase sempre que a imprensa vai ao parlamento é em busca de uma agenda conjuntural, geralmente proposta pela própria mídia, construída como situação excepcional.

Nunca se está disposto a ouvir discussões, apenas a colher resultados. Na visão da mídia o objetivo do parlamento é cumprir suas pautas, não discutir em profundidade os problemas do país. Assim uma proposta feita para ser incluída nas pautas tem muito mais peso do que um debate sério e estruturado, principalmente porque é mais rápida.

Este tipo de conduta dos veículos de comunicação induz muitos parlamentares ? que precisam mostrar trabalho aos seus eleitores ? a seguir o caminho fácil das proposições que atendam a estas necessidades editoriais da imprensa. Neste sentido os veículos de comunicação causam grande prejuízo ao país, estimulando as propostas pontuais, muitas vezes inconstitucionais e inúmeras vezes demagógicas, destinadas não ao país, mas aos holofotes.

Não se pode culpar os parlamentares por agirem segundo estas linhas questionáveis. Quando o trabalho duro nas Comissões não tem nenhum peso, quando os discursos ponderados no plenário não são ouvidos, quando as propostas mais abrangentes são consideradas lentas demais, só resta ao parlamentar render-se, por questões de sobrevivência, a fazer aquilo que a imprensa deseja que ele faça, única forma de obter o espaço suficiente para sua sobrevivência política.

Memória curta

O debate em torno da maioridade penal é bastante exemplar neste sentido. O tema é debatido há décadas no Congresso, há inúmeras propostas para todos os gostos e tamanhos e o debate é sempre inconclusivo. A cada nova tragédia na área a imprensa coloca seus holofotes sobre o assunto e cobra uma solução imediata, sumária, como se questão de tal amplitude pudesse ser avaliada nos poucos dias que o assunto está na pauta. Com o tempo o assunto fica esquecido, descobre-se novas pautas, a montanha de propostas geradas vai engrossando a fila, perde-se o interesse até um novo caso surgir para ressuscitar os mortos.

O mesmo acontece em relação às CPIs. Transformadas pela imprensa em arma político-eleitoral, as CPIs passaram a fazer parte da rotina dos parlamentos em detrimento de outras ações mais nitidamente parlamentares. Pedir uma CPI, independente dela ser necessária ou não, tornou-se a garantia de uma atenção, ainda que efêmera, da mídia e assim transformou-se de atividade acessória em estrela da atuação parlamentar.

É evidente que houve CPIs importantes, cujos resultados foram bastante significativos para a sociedade. Mas muitas das mais importantes e conclusivas delas receberam pouca atenção da imprensa. Cito, por exemplo, a CPI dos Precatórios Ambientais da Assembléia Legislativa de São Paulo, que deu ao estado condições de economizar e reaver um volume significativo de recursos. A despeito da importância da ação, seu propositor e presidente sequer se reelegeu.

Agendas

Este poder de definir as agendas do Parlamento não é assunto de pequena importância. Tanto por um lado como por outro é uma questão relevante. Do lado do público este tipo de acompanhamento da atividade parlamentar impede que ele tenha uma exata noção do trabalho parlamentar, do lado do Estado é uma ameaça à democracia dar o poder de definir a agenda a grupos empresariais privados (ainda que muitas vezes as próprias TVs legislativas encampem o procedimento das redes privadas, quando sua principal finalidade seria se contrapor à visão distorcida delas).

Ainda que se admita que os veículos de comunicação expressam a opinião da sociedade e portanto tem legitimidade para fazer o que bem entenderem em suas relações com os parlamentos ? assertiva nem sempre fácil de demonstrar ? ainda assim no interesse desta própria sociedade é preciso buscar algumas soluções que tornem mais eficientes e produtivas estas relações.

Novos setoristas

Um figura em extinção nos parlamentos, em especial nos municipais e estaduais, é a do setorista, aquele repórter que passava boa parte do dia pelos plenários e corredores ? especialmente pelos corredores ? acompanhando a rotina da casa e vendo o que acontecia. A modernização e a introdução da disciplina fabril nos jornais tornou este indivíduo anacrônico e isto pode ser percebido pelo súbito falecimento de tantas colunas políticas.

A morte do setorista eliminou alguns dos vícios da antiga cobertura parlamentar, como as relações promíscuas com as fontes, mas trouxe um grande prejuízo ? agravado pela safra de estagiários nas redações ? de colocar no acompanhamento dos legislativos pessoas que nem sempre compreendem muito bem como ele funciona.

O processo legislativo não é fácil de ser acompanhado, tanto porque é complexo e parece um labirinto aos que não tem familiaridade com eles, como porque é "lento" para os padrões de pauta. Como resultado desta dupla complexidade, muitos repórteres têm dificuldade em compreender a tramitação dos processos e vêem no longo percurso deles um "atraso", uma "demora" que de fato não existe.

A "demora" na imensa maioria dos casos não é uma falha, mas uma virtude. O Executivo, que depende em última instância, da vontade de uma única pessoa, pode ser rápido, já no Legislativo precisam interagir dezenas de cabeças, visões de mundo, elencos de prioridades, tensões políticas, assim o consenso é construído ao longo do tempo.

Também é necessário destacar que a construção da legislação não é uma brincadeira, não pode ser movida por paixões de momento ou interesses conjunturais, uma legislação bem elaborada, que atenda as necessidades sociais reais e que persista na história precisa um tempo de maturação antes de estar pronta para ser votada e colocada em prática.

Assim chega-se a uma medida concreta que poderia beneficiar tanto a imprensa e seus leitores como os parlamentos, a formação conjunta de pessoal que compreenda bem o processo legislativo tanto na prática como em seus termos mais conceituais. Um investimento dos legislativos em cursos, seminários e outros eventos que discutam este papel e um equivalente investimento dos veículos de comunicação em um profissional mais habilitado a lidar com as especificidades da cobertura parlamentar produziria um noticiário mais rico e menos enviesado e um parlamento no qual a busca dos holofotes se desse no trabalho cotidiano.

(*) Jornalista e assessor da liderança do PSDB na Assembléia Legislativa de São Paulo