MOSAICO
ALEMANHA
Cláudio Weber Abramo, de Berlim
Comentar sobre um país cuja língua não se fala é possível sob uma infinita variedade de circunstâncias ? as quais, contudo, não incluem comentar sobre sua imprensa. Há aqui uma infinidade de órgaos de imprensa, muitos dos quais famosos ? todos, infelizmente, para além do alcance deste observador.
Sendo-me impossível pronunciar coisas minimamente coerentes sobre a imprensa alemã, resta-me falar sobre a cidade de Berlim.
Um dos principais fulcros da extinta Guerra Fria, como todo mundo sabe Berlim passou 50 anos dividida entre uma parte ocidental, pesadamente americanizada, e uma parte oriental, pesadamente russificada. Após a queda do muro, dez anos atrás, a cidade passou a ser alvo de uma pesadíssima operação-reforma. Há uma enorme quantidade de obras em andamento (algumas delas há anos interrompidas), muitas obedientes àquele horrendo estilo de arquitetura monumental à la Oscar Niemeyer que os brasileiros tão bem conhecem.
Uma área prefencial para esse tipo de coisa é o complexo de escritórios de parlamentares, perto do Reichstag. A Chancelaria, ordenada pelo ora caído em desgraça Helmut Kohl, assemelha-se ao mausoléu de Assurbanipal. Os berlinenses se perguntam o tempo todo que raio de troço é aquele, mas nada podem ou querem fazer para impedi-lo.
O governo alemão não tinha dinheiro para reformar a histórica Porta de Brandemburgo, que ficava do lado oriental. Assim, permitiram à Deutsche Telekom que se responsabilizasse ? com o resultado de que, para indignação de muitos, as obras se dão por trás de um enorme painel de tecido com um imenso anúncio da dita companhia. Dizem-me que a invasão da cidade por publicidade decorre da influência norte-americana, e que outras cidades alemãs não sofrem do mesmo mal. Tomara.
Outra história
O lado ocidental da cidade desenvolveu-se como normalmente se desenvolve uma cidade de país rico. Há uma certa tendência ao estático, um tanto burguês. O lado oriental é muito mais interessante, pois os prédios que não foram destruídos nos estágios finais da guerra lá permaneceram, de forma que passear por lá é um prazer muito maior do que andar pelo lado ocidental.
Outro dia levaram-me à Alexanderplatz, com o intuito de mostrarem um exemplo típico da ocupação urbana da antiga Alemanha Oriental. Senti-me como se estivesse em alguma superquadra comercial de Brasília. As mesmas cores doentias dos painéis que formam as janelas dos edifícios, o mesmo mau gosto (ou falta de gosto) arquitetônico, o mesmo tipo de luminoso, a mesma projeção de uma atmosfera indiferente à vida humana. E anúncios por todo lado, uma adição recente.
De todo modo, em Berlim, como em qualquer cidade de qualquer país europeu, experimenta-se algo que o Novo Mundo jamais poderia oferecer: história. Todos os dias, saio de meu hotel, percorro a Goethestrasse, tomo a Leibnizstrasse à direita, passo pela Schillerstrasse e vou dar na Bismarckstrasse, a qual atravesso para chegar ao local onde estou trabalhando. Uma jornada histórico-literária que se repete por toda a cidade, com diferentes nomes e evocações. Nascer e viver em tal ambiente tem profundas repercussões sobre a perspectiva em relação à vida e ao mundo. Não é Miami.