POLÍTICA EDITORIAL
Muniz Sodré (*)
É possível fazer uma distinção conceitual entre o medo e o terror. Para ilustrar o primeiro caso, pode-se figurar uma situação, familiar à vida de todo mundo, em que receemos trafegar por ruas escuras ou por áreas notoriamente perigosas da cidade. O medo resulta da antecipação pela consciência de um objeto ausente ou desconhecido. É essa antecipação que a imprensa representa (com notícias, reportagens, editoriais, artigos) para o leitor cotidianamente, tentando em princípio orientá-lo em termos de segurança pública, tranqüilizando-o com palavras que se interpõem racionalmente entre ele e a excessiva proximidade da real.
Agora, imagine-se a situação em que a cidade por inteiro (não mais um objeto, mas o objeto total) se revele como perigosa. Não apenas as sombras ou determinadas ruas, mas cada outra pessoa desconhecida, cada automóvel tornado suspeito podem, de repente, constituir-se em fontes potenciais de ameaça. Isto aí já é propriamente o terror. É a situação que se vivencia nas ditaduras, nos campos de concentração, em casos em que a realidade inesperada se aproxime sem qualquer mediação racional, como pura imagem da morte.
A imprensa carioca e paulista não faz essa distinção, mas a sua prática editorial tem levado o homem comum a experimentar uma espécie de transição gradual de uma categoria para outra. Ou seja, o habitante dos espaços urbanos nacionais (mais de 80% da população) está passando do velho e natural medo, que ainda podia ser administrado com recursos tradicionais, para a condição de intranqüilidade radical, implicada na experiência do terror.
Não é que jornais, revistas, rádios e emissoras de TV estejam mentindo ou exagerando. Na verdade, acontece muito mais coisa atemorizante do que se noticia. A questão é a natureza da representação ? quer dizer, do encaminhamento dos textos, da prática editorial ? com que a mídia aborda o perigo da realidade.
Espírito público
É que a mídia prioriza as representações sociais catastróficas. Representação social é o tipo de conhecimento normalmente veiculado por qualquer meio de comunicação. Para promover ou facilitar sua comunicação com o público, a mídia constrói seus enunciados a partir do senso comum, procurando "figurar" a realidade descrita. A imagem, visual ou verbal, é o principal recurso da representação social. Privilegiam-se imagens capazes de sintetizar conceitos e idéias.
Catástrofe, por sua vez, entende-se aqui como a antecipação, imaginariamente trabalhada, de uma realidade terrorífica. As representações catastróficas constituem o material discursivo com que um certo tipo de literatura de massa, cinema e televisão costumam seduzir suas respectivas audiências.
Fora do âmbito ficcional, porém, esse tipo de material é mais ativo do que se possa pensar. Ele se faz presente como conteúdo nas informações e nos julgamentos existentes principalmente nas diversas modalidades de narrativa jornalística. Geralmente é um "gancho" eficaz na dramaturgia oculta que acompanha o noticiário. Parece mais atraente uma informação de natureza dramática (logo, estimuladora de sensações) do que outra que leve à reflexão ou à pausa. Daí a estimulação freqüente do sentimento de terror.
Mas, como havíamos acentuado, não se trata de mentira nem de puro exagero. Seria, assim, o caso de reorientar a prática editorial, no que diz respeito à criminalidade crescente, para caminhos mais investigativos, argumentativos e reflexivos. Mais forte que a violência anômica e visível das ruas é a violência institucional e invisível de que se beneficiam as velhas alianças de classes no Brasil. Um jornalismo comprometido com o espírito público não pode obliterar as causas político-sociais da mafialização ascendente.