NOTAS DE UM LEITOR
Luiz Weis
Salvo engano, só o colunista Janio de Freitas, da Folha, informou (sexta, 22/8) que os dez jornalistas estrelados de seis jornais que entrevistaram Lula dois dias antes no Planalto foram escolhidos pelo governo.
E que eles podiam anotar ? mas não gravar ? o que o presidente dizia ao pessoal sentado à volta da mesa montada para o café da manhã, na sala de reuniões anexa a seu gabinete.
Se assim foi, está-se diante de uma pilha de impropriedades.
O presidente tem o direito de querer escolher os repórteres, editores e comentaristas para entrevistá-lo. Um observador maldoso ? e, pior do que isso, injusto com os participantes do desjejum em palácio ? comentaria que não é de esperar outra coisa de um presidente que disse, na ocasião, dirigindo-se ao seu secretário de imprensa Ricardo Kotscho:
? Notícia é tudo o que a gente não quer ver publicado. O que a gente gostaria de ver publicado é publicidade.
(O Globo, que deu a frase, lembrou honestamente que Kotscho gosta de citá-la e que é atribuída ao jornalista Joseph Pulitzer, o que dá nome ao prêmio.)
Por princípio, os jornais não deviam ter aceito essa imposição. O certo, em qualquer democracia em que a mídia conhece o seu lugar e zela por ele, é a autoridade convidar o jornal a mandar um certo número de profissionais para a entrevista que ela quer conceder no dia tal, em tal lugar, às horas tais.
No caso, pode-se apostar que "nove em cada dez estrelas" indicadas pelos jornais seriam as mesmas escolhidas pela equipe de Lula. Mas isso não altera o fato de que na sempre delicada relação entre o poder e a mídia, toda ocasião deve servir para que os diferentes papéis de cada qual sejam preservados.
O segundo erro dos jornais foi concordar com o absurdo banimento dos gravadores. Absurdo porque não se impediu ninguém de tomar notas, em meio "a conveniente profusão de pratos, copos, xícaras e talheres, entre os quais alguns insistiram em alojar seu bloco de anotações" (Janio de Freitas).
O terceiro erro, enfim, foi o descaso dos jornais com os leitores. Estes não ficaram sabendo nem dos convites palacianos nem do veto aos gravadores. A historieta, com os argumentos do "outro lado" sobre ambas as questões, renderia um box a que os leitores tinham direito.
E já que se está com a mão na massa, por que as matérias não identificaram os jornalistas (e os jornais) que participaram do que Janio chamou de "encontro social", por oposição a "atividade jornalística".
Engasgando com a fumaça
A expressão "encontro social", aliás, foi o estopim de uma violenta réplica de um dos entrevistadores do presidente. Na coluna "Pensata" da Folha Online de 22/8, o repórter Kennedy Alencar acusou Janio ? a quem se referiu como "sr. Freitas" ? de questionar a qualificação dos entrevistadores, "com ressalvas para fingir que não generalizou", e de fazer "insinuações e acusações covardes, que chegaram ao cúmulo de criticar o fato de a entrevista não ter sido gravada, como se isso ferisse a ética ou a liberdade de imprensa".
Eles que são brancos que se entendam, mas este leitor continua a sustentar que, em condições normais de temperatura e pressão, quem designa entrevistador não é o entrevistado e que não tem pé nem cabeça proibir gravações quando a tomada de notas é autorizada.
(Luiz Egypto, deste OI, lembra, a propósito, que o general João Figueiredo, já escolhido para ser o novo presidente de turno do regime militar, deu uma entrevista a dois repórteres da Folha ? Getúlio Bittencourt e Haroldo Cerqueira Lima ? , em 1978, com a condição de que nada anotassem ou gravassem. Ele não contava com a formidável memória da dupla, graças à qual puderam reconstituir praticamente todas as falas do inesquecível apreciador de cheiro de cavalo.)
Seja como for, depois de tudo, nem se perguntou nem Lula respondeu qualquer coisa de parar as máquinas. Julgue-se pelas manchetes.
O Globo, por exemplo, destacou a opinião de Lula sobre a duração do mandato presidencial: "Cinco anos, sem reeleição, seria muito melhor". (Como se o Planalto pretendesse tomar alguma iniciativa nesse sentido ou como se Lula estivesse propenso a não disputar a reeleição que considera "desastrosa e perniciosa".)
Valor Econômico pelo menos foi direto ao específico de interesse dos seus leitores empresários: "Lula quer concessões, e não privatização, na área do saneamento", tendo o cuidado de esclarecer, no corpo da matéria assinada por Cristiano Romero, que "Lula não informou como convencerá governadores estaduais e prefeituras a adotarem concessões" nessa área.
O Estado aspeou a declaração triunfalista "Este é o ano em que consertamos o Brasil". (Como se os números da produção, do emprego, da renda e da sua distribuição dessem respaldo, desde já, a essa grandiloqüência.)
A Folha foi de "País não precisa renovar com FMI, diz Lula". (Como se isso fosse o anúncio de uma decisão tomada. Na realidade, registrou apropriadamente Teresa Cruvinel, do Globo, Lula "deixou o assunto no ar".)
P.S. ? O legendista do Estadão engasgou com a fumaça das três cigarrilhas da marca Café Crème consumidas por Lula na hora e 55 minutos da entrevista. Elas não são cubanas, mas holandesas.