Saturday, 16 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Equívocos de uma apuração apressada

LEITURAS DE VEJA

Altino Machado (*)

Há mais de uma semana se discute o que teria levado a revista Veja a acusar o governo do Acre, administrado pelo engenheiro florestal Jorge Viana, de ter permitido nos últimos cinco anos a destruição de florestas no ritmo de 16 campos de futebol a cada hora ["O crime da motoserra", Veja n? 1.821, de 21/9/03, pág. 115].

Apesar dos protestos de leitores e das ponderações feitas pela assessoria do governo estadual e cientistas que serviram de fonte para a reportagem, na edição seguinte (n? 1.822, de 1?/10/03) a revista procura manter a suposta proficiência e, como sempre, tenta se equilibrar por cima da carne-seca depois da "barriga" que cometeu.

Durante 10 anos (1988-1998) trabalhei, dentro e fora da Amazônia, para as agências dos jornais O Estado de S.Paulo, Jornal do Brasil e Folha de S.Paulo e conheço bem o preconceito e desconhecimento com os quais a região costuma ser tratada nas redações dos grande veículos.

Tenho satisfação de pertencer a uma geração que se inspira em Chico Mendes e conquistou expressão política em Marina Silva, Tião Viana e Jorge Viana, com o sonho de estabelecer um ciclo de humanismo e solidariedade na região mais remota do país.

A matéria de Veja, assinada por Leonardo Coutinho, coincidiu com a presença do governador Jorge Viana em Durban, África do Sul, para participar de um fórum internacional de meio ambiente, quando a rede WWF a ele concedeu o prêmio "Presente ao Planeta Terra" por ações em defesa dos recursos naturais da região.

Naquela semana, Jorge Viana criou o Parque Estadual do Chandless e três florestas estaduais destinadas à produção sustentável, totalizando 1 milhão e 177 mil hectares de áreas protegidas, cujos decretos foram assinados em 5/9/03, em Rio Branco (AC).

É muito estranho que Veja tenha preferido bombardear justamente o governador que tem procurado convencer os demais governadores da Amazônia a adotarem modelos de desenvolvimento na região em bases sustentáveis.

A reportagem de Veja caiu como prêmio nas mãos do governador Ivo Cassol, de Rondônia, que optou pelo desenvolvimento a qualquer preço, ao arrepio da lei e desconsiderando custos ambientais. Cassol quer restringir as áreas protegidas no estado, sejam elas Unidades de Conservação (bens públicos), ou Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente (dentro de propriedades privadas).

Disse Cassol em entrevista à Rádio 95,1, de Porto Velho (RO):


"Ele [Jorge Viana] que cuide de seu Estado. Já falou besteira demais. Como é que não temos projeto, propostas de desenvolvimento? É ele quem tem? Será mesmo? A revista Veja acabou com aquele discurso. O Acre agora passa a ser conhecido como o Estado da Motosserra. É inaceitável ouvirmos essas besteiras sobre Rondônia, quando todos sabem que no passado nos éramos extrativistas e os americanos levaram embora tudo com aval desses ambientalistas sem cabeça. Passamos pelo ciclo do ouro e nosso caminho agora é a pecuária, o agronegócio. A Jorge Viana nós repassamos um número atual: temos nada menos que 10 milhões de cabeças de gado, somos um dos maiores produtores de café e ele o que deu mesmo aos acreanos?"


É internacionalmente conhecida a preocupação do engenheiro florestal Jorge Viana com o desenvolvimento sustentável do Acre. A interpretação equivocada da leitura de mapas e dados feita pela maior revista do país trouxe desinformação aos leitores.

Num box a seção "Cartas" da edição desta semana, a revista afirma:


"Os valores de desmatamento registrados por Veja resultam da soma de três imagens críticas do sensoriamento. Duas cobrem também áreas que vão além das divisas do Acre. Por isso, o total publicado, de 1.208 quilômetros quadrados desmatados não corresponde ao que aconteceu dentro do Estado".


Em nota envia à revista, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) afirma que identificou a necessidade de uma nova auditoria nos dados sobre o desmatamento ocorrido em 2002 no estado do Acre, divulgados em sua página na internet. "Tal necessidade foi evidenciada na comparação entre os mapeamentos de desmatamento realizados pelo Inpe e pelo Imazon (Instituto de Meio Ambiente da Amazônia)." A nota admite que "há indicativos de que teria ocorrido uma superestimativa do desmatamento anteriormente divulgado pelo Inpe". O instituto chegou a retirar da página da internet (www.obt.inpe.br/prodes) as imagens e os dados das cenas 002-67, 001-67 e 005-65 relativas ao Acre. E explicou que a retirada indica que as imagens estão em processo de revisão.

"Único caminho"

O Inpe admite a possibilidade do erro, mas, de sua parte, Veja se mantém proficiente e afirma:


"Analisando, porém, apenas a terceira imagem, encontra-se uma evolução de área desmatada ainda mais surpreendente, em termos porcentuais. Pelos dados do Inpe, só nessa região, o ritmo do desflorestamento teria aumentado 600% em um ano".


A revista ignorou outros desmentidos que apontavam erros em sua reportagem. O WWF, por exemplo, pediu para que fosse esclarecido que a rede WWF, mencionada na matéria com o antigo nome Fundo Mundial para a Natureza (que não mais utiliza) concedeu o prêmio "Presente ao Planeta Terra" ao governador Jorge Viana por ações concretas e não por uma questão de marketing. Diz a nota da maior rede ambientalista mundial independente, integrada por organizações autônomas de mais de 30 países:


"Aproveitamos para chamar sua atenção para o fato de que a matéria cita os números do desmatamento, mas ignora o contexto, induzindo o leitor a uma conclusão equivocada. Os índices de desmatamento na Amazônia têm sido muito elevados, inclusive no Acre, que ainda é um dos estados mais preservados da região. No entanto, o WWF-Brasil acredita que sem a atuação do governo Jorge Viana, de apoio à atividade florestal sustentável e proteção à biodiversidade, o avanço do desmatamento no Acre seria ainda muito maior, como ocorreu em outros estados da Amazônia".


Daniel Nepstad, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia, sediado em Belém, monitora os trabalhos do Inpe na região. Ele também enviou carta à direção da revista Veja contextualizando o processo divulgado pela reportagem, mas foi ignorado. "Todo governador tem que conciliar as demandas, quase sempre contraditórias, de desenvolver e conservar seus recursos naturais. Não existe dúvida que o governo de Jorge Viana tem conseguido de forma exemplar conciliar essas duas demandas, de um lado investindo em infra-estrutura e do outro no desenvolvimento de recursos florestais do Estado", escreveu Nepstad.

O Instituto Socioambiental (ISA) também foi ignorado pela revista ao apontar falhas na reportagem. "A atribuição de responsabilidade política ao governo do Acre em relação ao aumento do desmatamento, como a matéria editada nos sugere, nos parece prematura", afirma a mensagem. Segundo o ISA, todos os indícios de aumento no desmatamento devem ser analisados e divulgados de forma responsável. "Ainda que venha a concluir que houve aumento no índice de desmatamentos ilegais no Acre em 2001-2002, as medidas e políticas de desenvolvimento sustentável implementadas pelo governo estadual deveriam ser ampliadas e intensificadas, não fazendo sentido debilitá-las e desacreditá-las, ao que a edição da matéria parece induzir".

O ISA conclui a mensagem à revista nos seguintes termos: "Reafirmamos a nossa opinião de que o desenvolvimento sustentável, que é também a reiterada opção política do governo Jorge Viana, é o único caminho capaz de reverter a tendência de aumento do desmatamento e de outras formas de impacto sócio-ambiental na região amazônica".

"Checagem de campo"

O pesquisador do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) Adalberto Veríssimo disse que o Acre detém o melhor método de leitura de imagens por satélite para verificar a ocorrência de desmatamento. "O sensoreamento do Imac [Instituto de Meio Ambiente do Acre] é muito mais detalhado do que o do Inpe", disse Veríssimo, argumentando que a escala utilizada pelo instituto acreano é de 1:50.000 (lê-se 1 para 50 mil). Isso significa que o detalhamento das imagens produzidas pelo Imac são muito mais fiéis à realidade.

A parceria do Imac com o Imazon rendeu um trabalho acadêmico na área de sensoreamento por imagens que será publicado na edição internacional da revista científica Jornal Internacional de Sensoriamento Remoto.

Veríssimo assinalou que a leitura das imagens feitas pelo Inpe tem problemas de superestimativa dos dados. "O INPE considera desmatada regiões de florestas que podem estar sendo exploradas de forma manejada ou que foram afetadas por incêndios naturais", disse.

Outro aspecto que coloca em dúvida os dados abordados pela reportagem publicada pela revista é que tanto o Imac quanto o Imazon fazem serviços constantes de "checagem de campo", o que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais não faz. "Portanto, temos boas imagens e vamos nos locais fazer a conferência, por isso digo que os dados divulgados pela reportagem não estão corretos", diz Veríssimo.

(*) Jornalista em Rio Branco, AC