PESQUISAS
Vera Silva (*)
À pergunta "Você acha que o transporte alternativo deve acabar?", alguns leitores responderam assim ao Correio Braziliense: NÃO, porque "nos convencionais [ônibus] temos segurança, mas passamos muita raiva"; "os motoristas das lotações tratam os passageiros muito bem […] tem lugar para viajar sentado"; "eles [os alternativos] são pontuais e fiéis; quando perco a hora, eles esperam […]"; "os piratas sempre passam nas paradas e chegam rápido ao destino. […] distribuem balas ou bombons no final da viagem". Por certo esse tipo de resposta também seria dado caso perguntassem aos clientes dos camelôs se eles deveriam ser expulsos das ruas ou caso perguntassem ao eleitor se o candidato que dá lote ou dentadura deva ser cassado.
As respostas me chamaram a atenção porque temos lido e falado muito aqui no Observatório da Imprensa sobre a pesquisite e seus benefícios e males. Quando se faz perguntas, dependendo de como se pergunta e a quem se pergunta, a resposta será aquela que se quer ter. Em outras palavras, pesquisas malfeitas podem apresentar resultados manipulados mesmo quando os dados são verdadeiros.
Seria então recomendável que discutíssemos por que jornais, TVs e sites na internet perguntam incessantemente a opinião dos usuários sobre os assuntos mais variados. Seria a pesquisite sintoma de alguma doença? Em caso positivo, o que a está provocando e qual seria o remédio para curá-la? Responder a estas questões é um imperativo, uma vez que tais pesquisas têm sido usadas para vender coisas, idéias e projetos para o futuro, e causa arrepios que sejam tão frágeis em suas bases.
No caso específico dos transportes-pirata, dos camelôs e dos políticos-amigos-do-povo, seria útil que examinássemos por que, apesar de ilegais, essas práticas continuam. As pessoas disseram que são bem tratadas pelos alternativos, provavelmente outras pessoas diriam que os camelôs vendem mais barato e são gentis com os mais pobres (experimente entrar numa loja de shopping vestido como pobre), provavelmente diriam que, como os políticos só enxergam os pobres na campanha eleitoral, eles têm que aproveitar o momento para conseguir sair do sufoco.
Parece que a doença está sendo provocada pela falta de visibilidade do povo brasileiro. Ele não é visto pelos que planejam a economia, os meios de comunicação, o sistema educacional, a saúde, o lazer etc. Qual criança indesejada, ele incomoda os pais da pátria com seu choro constante: ora com fome, ora com sono, ora com dor de barriga, ora pedindo colo e carinho. A solução é dar comida e trocar as fraldas de forma planejada e deixá-lo chorar até que aprenda que os pais da pátria é que sabem do que ele precisa. Aprendida a lição, o povo ficará invisível e não importunará mais o visual da elite.
Forma de controle
Esta falta de visibilidade provoca uma enorme carência afetiva, um desejo de aparecer, de ser visto pelos pais, para que possa se sentir amado. Caso contrário, o povo morrerá de uma doença chamada desamparo, que mata velhos e crianças abandonados em asilos. A busca da visibilidade começa, frenética e desesperadamente, para fugir da morte. Tudo é válido para se fazer ver, ouvir, escutar, sentir sabor e calor humano: expor-se na TV, contar seus dramas nas revistas semanais, responder às pesquisas.
A crença de que a exposição vai gerar visibilidade é que alimenta a pesquisite. Não importando o grau de desenvolvimento da pessoa, respondendo a pesquisas, mesmo que anonimamente, cada um se sente ouvido, considerado em suas razões, tendo importância e sendo parte na sociedade. Quando os resultados saem, confiamos neles, porque respondemos com honestidade de alma à pergunta, portanto, as pesquisas representam realmente o que o povo pensa.
Aí está o perigo. Quando chegamos a este ponto máximo de visibilidade social parecemos pensar que estes resultados, vindo de respostas verdadeiras, são verdadeiros em suas conclusões, então podem chancelar a propaganda enganosa (os falsos depoimentos de falsos profissionais são um exemplo dessa utilização em propaganda), os projetos enganosos de governo, qualquer coisa passa a ter credibilidade desde que o veículo usado para chancelá-la tenha credibilidade em si mesmo.
A pesquisite parece ser uma sofisticada forma de controle social que permite que nos sintamos parte de um todo que nos exclui sem que o percebamos. Traz-nos a felicidade de não mais estarmos invisíveis para a mídia e para o governo. Como não sabemos que pesquisa é outra coisa, como não conhecemos como uma pesquisa deve ser feita para ter alguma validade, engolimos a comida que nos dão e pensamos que trocarem a nossa fralda é um gesto de carinho.
(*) Psicóloga
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