Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Espaço para púlpito e palanque

80 ANOS DE RÁDIO

Mozahir Salomão (*)

O rádio no Brasil completa 80 anos com muitas indefinições, desafios de sobrevivência econômica e tendo que recolocar-se em uma sociedade onde já se destaca uma super-oferta de informação imediata e de fácil acessibilidade . Por outro lado, é incrível como a mídia radiofônica parece ainda liderar a paixão do público. É certo que, historicamente, o amor pelo rádio não garantiu a permanência da audiência e a manutenção do nível de participação do bolo publicitário. A despeito disso tudo, o rádio se vê às voltas com nossas possibilidades no campo técnico da transmissão digital, tem se valido muito dos satélites e já busca caminhos na web.

Os dados mais recentes do negócio rádio têm gerado mundialmente um certo otimismo pelo menos pelo fato de que o rádio parou de empobrecer. Está longe, no entanto, de voltar aos ótimos tempos de ser dono de 60% dos recursos publicitários disponíveis no Brasil. Da década de 60 para cá, o rádio enfrentou praticamente 40 anos de seguidas crises. O surgimento da televisão na década de 50 e seu fortalecimento na década de 60, acompanhados do regime de exceção política que inibiu o improviso, uma das principais características dessa mídia, impuseram ao rádio brasileiro perdas importantes e descontinuidades que até hoje têm reflexo quando analisamos o rádio como meio de comunicação de massa.

A Freqüência Modulada (FM) resgatou para o rádio na década de 70 um público importante: ouvintes jovens que ? com raras exceções de poucas emissoras ? não se sentiam lembrados e atendidos nas suas preferências musicais e estilo de programação. O que parecia ser para o rádio uma grande oportunidade de recuperação acabou por transformar-se em um processo de verdadeiro seqüestro da autonomia dessas novas emissoras. As contratações e acordos que as emissoras de rádio fizeram com as gravadoras internacionais e algumas nacionais colocassem as rádios como reféns das determinações da indústria fonográfica. Um processo verticalizado que ia desde a faixa que deveria ser mais tocada (música de trabalho) até a presença desses discos nas lojas.

Seria menos dramático se não houvesse por trás de tudo isso uma política absurda com que no Brasil se fez a concessão pública dos canais de rádio AM e FM. Moeda de troca política nas mãos do presidente da República, os canais de rádio serviram para garantir prorrogação de mandato presidencial e aprovação de tantos outros projetos de interesse do Executivo. Os deputados federais e senadores ganharam muitas, muitas emissoras de rádio. Mesmo hoje, se em dia de plenário cheio no Congresso alguém pegar o microfone e perguntar quem tem emissora de rádio e TV, muitos parlamentares levantariam a mão.

Torcida pelo AM

Pode parecer brincadeira. Mas não é. Das questões citadas até agora, o perfil do concessionário mostra-se a mais grave. As concessões de rádio no Brasil estão concentradas nas mãos de políticos e igrejas. Os primeiros, com a facilidade de consegui-las politicamente. Os outros, com a facilidade de comprá-las a peso de ouro. A falta de gente do ramo (verdadeiros empresários de comunicação) faz com que o negócio seja menos competitivo. O dial do brasileiro virou espaço dos púlpitos e palanques eletrônicos. A comunicação radiofônica perde em qualidade, em seriedade e compromisso com os verdadeiros papéis e funções que o rádio deveria estar cumprindo. .

A Anatel ? incansável vigilante das rádios comunitárias ? se descuida de coisas graves no setor das rádios ditas legais, comerciais. A venda de canais educativos, por exemplo, é um absurdo que explode no espaço eletromagnético. De onde falo, Belo Horizonte, há um canal de AM desativado há anos. E ninguém fala nada. Outro exemplo: por que não se consegue fazer nada contra o descumprimento da determinação de que parte da programação seja destinada ao jornalismo e à prestação de serviço?

É uma pauta de questões para a sociedade discutir com urgência. Questões sobre as quais o Conselho de Comunicação Social deve deter-se verdadeiramente. O lobby dos empresários de comunicação é fortíssimo, mas não tem sido inteligente o bastante para perceber que o inimigo não é exatamente o responsável pela transmissão artesanal e comunitária (apesar, de, reconhecidamente, haver alguns casos de abusos e concorrência desleal).

Quem prejudica e coloca em risco o rádio no Brasil é quem desvirtua o papel e o sentido de existir dessa mídia. Igrejas podem ter rádio? Até que sim… mas para que tantas? Já a figura do político concessionário de emissora de rádio ou TV é uma verdadeira excrescência. Não há argumento que justifique isso. Quem diminui a competitividade e desvaloriza o rádio como produto e negócio é a presença de tanta gente que pouco tem a ver com a comunicação. O rádio fica menos interessante. Menos útil para a sociedade. Mais vulgar.

A tecnologia de transmissão digital se avizinha mais rapidamente do que imaginamos. Esta seria uma boa hora para se discutir amplamente todas essas questões. No caso do rádio AM, a constante e acelerada queda de público e a fuga de emissoras que estão sendo clonadas para o FM deixam a impressão de que as Ondas Médias estão naquela desesperadora situação do enfartado dentro da ambulância. A sobrevivência do paciente depende a essa altura mais do desempenho do motorista e das condições de trânsito do que do próprio doente.

Triste fim para um tipo de mídia que durante pelo menos 30 anos foi o meio de comunicação mais importante e influente no país. É torcer pela sobrevivência das Ondas Médias. Com o AM, de alguma maneira, morreria um pouco da memória de cada um de nós.

(*) Diretor da PUC-TV/ em Minas