Monday, 18 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Esse filme vem perdendo ibope

CÂMERAS OCULTAS

Carlos Alberto Martins Netto (*)

É cada vez mais freqüente o número de denúncias de corrupção no país. Interessante é que a grande maioria dessas denúncias é comprovada através de registros sonoros e visuais (as famigeradas câmeras escondidas, escutas telefônicas e gravadores tipo "pega ministro"). A tecnologia a serviço da comunidade.

Qual a legalidade de todo esse serviço secreto? Câmeras e gravadores ? ligados, evidentemente ? intimidam qualquer pessoa, mesmo aquelas que nada temem. Será? Então estaria correto o quarto poder produzir, quase que diariamente, uma matéria com lentes escondidas? A TV Globo é especialista nesse assunto.

O Jornal Nacional e também o Fantástico, programas com os maiores índices de audiência da emissora, viraram excelentes escritórios de detetives particulares. A cada denúncia parece que estamos assistindo a um filme de James Bond. A pergunta que faço é a seguinte: quem trabalha na imprensa é o jornalista, o detetive ou o investigador de polícia? Acho que nenhum dos três, e sim um ator. O jornalista representa muito bem o papel desses profissionais. A mais recente representação foi aquele jornalista que assumiu o lugar do chefe de gabinete da Prefeitura de São Gonçalo, no RJ, e, como não poderia deixar de ser, mais uma vez a câmera estava lá (escondida, claro!).

Já ouvi alguns intelectuais do planeta acadêmico comentarem que esse tipo de artifício utilizado pelos jornalistas para conseguir matéria não é válido. Está longe de ser um gênero de jornalismo investigativo, além do que fere os princípios éticos da profissão por invadir a privacidade das pessoas. Outros moradores desse planeta afirmam que está tudo certo. Se os jornalistas não utilizassem esses recursos técnicos camuflados seria impossível encontrar alguém para confirmar abertamente, diante de câmeras e gravadores, que é corrupto, ladrão, traficante etc.

Enredo chato

Mas, ao que parece, de nada adianta a maneira como vêm sendo desvendadas as graves denúncias de maracutaia. A sensação inicial é de "agora está tudo resolvido", o bandido vai mofar na cadeia, e ainda por cima que isso sirva de exemplo para outros espertinhos. Porém, a sensação é tão passageira quanto a própria denúncia. Quando vai ao ar é aquele estardalhaço, sai todo mundo gritando "pega ladrão"! Muitas vezes, entretanto, ele foge e até dá aquele tchauzinho para a câmera.

É o day after. O jornalista, agora sem a câmera escondida, procura aquele que disse, e se o encontrar certamente ele vai falar que não disse. Ou nem isso. O negócio está tão roteirizado que parece não intimidar mais ninguém. Tanto é que numa das últimas denúncias com câmera escondida ? a do médico vendendo atestado e receita médica, no Jornal Nacional ? no day after ele recebeu a reportagem da emissora, confirmou tudo e explicou: "Vendo sim, mas aos pobres."

Antes mesmo de questionar a conduta, ética ou não, da imprensa conduta, se isso é jornalismo investigativo, furo de reportagem ou o que seja, temos que avaliar seu resultado. Resolve alguma coisa ficar mostrando esse show de denúncias, se não decorre disso uma atitude mais séria e eficaz da Justiça?

O povo quer ver bandido na cadeia. Se isso não acontece, de nada adianta a imprensa fazer papel de mocinho que vive correndo atrás de ladrão. O enredo desse filme está ficando cada vez mais chato. Qualquer dia desses pode não dar mais aquele ibope.

(*) Jornalista da revista Folha do Parque