ESPERANÇA
"Novela estréia sem empolgação", copyright Folha de S. Paulo, 19/06/02
"Uma novela chata. Nem uma transa entre Toni (Reynaldo Gianecchini) e Maria (Priscila Fantin), lindamente apaixonados, namorando em segredo sobre o feno; nem o cenário-verdade da pequena e romântica Civita, na Itália; nem o elenco, familiar cativante, foram suficientes para dar vida ao primeiro capítulo de ?Esperança?, a novela da Globo que estreou anteontem.
A nova novela promete capricho na direção de arte. Cenários, iluminação e figurinos, áreas em geral pouco valorizadas na televisão, merecem aqui, como em outras realizações de Luiz Fernando Carvalho, atenção especial.
Mas o cuidado de produção não é suficiente para fazer uma história capaz de cativar uma torcida. A apresentação dos personagens ainda ingênuos, antes dos primeiros reveses, que vêm ainda essa semana, difundiu uma alegria bem vinda, mas artificial.
Como é convencional em minisséries e novelas ambientadas no passado, há aqui a pretensão de situar a trama em meio a acontecimentos históricos relevantes.
A verossimilhança e a legitimidade dos dramas de amor impossível, casos de identidade trocada, casamentos forçados pela conveniência, estaria dada por uma espécie de telerealidade histórica: a crise econômica internacional, Getúlio Vargas, a imigração, a decadência dos barões do café, a efervescência de uma época que em certo sentido definiu os rumos do século 20 no Brasil.
Publicidade e história
O mecanismo está tão explícito que faz tanto o pano de fundo histórico quanto a narrativa soarem falsos. A publicidade de página inteira, frente e verso, da novela nos principais jornais do país é sintomática.
Uma edição fictícia de ?O Globo? de junho de 1931 noticia a história de amor proibido que motiva a migração do herói para o Brasil ao lado de histórias sobre o crack da bolsa de Nova York, sobre os imigrantes que vêm de outras partes, como da Rússia, sobre agitações políticas.
Algumas notícias revelam o descolamento da narrativa, que atribui valores contemporâneos aos tempos de então, chamando a atenção para questões que fazem notícia hoje, como o assédio sexual, mas que não chamavam a atenção na época.
Em tempos de campanha eleitoral, não faltam candidatos que procuram legitimar seu discurso com referências a novelas. A propaganda do PFL trouxe Romeu Tuma além de depoimentos de cidadãos com experiência de sequestro, tratados no estilo ex-viciados introduzido por ?O Clone? -imagens de pedaços de rostos fragmentados em primeiro plano, editados de maneira a garantir a privacidade do contribuinte.
Mais atualizado, José Genoíno, candidato a governador pelo PT, terminou discurso na segunda-feira, com mensagem de ?Esperança?.
Novela e política foram se mesclando durante o regime autoritário, quando faltavam espaços para a circulação livre de idéias. Em tempos de democracia, crise e transformação social, uma relação quase umbilical já não aparece da mesma forma. Telespectadores e eleitores estão atentos a ganchos indevidos e à repetição de velhas fórmulas. Desejam a ousadia da idéia nova."
"Carvalho mostra menos do que sabe em ?Esperança?", copyright O Estado de S. Paulo, 19/06/02
"Para uma dupla que realizou Renascer (1993) e O Rei do Gado (1997) – falamos aqui do autor Benedito Ruy Barbosa e do diretor Luiz Fernando Carvalho – o primeiro capítulo de Esperança ficou, com perdão do trocadilho, aquém do esperado. Não fossem essas duas novelas do passado, cujos primeiros capítulos estão entre as mais belas produções da TV, a estréia de anteontem teria sido até que boa.
Carvalho pode mais que isso, é verdade, mas convém combinar perfeccionismo ao ritmo industrial da TV. É um casamento quase inviável. Em Os Maias, o diretor tanto refez gravações, edições e sonorização, que acabou perdendo a hora: não conseguiu editar o primeiro capítulo em tempo, obrigando a Globo a exibir apenas 20 minutos de programa no dia da estréia. A redução forçada comprometeu toda a série, com prejuízos maiores para a audiência da primeira semana.
Sim, por falar em audiência, o primeiro capítulo de Esperança respondeu com 47 pontos de média na Grande São Paulo (2,209 milhões de domicílios), exatamente o mesmo resultado do primeiro capítulo de sua antecessora, O Clone.
E que alívio ligar a TV e já não ouvir mais ?sobre as nossas cabeças o Sol, sobre as nossas cabeças a Lua…?, ou ?somente por amooor…?. A trilha sonora da vez é muito mais convidativa e, por que não dizer, educativa. Só o rigor de Genaro, personagem de Raul Cortez, ao atribuir a qualquer música que não seja erudita a classificação de ?cançoneta estúpida? já vale um merchandising social para os ouvidos do público.
Os italianos, de novo – É bom que Ruy Barbosa tenha se esmerado em responder, em todas as entrevistas, que Esperança não é uma continuação de Terra Nostra, que a novela é outra, que além de imigrantes italianos ele contará também a história de imigrantes espanhóis, de judeus de todas as partes, etc., etc. Era necessário avisar que outros povos virão nos próximos capítulos, ou então, estaríamos todos aguardando pelo aparecimento, a qualquer momento, dos netos de Giuliana e Matteo.
O autor só não tinha por que se eximir de repetir o sotaque italiano – se Manoel Carlos sempre conta uma história que se passa no bairro do Leblon e Aguinaldo Silva até brinca com a repetição de suas cidades fictícias com prostíbulo-igreja-prefeitura-delegacia, que mal há nos italianos de Benedito Ruy Barbosa?
A época é outra, mas os amores impossíveis são eternos. De novo, o mocinho quer fazer a América e escolhe o Brasil como destino. A diferença é que, dessa vez, ele conhece a moça na Itália, não no navio, e a fuga é alternativa para escapar do pai da mocinha, o fascista Giuliano (Antônio Fagundes).
Na ânsia de falar à massa, sobram cenas de ensino público. É que não basta que Raul Cortez acuse o personagem de Fagundes de fascista. É preciso mostrar Giuliano hipnotizado pelo rádio, diante da transmissão de um inflamado discurso de Mussolini, ?il Duce?.
Repare na graça: O Clone tinha a preocupação de explicar a genética que poderá permitir, no futuro, a clonagem de um ser humano. Agora, tamanho é o descrédito de que o povo conheça História, que a novela se consome em explicações sobre um passado mais que sacramentado. Melhor assim.
Nessa mesma linha, e sem cair na armadilha do didatismo, Walmor Chagas conta ao sobrinho que não se deu bem na vida com o anarquismo. Quando percebeu que isso não o levaria a nada, virou comunista. E a essa altura, é um comunista tuberculoso, sem serventia alguma.
Walmor conduziu as melhores seqüências do capítulo. Pena que o personagem já tenha data marcada para sair de cena – sua morte está prevista para ir ao ar amanhã.
E Raul Cortez, que felicidade a de interpretar um terceiro italiano em novela de Benedito Ruy Barbosa. Vê-lo em um só capítulo foi suficiente para saber que Genaro nada tem de Francesco (Terra Nostra) ou de Berdinazzi (O Rei do Gado).
Pena que haja tanta precisão pelo sotaque de uns e tanto descaso pelo de outros. Por que Lúcia Veríssimo fala ?carioquês?? Seria um papel de herança portuguesa? Mas o filho da personagem fala ?paulistês?, ué!
O casal de protagonistas não é uma tragédia, mas está em maus lençóis.
Reynaldo Gianecchini e Priscila Fantim estão longe da categoria Luciano Szafir. De qualquer modo, ambos têm um desempenho ainda muito modesto para não saírem arranhados depois de contracenar com Fernanda Montenegro, Cortez, Walmor e Eva Wilma.
Fotografia – Finalmente, a baixa no padrão de qualidade de Luiz Fernando Carvalho tem uma vantagem. Pelo menos, não veremos uma novela tão diferente dos primeiros capítulos pelos próximos meses. Em Renascer e O Rei do Gado, os capítulos iniciais eram cinematográficos. Passadas as duas semanas iniciais, ambas entraram na pastelaria global.
Esse é um risco praticamente descartado, desta vez, a não ser pela fotografia, que deu o seu melhor na estréia. Vamos esperar para ver."