Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Estrela Serrano

DIÁRIO DE NOTÍCIAS

"Aritmética e sondagens", copyright Diário de Notícias, 23/7/01

"As sondagens desempenham um importante papel na cobertura jornalística da política como instrumento de pressão sobre os detentores de cargos públicos. Com efeito, apesar de o sufrágio universal continuar a ser o principal meio de legitimação do poder, jornalistas e institutos de sondagens verificam e questionam, com regularidade, a legitimidade dos políticos. À legitimidade tradicional fundada na duração de uma eleição para vários anos, os media contrapõem uma ?legitimidade do quotidiano?, sempre renovada mas nunca adquirida. Dir-se-ia que a eleição não assegura, por si só, a legitimidade plena para um mandato, nem é adquirida de pleno direito, devendo ser permanentemente renovada através da consulta frequente dos cidadãos.

As sondagens são, contudo, úteis aos políticos e aos jornalistas. Para os primeiros, constituem um precioso auxiliar da acção política e governativa, funcionando como uma espécie de ?apoio psicológico?, quando é preciso mudar, ou afinar, as regras do ?jogo?. Para os jornalistas, surgem como uma fonte inesgotável de notícias. Criam acontecimentos e ?factos políticos?, provocando declarações, reacções e múltiplas interpretações de analistas e políticos, com base nas quais se enchem páginas de jornais e tempo de antena. Fornecem, além do mais, informação ?científica?, isto é, baseada em dados empíricos, e possuem a ?mística do rigor?. Além de disponibilizarem uma enorme quantidade de informação, as sondagens criam um ciclo de informação/reacção que dá ao público a impressão de que a sua opinião é importante, o que favorece a apreensão dos seus resultados.

O tratamento jornalístico de sondagens requer conhecimentos específicos e reveste-se de alguma sensibilidade. Os resultados de sondagens prestam-se a várias interpretações, como provam ?as noites eleitorais?, em que quase nunca os vencidos se assumem como tais. Uma leitura incompleta e pouco rigorosa dos dados de uma sondagem pode ter consequências gravosas para a imagem das pessoas, ou instituições, submetidas a escrutínio, além de enganar ou confundir os leitores que não tenham a curiosidade de verificar, em pormenor, esses dados. O caso torna-se particularmente sensível quando os resultados são destacados na primeira página de um jornal. O DN publica, semanalmente, na sua edição de domingo, resultados de sondagens, com base nos quais constrói, geralmente, o título de capa. No dia 24 de Junho, o título era: ?Sondagem – Guterres é mau.? Em subtítulo, indicava-se: ?46 % dos inquiridos chumbam a actuação do PM, contra 9 %, que a consideram positiva, e 42 %, suficiente.? Esse título provocou protestos dos leitores Américo Duarte, Alberto Arons de Carvalho e Joaquim Neves. A. Duarte considera grave que os jornalistas ?não saibam aritmética?, uma vez que ?51 % apoiam o PM?. Arons de Carvalho afirma que o título é ?pouco rigoroso?, dado que ?a percentagem dos inquiridos que consideram a actuação do PM muito boa / boa ou suficiente é superior à dos inquiridos que a qualificam como má / muito má?. Joaquim Neves fez as mesmas contas, classificando a notícia como ?um logro e um desrespeito aos leitores do DN?. Solicitado a pronunciar-se, o director do DN admite que ?o título da edição em causa seja passível de discordância?.

A provedora analisou os dados publicados e constata que o DN isolou, no título de capa, o resultado das respostas à categoria ?má / muito má? (46 %), em vez de ter optado pela soma das duas outras categorias, ?muito boa / boa? (9 %) e ?suficiente? (42 %), o que corresponde a 51 % dos inquiridos.

Pode questionar-se se o mais importante, nos resultados de uma sondagem, são as opiniões da ?maioria relativa? dos inquiridos ou se, pelo contrário, interessa sobretudo conhecer o sentir da ?maioria absoluta? das opiniões expressas relativamente a uma situação concreta. Na sondagem do DN, a maioria relativa dos inquiridos manifestou-se pelo ?mau?, mas a maioria absoluta manifestou-se pelo ?suficiente? e ?bom?. Tal como é apresentado, o título é, efectivamente, pouco rigoroso, uma vez que, ao dizer que ?Guterres é mau?, faz crer que essa é a opinião da maioria (absoluta) dos inquiridos, o que não aconteceu na sondagem apresentada.

O DN cedeu, pois, à tentação de atrair os leitores através de uma primeira página de grande impacte, patente no negativismo da palavra ?mau?, potenciado pela cor e dimensão dos caracteres. Mesmo numa edição ?ultraligeira? e informal, como a de domingo, o DN, pelo lugar que ocupa no universo mediático português, não pode permitir-se ?ignorar o jornalismo rigoroso e sereno que foi seu apanágio durante muitos anos?, para que os leitores ?não venham a perder a confiança que nele depositam?, como referem, respectivamente, Arons de Carvalho e Joaquim Neves.

A construção de um título apelativo não deve ser feita com prejuízo da clareza da informação, ainda que, no caso presente, os leitores tivessem oportunidade de verificar os dados em gráficos apresentados nas páginas seguintes. A provedora não crê, contudo, que tenha havido a intenção de enganar os leitores, embora seja legítimo concluir que o desejo de provocar um efeito dramático se sobrepôs ao rigor da informação. Não é apenas a imagem do visado no título – neste caso, o primeiro-ministro – que sai danificada. É o próprio jornal, que, malbaratando a sua credibilidade, prejudica a sua imagem.


Bloco-notas

?Um pouco de história?

A importância das sondagens como fonte de informação para os media é um fenómeno relativamente recente. Segundo Katlheen Frankovic, directora de sondagens da CBS News, nos EUA, até cerca de 1935, eram os próprios jornais que realizavam as suas sondagens, utilizando métodos não científicos. Só a partir dessa altura, G. Gallup e E. Roper iniciaram um novo tipo de sondagens, com amostras estruturadas, o primeiro para um consórcio de jornais e o segundo para o magazine Fortune. O primeiro teste a uma sondagem ?científica? foi feito em 1936, através da previsão da vitória do candidato presidencial Franklin Roosevelt efectuada pela empresa Gallup.

?Expansão?

O aperfeiçoamento do método de auscultação levou à expansão das sondagens ?científicas?, a partir de 1936. Os media noticiosos passaram a dispor de sondagens sobre assuntos variados, incluindo maior número de perguntas. As questões colocadas nesses anos iniciais conferiram-lhes um ?tom? que se mantém até hoje. Em 1940, uma sondagem Gallup perguntava ao público se aprovava a maneira como o Presidente F. Roosevelt desempenhava o seu cargo e quais eram os problemas que os americanos consideravam mais importantes.

Em 1940, 118 jornais fizeram contrato com a Gallup, enquanto a sondagem da Fortune se tornava mensal. Entre 1943 e 1948, pelo menos 40 empresas noticiosas conduziam as suas próprias sondagens, usando métodos ?científicos?. Em 1948, os responsáveis da Gallup e da Fortune tornavam-se vedetas nacionais, com shows na televisão e na rádio. Apesar de alguns falhanços, os jornais pareciam acreditar cegamente nas previsões. Mas a vitória de Truman foi devastadora para a Gallup, que previu a sua derrota contra Dewey. O carácter científico das sondagens foi posto em causa e a empresa perdeu alguns subscritores. A partir daí, os clientes tornaram-se mais hesitantes relativamente aos resultados das sondagens.

?Tecnologia?

Os avanços tecnol&oacoacute;gicos vieram tornar mais fácil a auscultação da opinião pública, nomeadamente, através da entrevista telefónica. As sondagens tornaram-se uma prática corrente durante e entre os períodos eleitorais. Os media noticiosos estabeleceram parcerias entre si, partilhando custos e rentabilizando os resultados através de processos combinados de divulgação no audiovisual e nos jornais.

?Fonte de informação?

As sondagens institucionalizaram-se como fonte de informação. Stuart Dodd, director do Laboratório de Opinião Pública de Washington, afirma que as sondagens figuram entre as crenças mais comuns da audiência, que vê nelas a ?verdade dos números?. Por isso elas se tornaram fonte de poder político. Enquanto eram controlados apenas pelos políticos, a sua divulgação pública era limitada aos seus interesses. Controladas pelos jornalistas, como acontece actualmente, os seus resultados tornam-se mais espectaculares, a sua divulgação é mais vasta e o seu papel como instrumento de contrapoder mais eficaz."

    
    
              

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