Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Estrela Serrano

A VOZ DOS OUVIDORES



DIARIO DE NOTÍCIAS

"Contraste", copyright Diário de Notícias, de Lisboa, Portugal, 14/5/01

"O título desta coluna foi inspirado pelo leitor Manuel Correia, que escreveu à provedora a propósito da notícia do correspondente do DN na Alemanha, Eduardo Hélder, publicada no dia 9 de Abril p.p., intitulada ?Costa Gomes ?serviu? Stasi?. A notícia reproduz parte das declarações do historiador alemão Jochen Staadt, que publicou um artigo no üMO4ýFrankfurter Allgemeine ZeitungüMO0ý com base nos arquivos da Stasi.

O leitor considera existir um ?contraste? entre o que a provedora escreveu nesse mesmo dia sobre ?o valor do título? e a notícia sobre o marechal. Diz o leitor: ?Temos, numa página, a assunção de que ?O título é o lugar privilegiado do acontecimento?. (…) A provedora recorda, indirectamente, que, aos olhos dos leitores, (…) o título é o elemento mais estruturante e mais decisivo no conjunto da peça. Temos, na página do lado, a utilização do título para tomar o partido da suspeita (…) e adensar um julgamento político e ideológico, no mínimo, sumário.? Continua o leitor: ?O verbo servir vem entre aspas, mas vem. Por isso, a titulação é duplamente insinuosa.? E pergunta: ?É legítimo titular assim? Terá o marechal sido ouvido sobre a matéria que tem obrigação de conhecer bem?? Manuel Correia solicita um comentário ao que considera ser ?um contraste interessante? entre o texto da provedora e a notícia do jornal. A provedora pediu à editora da secção Nacional um comentário às observações de Manuel Correia.

Maria de Lurdes Vale (MLV) não concorda com a interpretação ?duplamente insinuosa? que o leitor faz do título. ?Fomos até bastante cautelosos (…) porque, na realidade e segundo o relato do historiador, o marechal serviu os interesses da Stasi?, diz a editora. ?Quanto ao contacto com o marechal no domingo, note-se que a notícia fala por si. O nosso correspondente relata o que vem escrito no jornal alemão sobre o assunto. No entanto, no dia seguinte, fizemos todos os possíveis para ouvir Costa Gomes, mas informaram-nos que ele não poderia dar qualquer esclarecimento sobre o tema. O que, aliás, foi escrito no jornal na edição de terça-feira?, acrescenta MLV.

São de vária ordem as questões suscitadas pelo leitor. Relativamente ao ?contraste? que refere, as opiniões e recomendações da provedora não obrigam os jornalistas do DN a segui-las. A provedora actua sempre üMO4ýa posterioriüMO0ý, depois de ouvidos os autores das notícias em causa. A sua acção poderá ser eficaz se os jornalistas entenderem as suas apreciações como resultando de uma reflexão séria e aprofundada. Em qualquer caso, pelo facto de tornar públicas as queixas dos leitores, relativamente ao conteúdo do jornal, a provedora constitui uma instância de apelo ao respeito pela deontologia. A notícia em análise envolve apreciações de natureza ideológica, que se revestem sempre de grande sensibilidade. Apesar de ter sido produzida com base em provas documentais, apresentadas pelo jornal alemão de que o DN se fez eco, seria aconselhável ter procurado opiniões de outros especialistas. Por outro lado, a circunstância de, no dia seguinte, o DN ter publicado a informação de que o marechal ?não poderia dar qualquer esclarecimento sobre o tema? não anula a omissão praticada no dia anterior. ?Os factos devem ser sempre comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso?, refere o Código Deontológico do Jornalista.

Além disso, teria sido adequado fazer um enquadramento da notícia. Um facto isolado do seu contexto produz apenas uma visão fragmentada da realidade. O caminho até à verdade é, por vezes, longo e, como todos os jornalistas sabem, um dos primeiros actos da informação é o acesso à fonte. Dado que o jornalista só raramente é testemunha directa dos factos que noticia, não existe informação que não tenha de ser completada e esclarecida. A urgência do trabalho jornalístico reduz, frequentemente, a procura do conhecimento global dos factos, dos seus antecedentes e das opiniões sobre eles à mera confirmação da fiabilidade e credibilidade da fonte, o que é sempre problemático. A deontologia releva de uma aprendizagem permanente e do exercício atento e escrupuloso de uma profissão que é mais difícil e ingrata do que parece quando se pretende exercê-la bem.

Quanto ao título – ?Costa Gomes ?serviu? Stasi? -, o uso de aspas na palavra ?serviu? constitui a marca de distanciamento do jornal relativamente à investigação do historiador alemão. Mas a palavra está lá, como diz o leitor. Com a carga de valores que lhe é própria e com a que cada leitor lhe quiser atribuir. Não constando do corpo da notícia, corresponde, no entanto, à sua substância. Contudo, o uso de ?expressões inutilmente pejorativas ou insinuações que possam desacreditar, sob qualquer aspecto, pessoas ou grupos? é desaconselhado pela deontologia jornalísica (1).

Sobre a fotografia do marechal – a três colunas, com a legenda ?Revelação. Historiador alemão diz que Costa Gomes era um dos elementos ideologicamente mais firmes do grupo? – escreve o leitor: ?O marechal afivela aquela máscara de sorriso e olhar alongado que lhe conhecemos, à mercê do que o jornal o puser a dizer.?

Trata-se de uma fotografia de arquivo, devidamente identificada, que dá muito mais a reconhecer do que a conhecer. Como refere Maurice Mouillaud (2), se o julgamento de um texto é sempre aleatório, é-o ainda mais quando o leitor tem na sua frente uma fotografia.

(1) Bertrand, C.J. (1999) ?La déontologie des médias?, 2.? ed., PUF.
(2) Mouillaud, M., & Tétu, J.F. (1989). ?Le Journal Quotidien?. Lyon: Presses Universitaires

Diferenças – No congresso anual da ONO, a correspondente do New York Times (NYT) em Paris, Suzanne Daley, apontou algumas diferenças entre o jornalismo americano e o francês. Segundo ela, em França, os jornalistas envolvem-se no debate político através da tomada de posição nas notícias que escrevem. Citou o caso das acusações feitas, recentemente, ao Presidente Chirac, cobertas pelo Le Monde através de ?fugas? de informação. O NYT não pode fazer isso, disse Daley, sem primeiro ouvir todas as partes e investigar por sua própria iniciativa. Só depois publica. Isso exige recursos e tempo, disse, mas não há alternativa à procura da verdade. Outra diferença é a importância que o jornal francês concede à opinião dos colaboradores, que, segundo a jornalista, têm maior representação que os jornalistas.

EUA – O Livro de Estilo do Washington Post (WP) incorpora os princípios enunciados pela correspondente do NYT em Paris, ao referir que os motivos daqueles que fazem valer os seus pontos de vista (junto do jornal) devem ser sempre examinados. É preciso ter em conta que esses motivos podem ser nobres ou baixos, claros ou dissimulados, refere o Livro. A procura de pontos de vista opostos deve ser rotina e o comentário das pessoas visadas em peças jornalísticas deve ser sempre incluído nessas peças, segundo o Post.

França – Em França, o Sindicato da Imprensa Quotidiana Regional aprovou em 1995 um vade-mécum que constitui uma verdadeira carta de regras e usos profissionais. Nele se explicitam princípios de seriedade e de rigor que noutros códigos e cartas surgem menos desenvolvidos. Diz, p. e., que o jornal deve assegurar o acompanhamento das informações que publica, através de comentários, análises, correcções ou precisões. Quanto à linguagem, sublinha a preocupação que os jornalistas devem ter no uso de expressões que, de algum modo, possam ferir ou ultrajar pessoas, recomendando ?prudência? e ?moderação? no tratamento da informação.

Alemanha – O Código de Imprensa alemão é um dos mais completos e dos poucos que fazem referência aos títulos. Nele se diz que ?as notícias e as informações, na forma de texto e de imagem, destinadas a publicação devem ser controladas, quanto à verdade do seu conteúdo, com toda a atenção permitida pelas circunstâncias. O seu sentido não deve ser nem desviado nem falseado pelo seu tratamento, pelo seu título ou pela sua legenda… (…). Na reprodução de uma fotografia simbólica, a legenda deve indicar, claramente, que não se trata de uma imagem documental?. Referência aos títulos e fotografias encontram-se, também, no Código de Ética da Sociedade dos Jornalistas Profissionais (SPJ), o qual recomenda que o jornalista se assegure de que os títulos, fotografias, citações e materiais gráficos não distorcem, ampliam ou sublinham assuntos fora de contexto e que todas as montagens e ilustrações fotográficas são convenientemente legendadas."


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