Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Estrela Serrano

DIÁRIO DE NOTÍCIAS

"Comentadores e eleições", copyright Diário de Notícias, 25/3/02

"As campanhas eleitorais constituem momentos privilegiados para o estudo do jornalismo e da política. Os jornalistas representam as campanhas segundo três enquadramentos principais: como uma escolha entre propostas políticas competitivas, como um meio de avaliar, comparativamente, as qualidades dos candidatos e a respectiva capacidade de liderança, e como um jogo que será ganho ou perdido através de tácticas e manobras. Segundo a grande maioria dos estudos sobre este tema, publicados na Europa e nos EUA, o que predomina, na representação das campanhas eleitorais, é o ?jogo? entre candidatos. Mas a representação das campanhas eleitorais não é feita, apenas, através das notícias. Também os comentadores e analistas marcam e influenciam o ?tom? de cada campanha.

No que respeita a estas eleições, um breve balanço da sua cobertura noticiosa, mostra que a maioria dos jornais, rádios e televisões, optou por uma cobertura reactiva, seguindo os candidatos, dando nota dos seus discursos, não obstante ter existido, desta vez, mais informação sobre os diferentes programas, além de iniciativas à margem da agenda dos partidos. Contudo, no essencial, as notícias menorizaram a discussão aprofundada das propostas políticas em causa (que é diferente da sua simples apresentação) centrando-se, sobretudo, nas sondagens, nas polémicas em torno do ?Euro’2004? e na dramatização da ?maioria absoluta?.

Não houve queixas significativas dos leitores relativamente ao trabalho jornalístico feito pelo DN. Apenas algumas colunas de opinião dos jornalistas Luís Delgado e Maria Elisa foram objecto de reacções negativas, como foi o caso do leitor Pedro Cordeiro que lamenta não ter o DN seguido, desta vez, os critérios adoptados na campanha para as autárquicas, relativamente a colunistas-candidatos. Afirma este leitor que, no Diário do passado dia 10, Maria Elisa ?utilizou a sua coluna para publicitar as suas acções de campanha?. O director do DN considera, contudo, que ?tem sido tradição do DN ? tal como todos os outros jornais ? manter, em período eleitoral, as colunas dos seus colaboradores que são candidatos a deputados, uma vez que o leque é plural e cobre os principais partidos?.

Relativamente a textos de opinião de outros colaboradores do DN ? politólogos, universitários e outros ? não provocaram reacções, mesmo nos casos em que os autores tomaram posição a favor, ou contra, pessoas ou partidos políticos. A reacção negativa dos leitores recaíu, apenas, sobre os jornalistas que veicularam posições político-partidárias. Ao contrário do que pode parecer, essa reacção é lisonjeira para os jornalistas porque, além de mostrar respeito pela profissão, recusa-lhes outro papel que não o de instância de mediação dos discursos político-partidários. A tendência para o enfoque nos temas não substanciais da campanha, apontada aos jornalistas e aos políticos, verifica-se, também, nos comentadores, cujo discurso adopta, em grande parte, enquadramentos e estilos de linguagem muito próximos dos usados por políticos e jornalistas. Uma explicação possível para esta realidade pode encontrar-se no facto de esses comentadores pensarem que, adaptando-se à lógica dos media, obterão maior aceitação junto do público. Outra, pode dever-se à circunstância de os jornais escolherem os seus colaboradores em função da capacidade que eles possuem de adequarem o seu discurso aos enquadramentos predominantes nos media. Qualquer que seja a explicação, o facto é que a maioria dos artigos de opinião reforça a tendência dos jornalistas para a apresentação das eleições como um jogo de estratégias e tácticas para a conquista do poder, pelo poder.

A ?superficialidade? do discurso veiculado quer pelas notícias, quer pelos textos de opinião resulta, para alguns leitores, da existência de um desfazamento entre o meio jornalístico e os interesses dos cidadãos. António Alves, atribui a ?responsabilidade? aos jornalistas e aos políticos. Contudo, não é fácil saber a quem cabe a maior responsabilidade. Mas, comparando, por exemplo, o relevo dado ao futebol durante a campanha ? quer pelos candidatos, quer pelos jornalistas ? com depoimentos de cidadãos publicados nos jornais, não é difícil dar razão ao leitor quanto à existência de um divórcio entre as preocupações dos cidadãos e o discurso político-mediático. No que respeita aos jornalistas, a dramatização das campanhas, através do relevo dado aos aspectos insólitos e polémicos, explica-se, em parte, pela natureza do trabalho jornalístico que lhes deixa pouco tempo para o aprofundamento dos problemas. Mas os candidatos alimentam essa tendência, quer através de uma linguagem construída a pensar nos títulos dos jornais, quer através de cenários preparados para a televisão. Neste contexto, os cidadãos esperariam, dos comentadores, uma análise menos comprometida com os ?vícios? do sistema político-mediático que, tantas vezes, eles próprios criticam. Uma cobertura menos reactiva e mais pró-activa das campanhas eleitorais, por parte dos media, enriquecida por análises e comentários dos muitos especialistas que colaboram nos jornais, permitiria que a discussão dos temas substantivos e da capacidade de liderança para os levar à prática, substituísse a discussão sobre as melhores estratégias para ganhar."