DIÁRIO DE NOTÍCIAS
"Moderno e sofisticado" copyright Diário de Notícias, 3/2/03
O ‘povo’ e os media
O desejo dos leitores do DN, de terem voz no jornal, corresponde a uma exigência dos cidadãos, cada vez maior, de participação no espaço público. Esse fenómeno ? potenciado pela Internet ? intensificou-se com o desenvolvimento da televisão, estendendo-se a outros media, que passaram a estar mais atentos às ‘pessoas comuns’. Mas o acesso do ‘povo’ aos media é controlado pelos detentores do ‘poder mediático’, na medida em que as elites detêm, como diz Bourdieu, o ‘monopólio de facto sobre os instrumentos de produção e de difusão da informação’. Na realidade, uma coisa é aceder ao espaço público como ‘actor’ efémero, outra coisa é possuir uma coluna num jornal, ou ser comentador ‘residente’ na rádio ou na televisão. De facto, o acesso regular aos media está reservado a certas elites, nas quais os cidadãos parecem rever-se cada vez menos.
Em Portugal, a instauração da democracia e da liberdade de imprensa levou os jornais a abrir espaços destinados à crítica e à participação dos leitores, nomeadamente através da publicação das suas cartas. No DN, a rubrica Meu Caro DN e as páginas de opinião são fortemente disputadas pelos leitores, para manifestação das suas ideias, sendo essa uma das maiores reivindicações dirigidas à provedora, apesar de não lhe competir qualquer intervenção nessa área. Mas há aspectos que merecem atenção.
Comecemos pelas cartas dirigidas ao Meu Caro DN. A grande maioria dos leitores conhece as regras dessa rubrica, pelo que diminuíram sensivelmente as queixas sobre os ‘cortes’ feitos pelo jornal para reduzir as cartas a uma dimensão conveniente. Contudo, apesar de muitos reconhecerem que não é possível publicar todas as cartas e de o DN ter, na recente remodelação do seu formato, aumentado o espaço que lhes é dedicado, persistem queixas, por exemplo, quanto aos critérios de selecção das cartas. Alguns leitores acusam, mesmo, o jornal de ‘censura’ e de ‘silenciamento’.
Vejamos alguns casos: Isabel Rebelo conta que remeteu ao DN, em Novembro, um texto ‘inspirado numa situação concreta de que foi alvo’ (noutro jornal), no qual ‘alertava para a necessidade de os organismos representativos dos jornalistas’ actuarem contra a ‘violação de deveres’ deontológicos, mas ‘o DN preferiu silenciar o assunto, publicando duas cartas sobre as claques do Sporting (23/11)’. A leitora aponta como explicação, a ‘intocabilidade dos jornalistas’. Também Ismael Hernández se queixa de as suas cartas, sobre questões linguísticas, não terem sido publicadas, perguntando qual ‘o tipo de ‘interesses’ que estará por detrás de tal ‘silenciamento”. Por sua vez, Ricardo Campos refere a ‘publicação tardia’ e a ‘forma reduzida’ que fizeram uma carta sua, em que rebatia a opinião de um colaborador, ‘perder oportunidade’.
Outros leitores gostariam de ver publicados textos de sua autoria sobre temas de actualidade, ou comentar artigos de colaboradores. É o caso de Joaquim Heleno que enviou ao DN ‘uma leitura pessoal do significado das mudanças políticas e sociológicas’ manifestadas ‘nos dois últimos actos eleitorais’, mas, ‘apesar de várias diligências (…) nem publicação, nem rasto’ do seu escrito. Afirmando compreender ‘a inevitável selectividade’, considera que ‘entregar as páginas de opinião (…) sistematicamente a ‘oficiosos’, (…) que, embora de quadrantes políticos diferentes, já se sabe antecipadamente o que vão escrever’, parece-lhe ‘redutor da opinião pública e impede que pontos de vista ‘desalinhados’, mas com interesse, possam ser divulgados e expostos’.
Sobre este caso, o director do DN, Mário Resendes, refere que ‘as páginas de opinião do DN, bem como o espaço dedicado a cartas dos leitores (aumentado a partir de 2 de Janeiro de 2003) e ainda os comentários de jornalistas ou especialistas convidados que surgem ao longo das páginas do DN, comprovam que o leitor não tem razão’. Em sua opinião, ‘o pluralismo, confronto de ideias, críticas ao jornal ? frequentes no exame diário e nas cartas dos leitores ? e a própria existência de um Provedor dos Leitores não deixam margem para dúvidas a esse respeito’.
O director tem razão quanto à pluralidade de vozes que se expressam no DN e ao espaço dedicado aos leitores. Acresce que o acesso de políticos, governantes e analistas, aos media, não pode ser posto em causa, dado caber-lhes, nomeadamente aos dois primeiros, o dever de exporem publicamente as suas ideias, uma vez que só conhecendo-as os cidadãos poderão efectuar escolhas conscientes. O seu acesso aos media é, pois, condição da democracia.
Contudo, isso não significa que detenham o conhecimento exclusivo dos problemas da sociedade. Pelo contrário, muitas vezes, políticos e jornalistas vivem ‘cortados’ dos reais interesses dos cidadãos. Por isso, é legítimo que o ‘cidadão comum’ sinta que a liberdade de expressão e o direito à informação passam, também, pelo seu acesso aos media. De facto, do equilíbrio e da variedade das vozes que neles se manifestam depende, também, a qualidade da democracia.
Bloco-notas
Agrado e insatisfação ? Os leitores dividem-se entre o agrado e a insatisfação face ao novo ‘rosto’ do DN. Apesar das opiniões não serem, como é natural, unânimes, existe um dado comum aos que se pronunciam, que se traduz num sentimento de pertença relativamente ao jornal, que é visto pelos seus leitores como algo de que se gosta muito e se castiga ou premeia, mas se defende. Esse é um ‘capital’ de extrema importância que importa preservar e de-senvolver.
"Restaurar o farol" ? Enquanto uns apreciam o novo formato que consideram ‘mais facilmente transportável’, ‘mais vivo’, ‘mais fácil de ler’, ‘moderno’ e ‘dinâmico’, outros acham–no mais ‘fútil’ e ‘menos consistente nas matérias’. Ilídio Rodrigues lamenta que o suplemento dnNegócios tenha deixado de sair às segundas-feiras e que o jornal ‘vá perdendo as suas referências’. Também lamenta ‘ver o DN parecer-se cada vez mais com jornais como o 24 horas e o Correio da Manhã’. Confessando-se um leitor, de sempre, do DN, deseja poder contribuir com a sua opinião para a sua melhoria ‘e para restaurar e manter o seu papel de ‘farol’ e de jornal de referência no panorama desolador da imprensa portuguesa’.
Impacto visual ? Também a leitora Marta Martins ? citada em coluna anterior ? dizia que ‘a sensação que fica, ao ler o ‘novo DN‘ é a de que ficaram menos espaços para as letras e mais espaços para publicidade e fotografias’. Contudo, o editor de Arte do DN, José Maria Ribeirinho, refere que ‘muitas vezes a ‘sensação que fica’ não corresponde inteiramente à realidade, o impacto visual altera-nos alguns equilíbrios tradicionais, a que nos habituámos. O novo modelo gráfico do DN, apoiado na cor, na introdução da infografia e no tratamento específico da tipografia, projecta-nos uma imagem suave de um diário, aberto e de grande legibilidade, mais próximo do leitor e com mais informação útil. A diversidade dos recursos editoriais e gráficos do novo grafismo não limita ‘os espaços para as letras’, mas antes diversifica as entradas de textos, muitas vezes traduzindo-se em mais informação’. Para o editor de Arte, ‘este modelo de redesenho do DN inclina-se para um grafismo mais vivo, assimétrico e de contrastes’.
O director do DN, Mário Resendes, completa a informação do editor de Arte: ‘A aposta é, claramente, num jornal de qualidade, de referência, mas com um grafismo mais moderno e sofisticado. A Opinião continua a ser uma componente muito forte do jornal. A informação é apresentada de forma mais contextualizada, com recurso a enquadramentos históricos e de relacionamento com outros factos importantes para um melhor entendimento do que está em causa.’ Sobre a ‘confusão’ referida pela leitora Marta Martins, entre o novo grafismo do DN e do Jornal de Notícias ou Jornal da Madeira, afirma: ‘Não há qualquer semelhança ao lay-out de outros jornais portugueses. Basta comparar.’