DIÁRIO DE NOTÍCIAS
"Rotinas de cobertura de guerra", copyright Diário de Notícias, 7/4/03
"Uma das marcas que identificam um jornal ?de referência? é o número dos seus correspondentes no estrangeiro. No século XIX a superioridade da imprensa americana e britânica era, a esse nível, notória. Até à primeira Grande Guerra, por exemplo, para além dos americanos e britânicos, poucos jornais possuíam correspondentes no exterior.
Hoje em dia, os jornais ?de referência? possuem ?redes? de correspondentes e enviam repórteres a zonas de conflito, garantindo, assim, uma cobertura, tão alargada quanto possível, do que se passa no mundo. Contudo, um grande número de locais fica fora dessas ?redes?, enquanto de muitos outros só se ouve falar em situações limite. O Afeganistão, o Ruanda, quase toda a África, são exemplos de regiões que atraíram os media internacionais em momentos de conflito ou catástrofe mas que depois, com a saída dos jornalistas, são esquecidos. Por isso, muito do que se passa no mundo não chega ao nosso conhecimento.
Por razões de natureza essencialmente económica, nem todos os jornais podem enviar repórteres a zonas de conflito. De facto, destacar, durante semanas ou meses, um ou vários jornalistas para locais afastados não está ao alcance de todos. No caso do Iraque, os jornais portugueses ?de referência? enviaram os seus repórteres, mas poucos conseguiram chegar a Bagdad. A maioria acabou por ficar em zonas donde é suposto poder acompanhar a guerra.
Para minorarem os efeitos da ausência de ?enviados especiais? às zonas da ?frente? os jornais ?de referência? utilizam várias estratégias. Por um lado, conscientes da falta de credibilidade de grande parte da informação disponível, optam pela análise e explicação dos acontecimentos, geralmente a cargo de especialistas. Por outro, recorrem ao trabalho regular de jornalistas de outros media. É o que faz o DN ao publicar, diariamente, textos de repórteres do jornal britânico The Independent.
A centralidade da guerra como tema noticioso leva, também, as redacções a dotar-se de rotinas que lhes permitam ordenar o imenso caudal de notícias que chega continuamente ao jornal. A cobertura estrutura-se, assim, em torno de alguns eixos principais: a Redacção é o ?centro nevrálgico? onde se coordena o trabalho dos ?enviados especiais? e se compila informação proveniente de várias fontes. Ao contrário dos repórteres no exterior, a Redacção possui uma visão ?global? dos acontecimentos, estando, pois, apta a tomar decisões sobre as prioridades editoriais de cada dia.
No que se refere à produção jornalística distinguem-se duas grandes áreas: a apresentação dos ?factos?, que inclui as reportagens dos ?enviados especiais?, os relatos de conferências de imprensa e briefings oficiais, as notícias ?breves?, os ?diários? do conflito e as ?revistas de imprensa? dos principais jornais do mundo, elaborados geralmente com base em ?despachos? de agência, notícias de outros media e pesquisas na Internet. A fotografia e o grafismo ? com assinalável relevo no DN ? constituem um complemento das notícias.
A opinião sobre os acontecimentos surge em comentários, artigos e entrevistas. No caso desta guerra, existe um claro enfoque nas áreas militar e política, com prejuízo dos aspectos históricos, políticos, culturais, económicos, sociais e religiosos.
Não existem diferenças significativas entre os diversos media, independentemente da especificidade dos respectivos suportes e tecnologias. Contudo, a semelhança estrutural não significa que não existam diferenças de conteúdo. O actual formato do DN, baseado em textos sucintos e fragmentados, e grandes fotografias, dificulta a abordagem aprofundada de certos temas. Isso leva, também, a que as crónicas dos ?enviados especiais? tenham de se adaptar a um formato que não lhes deixa grande margem para uma escrita mais distendida e informal.
Rui Lourenço, residente no Reino Unido e ?leitor atento dos relatos de guerra do repórter britânico Robert Fisk? no jornal The Independent, deparou com ?uma das suas crónicas no DN online, traduzida e adaptada livremente, amputada de alguns parágrafos?. Isso levou-o a perguntar se é ?adaptação ou censura?.
O DN, pela voz do jornalista José Manuel Barroso (JMB), responde que ?não se trata de qualquer ?censura?, mas apenas de uma ?adaptação? de texto, inevitável dada a diferença de formato de The Independent em relação ao DN?. Segundo o jornalista, ?sendo cada página do jornal inglês o dobro das do DN é inevitável adaptar (melhor: condensar) textos muito longos, escritos com a liberdade de quem tem um formato grande a preencher?. Segundo JMB, ?o próprio jornal britânico ajusta, por vezes, os textos recebidos dos seus repórteres?.
A suspeita de ?censura? deve, evidentemente, ser afastada. Contudo, a reescrita, adaptação, ou condensação de um texto, para mais com a sensibilidade de uma reportagem de guerra, coloca sempre problemas. Uma maneira de evitar equívocos e garantir a transparência será indicar que se trata de uma versão reduzida do texto original.
Bloco-notas
Correspondentes de guerra
O correspondente de guerra é uma figura mítica do jornalismo. Apesar de o jornalista não ser, por definição, um actor nas notícias, as reportagens de guerra revelam, sempre alguns ?heróis?. Portugal não é excepção e não é excessivo reconhecer o profissionalismo e a coragem dos repórteres portugueses que se encontram em Bagdad. Mas, além dos ?heróis?, existem, também os ?vilões?. É o caso do veterano Peter Arnett, galardoado com o Prémio Pulitzer pela sua cobertura da guerra do Vietname para a Associated Press, agora despedido da NBC, para a qual fazia a cobertura da guerra. Arnett pertence à categoria dos repórteres lendários, em que se pode incluir, também, Robert Fisk, o correspondente de The Independent no Médio Oriente, cujas crónicas de guerra o DN vem publicando.
Robert fisk
É o jornalista britânico mais condecorado no seu país. Especializado em assuntos do Médio Oriente, autor de vários livros sobre a região, foi sete vezes vencedor do prémio British International Journalist of the Year. Cobriu a revolução iraniana, o conflito Irão-Iraque e a Guerra do Golfo e é um especialista no conflito israelo-palestiniano.
Numa entrevista ao magazine The Progressive, em 1998, Fisk explica como chegou a Beirute, onde vive. Tinha 29 anos e encontrava-se em Portugal como correspondente do London Times a cobrir o período pós-25 de Abril. Estava na praia quando recebeu um telefonema do seu editor, perguntando-lhe se queria substituir o correspondente no Líbano que pretendia regressar a Londres. A guerra civil no Líbano estava no começo, o posto era de três anos, mas Fisk acabou por ficar até hoje. Segundo afirma, no Reino Unido existe a tradição, e a convicção, de que quanto mais tempo um repórter permanece num país mais qualificado se torna para cobrir o que nele se passa.
Peter arnett
Peter Arnett encontrava-se no Iraque a cobrir a guerra para o programa National Geographic da NBC. Foi despedido por ter dado uma entrevista à televisão iraquiana onde emitiu opiniões pessoais, críticas para a estratégia americana. Pediu desculpa aos americanos, mas de nada lhe serviu.
Sobre o despedimento de Arnett, o pivot da CBS, Walter Cronkite, evocou, num artigo no NYT, o provérbio que diz que ?um repórter é tanto melhor quanto melhores forem as suas fontes?. Cronkite afirma que, ao conceder a entrevista à televisão iraquiana, Arnett estava a tentar agradar às autoridades do Iraque, primeiro para sua própria segurança e depois para obter informação sobre as forças iraquianas. Cronkite afirma que Arnett era um correspondente muito valioso na capital inimiga, uma vez que fornecia informação que podia ser útil aos próprios militares americanos. Considerando, embora, a atitude de Arnett de grande irresponsabilidade, Cronkite afirma que, com o seu despedimento, a América perdeu ?um olho? em Bagdad que provou ser uma mais-valia para o conhecimento de ?um inimigo misterioso?."