DIÁRIO DE NOTÍCIAS
"Por detrás das notícias", copyright Diário de Notícias, 14/9/03
"O leitor Gustavo Romão enviou à provedora uma interessante reflexão sobre o jornalismo onde afirma que, ultimamente, ?a leitura dos jornais constitui, muitas vezes, um exercício de decifração? para o qual a maioria dos leitores ?não está preparada?. Em sua opinião, uma das funções dos provedores deveria ser, precisamente, ?ajudar ao leitores a ler o jornal em profundidade? porque, a seu ver, um ?leitor desprevenido?, ou ?menos atento?, nem sempre percebe ?o que se esconde por detrás das notícias?. Apesar de se considerar ?uma pessoa atenta?, o leitor tem consciência de que lhe escapam ?certas subtilezas? usadas pelos jornalistas. Pergunta ?como poderão os leitores defender-se de notícias eventualmente distorcidas, incompletas ou, simplesmente, falsas?.
O leitor não identifica casos concretos mas as questões que coloca, pese embora o seu caracter abstracto, não podem deixar de causar alguma inquietação. De facto, se a leitura de um jornal cria no leitor a convicção de que o que nele se diz não é suficientemente claro e transparente para ser lido sem reservas, isto é, se o leitor necessita de ?chaves? que o ajudem a decifrar os títulos e os textos, é porque o jornal falhou na ?prova? de credibilidade a que está obrigado perante o seu público, isto é, quebrou-se o ?contrato? de confiança entre o jornal e o leitor. Contudo, a confiança do leitor no seu jornal não pressupõe uma leitura acrítica. Pelo contrário, uma leitura crítica é, não só útil, como desejável. São os leitores atentos, exigentes e informados os que mais estimulam quem faz o jornal.
A provedora só indirectamente pode ?ajudar? os leitores a ler o jornal. Mas, à semelhança do que se passa nos grandes jornais internacionais, o DN possui uma secção onde os leitores encontram, diariamente, informação, e por vezes análise, sobre o ?mundo? dos media. Embora não se trate, em sentido formal, de uma crítica dos media, os temas abordados nessa secção relatam experiências (positivas e negativas) vividas noutros media e noutros países, que permitem ao público aceder a informação que geralmente não integra as agendas informativas principais. Nesse espaço os leitores podem encontrar ?pistas? para melhor compreenderem os media e o jornalismo.
O DN possui, ainda, uma forma particular e peculiar de ?obrigar?, cada dia, um leitor a ler o jornal ?em profundidade? (para retomar as palavras do leitor). Trata-se da coluna Exame, publicada na página de abertura da secção dedicada à Opinião, onde surge, também, o editorial assinado pelos membros da direcção. Nessa coluna, um leitor escolhido pelo jornal, a quem é dirigida a pergunta do dia, é solicitado a dizer ?do que gostou mais e menos? na edição da véspera, o que pressupõe, em princípio, que esse leitor proceda, pelo menos nesse dia, a uma leitura mais atenta do jornal.
Essa coluna tem interesse porque as respostas publicadas, conjugadas com as profissões dos inquiridos (mencionadas na rubrica), permitem conhecer abordagens e reacções sobre o conteúdo do jornal, que reflectem formações, expectativas e interesses variados. Ora, apesar da leitura especialmente cuidada a que, certamente, procedem os leitores a quem é pedida opinião, raramente as respostas focam as ?subtilezas? jornalísticas, de que fala o leitor G. Romão. Mas, por vezes, elas são apontadas.
Vejamos um caso concreto que ajuda a enquadrar melhor a questão. No passado dia 8, o inquirido na rubrica Exame era um leitor, jornalista de profissão, a quem não passou despercebida uma notícia da véspera, que possuía o título Amiga de Bibi revelou no DIAP conversa sobre ?pedófilos? na RTP. Esse leitor-jornalista apontou essa notícia como aquela de que ?gostou menos?, por ?na primeira página dizer-se uma coisa? e ?dentro outra?. Pergunta, mesmo, se se pretendeu ?denunciar uma fonte?.
As observações têm razão de ser, uma vez que, na primeira página, o DN afirmava que a ?Amiga de Bibi denunciou rede na RTP?, enquanto no interior dizia que o que a amiga de Bibi ?denunciou? no DIAP foi uma ?conversa? tida com ?uma jornalista? (cujo nome não é referido) que a contactou e lhe ?referiu os nomes de funcionários da RTP?.
Um ?leitor desprevenido? não terá imediatamente notado a discrepância entre as duas afirmações mas o leitor-jornalista que respondeu na rubrica Exame notou-a e foi, mesmo, mais longe, perguntando se a notícia pretendia, antes, ?denunciar uma fonte?. De facto, o que a notícia acaba por dizer é que a tal ?jornalista? foi a fonte que forneceu à ?amiga de Bibi? informações sobre a ?rede na RTP?, informações essas que esta ?denunciou? no DIAP.
A crer na notícia, tratou-se de uma denúncia por interposta ?jornalista?. Contudo, a notícia não discute as muitas questões (sobretudo no plano ético) que a ?intervenção? de ?uma jornalista?, nos termos em que é descrita, levantaria.
O leitor Gustavo Romão tem razão: há notícias que precisam de ser decifradas, sobretudo se não fornecem elementos suficientes para a sua compreensão.
Bloco-Notas
O acto da palavra ? Segundo os linguistas, o destinatário é o personagem central do acto de palavra, uma vez que comunicar é sempre comunicar com alguém.
Apesar da aparente evidência desta asserção ela é frequentemente ignorada por quem se dirige a um público, como é o caso, entre outros, dos políticos, dos analistas e dos jornalistas.
Os primeiros, na medida em que as suas ?performances? são analisadas e criticadas pelos últimos, preparam-nas, essencialmente a pensar neles.
Quanto a estes, falam mais para o círculo político-mediático do que para o público.
A ?rentrée? ? Os comícios políticos da ?rentrée? são, a esse respeito, particularmente expressivos. Este ano, o líder do PS foi criticado por ter falado tempo demais, por se ter dispersado por vários temas e por ter surgido num cenário desadequado, cercado por figuras do partido que lhe terão retirado protagonismo.
A estratégia adoptada, de focalização das críticas na figura do líder do segundo partido da coligação governamental, foi reprovada sem apelo nem agravo.
Quanto à ?performance? do líder do PSD e primeiro-ministro, as apreciações foram quase unânimes no elogio do ?tempo certo? da sua intervenção, da simplicidade e eficácia do cenário escolhido (o líder isolado no palco), da ?não resposta? às críticas do líder socialista.
Conselheiros de imagem ? Mais que a substância dos discursos, são essencialmente os atributos exteriores (cenário, enquadramento do líder, extensão do discurso, tom de voz, etc.) ou a estratégia subjacente a cada frase pronunciada a merecerem avaliação e, ao mesmo tempo a serem objecto de sugestões. O trabalho jornalístico confunde-se, nessas apreciações, com o trabalho dos conselheiros de imagem, o que não deixa de ser elucidativo de uma certa erosão de fronteiras entre esses dois campos comunicacionais.
Os comentadores foram, por outro lado, unânimes na ?condenação à morte? do actual modelo de ?rentrée?. Tudo indica, pois, que os partidos seguirão o conselho e que o actual modelo não se repetirá.
Correio ? Alguns dos acontecimentos mais polémicos do Verão ? que envolveram a instituição militar (homenagem a Maggiolo Gouveia, demissão do Chefe do Estado Maior do Exército) ou a discussão em torno das responsabilidades dos incêndios ? provocaram reacções de leitores que fizeram chegar à provedora críticas a posições assumidas, em editorial, pelo DN. Como a provedora tem afirmado, e sem ignorar o peso do expresso nesse espaço, essa palavra reflecte, apenas, a posição do autor. Fica respondida a pergunta do leitor Carlos Esperança sobre o editorial de 15 de Agosto, que muito o chocou, em que, a propósito dos incêndios, o editorialista pedia a políticos (da oposição) ?contenção nas palavras? e ?mais vergonha na cara?."